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Breves linhas sobre a reforma trabalhista

Trata-se de norma legal ambiciosa, complexa, destinada a modernizar a CLT. Somente, porém, após a incorporação gráfica à Consolidação conheceremos os resultados do casamento da nova com a velha lei.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Atualizado às 14:32

"Ninguém põe vinho novo em odres velhos" (Mt.16:17)

A reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dá os primeiros passos com as leis 13.429 e 13.467, ambas deste ano. A primeira confere legitimidade à terceirização. A segunda passará a vigorar em 120 dias. Trata-se de norma legal ambiciosa, complexa, destinada a modernizar a CLT. Somente, porém, após a incorporação gráfica à Consolidação conheceremos os resultados do casamento da nova com a velha lei, obra jurídica erguida sobre os princípios do contrato realidade, da hipossuficiência do trabalhador, da presença tutelar do Estado.

Dar-se-ão bem ou explodirão conflitos conjugais?

Ministros, desembargadores, juízes, procuradores, advogados, sindicalistas, gestores de recursos humanos, deverão debruçar-se sobre o polêmico diploma legal para conhecê-lo nas entrelinhas. Multiplicar-se-ão artigos, seminários, palestras, debates, com a missão de decifrar texto repleto de interrogações e carente de simplicidade.

Sete eixos orientam a lei 13.467:

1º) deter os excessos do Poder Judiciário Trabalhista;

2º) reduzir o brutal volume de ações;

3º) recuperar, para o cidadão empregado, a plena capacidade de exercer direitos e assumir responsabilidades;

4º) valorizar as negociações coletivas e protegê-las contra-ataques do Ministério Público do Trabalho;

5º) incentivar o diálogo entre patrões e empregados;

6º) democratizar a estrutura sindical; e

7º) acelerar o processo do trabalho.

Para conter a impetuosidade do Judiciário Trabalhista a lei ordena que "súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo TST e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei". O que temos aqui é a ênfase do óbvio, pois o artigo 5º, II, da CF já prescreve: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". A jurisprudência sumulada do TST convertera-se em ameaça a empregadores, incapazes de se defenderem de enunciados conflitantes com normas legais ou editados sem julgados precedentes.

Para reduzir o número de reclamações individuais a lei altera as normas da CLT que regem o pagamento de custas e institui a regra da sucumbência. Com idêntico objetivo havia sido aprovada a lei 10.537/02. Admitem as justificativas do projeto que "um dos problemas relacionados ao excesso de demandas na Justiça do Trabalho é a falta de onerosidade para se ingressar com uma ação, com a ausência de sucumbência e o grande número de pedidos de justiça gratuita. Essa litigância sem riscos acaba por estimular o ajuizamento da ação trabalhista". Reconhece, todavia, estar no artigo 5º, LXXIV, da CF a raiz do problema, porque assegura o benefício da justiça integral e gratuita "aos que comprovarem insuficiência de recursos".

As observações são reais. Pergunta-se, no entanto, se a nova legislação terá sucesso em seara onde fracassou a anterior. Ao desempregado não faltarão razões para dizer que lhe falta dinheiro. O mesmo ocorrerá com o pai de família cujo salário gira em torno de 2 ou 3 mil reais. Melhor teria sido texto curto e direto para cobrança de custas e honorários. Como sempre, diante de pedido de justiça gratuita o juiz decidirá.

A nova lei autoriza o trabalhador a negociar com o empregador, sem intermediário sindical, o banco de horas. A ele caberá, também, decidir se aceita a jornada de 12 horas por 36 de descanso e ajustar, se for o caso, prestação de serviços em regime de teletrabalho. Merece destaque a supressão da assistência e homologação na extinção do contrato. Se houver dispensa coletiva, a recente legislação deixa expressa a desnecessidade de concordância do sindicato. São providências simples que visam a afastar do trabalhador a imagem do hipossuficiente incapaz.

O reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos integra o rol de garantias fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais. É o que prescreve o artigo 7º, XXVI, da Constituição. Equivoca-se o legislador ao distinguir o que pode do que não pode ser coletivamente negociado. A norma constitucional é autoaplicável. Independe de regulamento. Por outro lado, a Convenção 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada e incorporada à legislação trabalhista pelo presidente Itamar Franco em 1994, afirma aos sindicatos o direito de decidir e negociar a pauta de reivindicações em liberdade, sem indesejável interferência do governo.

Incorre a lei, mais uma vez, em erro ao disciplinar a representação dos empregados nas empresas. O artigo 11 da Constituição abre espaço ao diálogo. Permite, nos estabelecimentos com mais de 200 empregados, "a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores". A matéria pertence à esfera das negociações. Neste aspecto o texto contradiz o relatório que alerta sobre "a necessidade de trazer as leis trabalhistas para o mundo real", e denuncia "o excesso de normas trabalhistas rígidas".

No que toca ao pagamento da contribuição sindical, o assunto pertence às dúvidas sobre o futuro de decadente sindicalismo. Indaga-se o que sobrará, nos próximos anos, da estrutura legada pela era Vargas, resistente no artigo 8º da Constituição. Sobreviverão as categorias econômicas e profissionais estanques, o monopólio de representação na base territorial, o registro no Ministério do Trabalho e Emprego, ou os sindicatos serão incluídos no Código Civil entre as pessoas jurídicas de direito privado? São perguntas que o legislador deixa no ar.

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*Artigo publicado. "O Estado de S. Paulo", 10.08.2017, pág. A-2.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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