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Processo, narrativa e estratégia

Nessa toada, há crescente necessidade de advogados com visão mais holística. Não basta conhecer o direito é preciso ir além.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Atualizado em 1 de agosto de 2017 16:45

Engana-se quem pensa que o processo (ou disputa) - seja ele Civil, Penal ou Arbitral -, se limite as normas procedimentais. Há muito mais do que teorias e dispositivos. Todo conflito de interesses, invariavelmente, consiste em um duelo de narrativas e estruturas persuasivas. É importantíssimo, portanto, avaliar estratégias em conjunto com o respeito aos ditames legais.

Nessa toada, há crescente necessidade de advogados com visão mais holística. Não basta conhecer o direito é preciso ir além. A Análise Econômica do Direito (AED) e a Teoria dos Jogos vêm ganhando força. Mas, elas são suficientes?

Para responder essa inquietante indagação, cumpre, antes de mais nada, apresentar uma assertiva: o Direito é aplicado por seres humanos. Sendo assim, o racionalismo exacerbado torna-se, a rigor, de uma ineficiência alucinante.

Conquanto a economia tenha relevada importância e seja a estrela da vez, sozinha ela fica no vazio. Como conciliar, então? Paradoxalmente, a resposta é simples, é fundamental não deixarmos de lado a persuasão e as técnicas de retórica.

Em conjunto com a economia e diversas outras ciências - como, e.g., a neurociência e a psicologia social -, os advogados precisam moldar o texto de forma persuasiva. Para tanto, não se pode perder de vista a relevância do que os americanos costumam chamar de Storytelling ­- ou, em português, a habilidade de contar bem uma história.

A arte de contar histórias - na acepção de construção de narrativas - é de suma importância. Pode parecer truísmo, mas ouvimos historias desde o berço, de nossas mães, pais, avôs e avós. Por essa razão, narrativas bem-postas e estruturadas nos soam mais persuasivas do que teses tecnicistas e complexas.

Em um primeiro momento, pode parecer difícil ao advogado - focado no estudo de disciplinas profundas - descer da abstração para apresentar o complexo de forma simples. Mas, com o tempo, percebe-se que é perfeitamente possível conciliar os dois universos. Não se trata, por óbvio, de um exercício fácil. Todavia, ele é necessário.

Diferente do mundo acadêmico, no qual o foco é a tese, as disputas são relatos de histórias que possuem personagens, repletos de dilemas, idiossincrasias e contradições. Parafraseando o título da conhecida obra de Nietzsche, somos humanos, demasiadamente humanos. Mesmo diante das mais intrincadas questões societárias, por exemplo, há sempre pessoas de carne e osso envolvidas, atuando como representantes e tomadores de decisões.

Lembro-me de uma máxima, repetida ad nauseam por meus professores na graduação: "os fatos se revoltam contra o Direito". Pois bem. Há uma enorme verdade no aforisma, se verificarmos que ele demonstra a relevância dos fatos, e, por via de consequência, das narrativas.

Na literatura jurídica americana, encontramos diversos escritos sobre a arte do Storytelling. Todavia, em nosso país, nunca encontrei um vasto material sobre essa habilidade essencial, salvo honrosas exceções, é claro. Nem, tampouco, há dedicação ao assunto nas Universidades brasileiras.

Em breve resumo, o domínio das técnicas narrativas e da persuasão demandam, pelo menos, uma devoção à literatura, à poesia, ao estudo da psicologia social e da retórica. Sem isso, "chovemos no molhado" e nos perdemos, como diria Carlos Lacerda, "na difícil tarefa de complicar o que é fácil, para depois facilitar o que é difícil", uma receita perfeita para confundirmos julgadores e árbitros.

Se queremos ser eficientes em uma disputa, devemos nos despir do tecnicismo e abraçar a realidade humana. Precisamos, assim, entender os fatos e construir nossas narrativas de forma clara, franca, e, acima de tudo, com credibilidade. As questões jurídicas, econômicas e sociais, portanto, devem mesclar, de forma fluida, com o texto de nossas histórias.

Para iniciar, uma receita simples: períodos curtos, voz ativa, títulos e tópicos curtos. Uma peça pode ser longa, mas deve seguir, minimamente, essas pequenas diretrizes. Fujamos do "truncado" ou do complicado e abracemos a boa escrita, simples, agradável, intensa e persuasiva. Advogados precisam redigir suas peças de forma a prender a atenção dos leitores.

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*Leonardo Corrêa é advogado.

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