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O futuro da advocacia

É certo que quase dois séculos alteraram muita coisa no Brasil. Reviram-se valores e costumes, amainaram-se preconceitos, ruíram intolerâncias.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Atualizado em 10 de agosto de 2017 13:32

Há 190 anos, o imperador Pedro I assinava a lei que criava os dois primeiros cursos jurídicos no Brasil. Num país ainda nascendo, com somente três anos de independência política e com muito a ser feito pela frente, abriam-se duas faculdades, que iriam formar grande parte da elite política do país, tanto no império quanto na República que viria a surgir no século seguinte.

Um espaço de tempo de quase 200 anos, certa e precisamente alterou, sobremaneira, tanto o direito quanto o seu ensino ao longo de 19 décadas. No correr desse período, o Brasil teve dois imperadores e uma República com 37 presidentes e uma tradição de ruptura institucional que, felizmente, parece superada.

É certo que quase dois séculos alteraram muita coisa no Brasil. Reviram-se valores e costumes, amainaram-se preconceitos, ruíram intolerâncias, lançaram-se pontes para reduzir distâncias econômicas e sociais que, no passado, segregavam pessoas por sua condição financeira, credo ou gênero.

O direito, assim, foi-se amoldado aos tempos, sendo tanto seu ensino quanto sua prática, guiados pelas demandas emergentes em cada época - seja pelo surgimento de legislação que acolheram alterações sociais, seja porque, em muitos casos, houve o bom senso do julgador em acolher as transformações, criando jurisprudências que atendessem ao que foi mudado pela prática social corrente.

Hoje, claramente, tanto o direito quanto a prática forense estão cada vez mais ligados às realidades contemporâneas que se transformam com a rapidez com que avançam, por exemplo, as tecnologias da informação. Porém, se o avanço tecnológico pode até permitir que uma inteligência artificial nos dê mais ferramentas para melhor compreensão da lei e emissão de juízos de valor, é preciso ter em mente que o Direito é uma ciência humana. A tecnologia ajuda, mas não substitui a mente humana como a mais importante ferramenta na emissão de uma sentença judicial.

Em algum tempo teremos todos os processos judiciais em ambiente virtual, dispensando o uso do papel, de assinaturas físicas ou do uso de carimbos e outras práticas usuais no exercício da advocacia. Robôs poderão decifrar centenas de diplomas legais, cotejando e comparando, apontando saídas, falhas, possibilidades de favorecimento ou não de um demandante ou demandado. No entanto, é o olhar humano, a capacidade de medir o que é bom e justo que sempre deverá guiar a ação do advogado ou qualquer outro operador do direito.

A presença cada vez maior da tecnologia da informação nos tribunais é bem-vinda, porque certamente facilita a administração da Justiça, reduz custos, melhora o acesso das pessoas ao Judiciário, permite ao próprio jurisdicionado acompanhar uma ação e cobrar do seu advogado ou mesmo do juiz maior celeridade. No entanto, não se pode perder de vista que a razão de ser do advogado é o amplo direito à defesa e ao contraditório.

Sim, devemos evoluir, dispor de ferramentas e aplicativos que a tecnologia da informação nos proporcionam, mas tudo isso precisa estar a serviço da eficiência do advogado no que lhe é essencial: o trabalho em favor de pessoas, de seres humanos. O direito é essencialmente ciência humana, destinada a preservar a civilidade e valores básicos, sem os quais não existiriam advogados, juízes ou promotores de Justiça.

Usemos, então, a tecnologia, fazendo dela e dos profissionais que a ela se dedicam, parceiros na construção de um mundo em que o Direito seja cada vez mais concreto, a despeito de já não mais ser trabalhado no espaço físico e sim no mundo virtual da internet. Quanto mais o Direito se fizer uma ação humana, mais evoluído e concreto, moderno e aberto às inovações ele o será.

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*Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado, ex-presidente da OAB-PI. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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