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Garantia do mínimo necessário para uma sobrevivência digna

O direito do cônjuge sobrevivente na sucessão hereditária com descendentes na condição de herdeiro dos bens do "de cujos" pelo regime de separação convencional de bens

Vitor Ferreira de Campos e André Luis Capalbo

O cônjuge sobrevivente tem direito de concorrer com os herdeiros na partilha dos bens do falecido, posto que se a vontade for em sentido o inverso, nada mais seguro, em respeito à livre disposição de bens, que o cônjuge busque resolver a disposição de seu acervo patrimonial por testamento, do contrário, o cônjuge supérstite será amparado por lei conforme os termos expostos.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Atualizado em 16 de agosto de 2017 17:55

O Ordenamento Jurídico brasileiro possibilita aos cônjuges a livre escolha do regime de bens (art. 1639, do Código Civil de 2002), salvo as disposições legais obrigatórias da adoção do regime de separação obrigatória de bens, previstas no artigo 1.641 do CC e seguintes, que têm tido aplicabilidade atenuada, o que não será, entretanto, objeto de debate neste artigo.

Restringe-se ao presente artigo no debate acerca dos efeitos jurídicos dos bens do cônjuge falecido quando da adoção da separação convencional de bens.

Pelo regime de separação convencional de bens, o art.1687 do CC/12 possibilita que: "Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. ", ou seja, confere direito aos cônjuges de distinguirem o afeto dos bens, observando que, conforme leitura do art. 1688 da mesma lei, ambos "são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial".

Com efeito, a Lei Civil vislumbra a livre negociação patrimonial por força do pacto antenupcial (este obrigatório), ou seja, enaltece da autonomia privada da vontade das partes na escolha do regime de bens, desde que observado o princípio da boa-fé, e a devida ressalva de que o pacto antenupcial não pode invadir a seara do Direito Sucessório.

No entanto, ainda que partes tenham buscado uma vida em comum afetiva dissociada dos bens, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o outro deve permanecer desassistido patrimonialmente? A lei resguarda o direito hereditário ao cônjuge sobrevivente? Pode este concorrer com os herdeiros em relação aos bens do de cujus?
Veja-se que o artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, versa sobre a concorrência do cônjuge com os descendentes na sucessão hereditária, nos seguintes termos:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (...)" (grifou-se).


Consoante se vê, o dispositivo acima deixa expresso que, como regra geral na sucessão legítima, o cônjuge sobrevivente concorre com os herdeiros, ressalvados, tão somente, os casos expressamente referidos - casamento pelo regime da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhão parcial quando o autor da herança não houver deixado bens particulares.

No mesmo sentido, Enunciado 270 do Conselho da Justiça Federal:


"O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes".

Nesse passo, a disposição contida no artigo 1.829, inciso I, do Código Civil é fruto do avanço do pensamento jurídico acerca do assunto:

"(...) E nessa ordem de valores parece ter andado bem o legislador quando elevou o cônjuge e o companheiro a sucessores em grau de concorrência com os descendentes e ascendentes do de cujus, em quota-parte dependente da verificação de certos pressupostos que serão devidamente analisados nos tópicos pertinentes. É que, em fazendo com que o cônjuge supérstite concorra na sucessão do morto, premia aquele que esteve a seu lado até o momento de sua morte sem indagar se este contribuiu ou não para a aquisição dos bens postos em sucessão. Mas não deixa também de privilegiar os descendentes do autor da herança, garantindo-lhes meios de iniciar ou dar continuidade a suas vidas. E, na falta destes últimos, não esquece nem nega privilégio aos ascendentes do de cujus, responsáveis, no mais das vezes, pela formação e caráter do descendente falecido. Em assim agindo, o legislador demonstrou sapiência digna de nota e parece ter-se enquadrado entre aqueles que vêem como fundamento do direito sucessório não apenas o direito de propriedade em sua inteireza como também o direito de família, com o intuito de protegê- la, uni-la e perpetuá-la, como parecem ter querido os antigos mestres". (Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes, Comentários ao Código Civil, vol. 20, coord. Antônio Junqueira de Azevedo, São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 14 - grifou-se)

No mesmo sentido, se posicionou o eminente Professor Flávio Tartuce:

"O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, qualquer que seja o regime de bens do casamento, e se este for o da separação convencional, ele concorrerá com os descendentes à herança do falecido1 "

Destaque-se ainda que tal entendimento origina-se de inúmeras decisões/batalhas judiciais, evidenciando os seguintes julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

Recurso especial. Direito das sucessões. Inventário e partilha. Regime de bens. Separação convencional. Pacto antenupcial por escritura pública. Cônjuge sobrevivente. Concorrência na sucessão hereditária com descendentes. Condição de herdeiro. Reconhecimento. Exegese do art. 1.829, i, do CC/02. Avanço no campo sucessório do código civil de 2002. Princípio da vedação ao retrocesso social.

1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo no regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes necessário para uma sobrevivência digna.

2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social.

3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial.

4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem.

5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil.

6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente.

7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2 da Constituição Federal de 1988).

8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular.

9. Recurso especial não provido. (STJ, RESP 1.472.945, Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, J. 23/10/2014).

No mesmo sentido, o destaque ao Informativo 562 do C.STJ:

DIREITO CIVIL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE CASADO EM REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL E SUCESSÃO "CAUSA MORTIS".

No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre na sucessão causa mortis com os descendentes do autor da herança. Quem determina a ordem da vocação hereditária é o legislador, que pode construir um sistema para a separação em vida diverso do da separação por morte. E ele o fez, estabelecendo um sistema para a partilha dos bens por causa mortis e outro sistema para a separação em vida decorrente do divórcio. Se a mulher se separa, se divorcia, e o marido morre, ela não herda. Esse é o sistema de partilha em vida. Contudo, se ele vier a morrer durante a união, ela herda porque o Código a elevou à categoria de herdeira. São, como se vê, coisas diferentes. Ademais, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma que, nesta hipótese, o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar. Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, embora não uníssona. No mesmo sentido, caminha o Enunciado 270 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, ao dispor que: "O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes". Ressalta-se ainda que o art. 1.829, I, do CC, ao elencar os regimes de bens nos quais não há concorrência entre cônjuge supérstite e descendentes do falecido, menciona o da separação obrigatória e faz constar entre parênteses o art. 1.640, parágrafo único. Significa dizer que a separação obrigatória a que alude o dispositivo é aquela prevista no artigo mencionado entre parênteses. Como registrado na doutrina, a menção ao art. 1.640 constitui equívoco a ser sanado. Tal dispositivo legal não trata da questão. A referência correta é ao art. 1.641, que elenca os casos em que é obrigatória a adoção do regime de separação. Nessas circunstâncias, uma única conclusão é possível: quando o art. 1.829, I, do CC diz separação obrigatória, está referindo-se apenas à separação legal prevista no art. 1.641, cujo rol não inclui a separação convencional. Assim, de acordo com art. 1.829, I, do CC, a concorrência é afastada apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do CC, uma vez que o cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC). Precedentes citados: REsp 1.430.763-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/14; e REsp 1.346.324-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/14. REsp 1.382.170-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/4/15, DJe 26/5/15. - grifou-se

Portanto, de acordo com uma relevante construção doutrinária e jurisprudencial acerca da melhor interpretação da lei civil, por força do art. 1829, I, do Código Civil, aliado ao princípio da dignidade/proteção, elevado à categoria de direito e de princípio fundamental da Constituição, e consoante o atual entendimento do C.STJ, conclui-se que o cônjuge sobrevivente tem direito de concorrer com os herdeiros na partilha dos bens do falecido, posto que se a vontade for em sentido o inverso, nada mais seguro, em respeito à livre disposição de bens, que o cônjuge busque resolver a disposição de seu acervo patrimonial por testamento, do contrário, o cônjuge supérstite será amparado por lei conforme os termos expostos.
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1 Há concorrência do cônjuge no regime da separação convencional de bens. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 15/8/17.


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*Vitor Ferreira de Campos é advogado em Londrina/PR, no escritório Escapelato, Ferreira, & Ricciardi.

*André Luis Capalbo é bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Notarial e Registral, e assessor jurídico da 4ª Serventia de Registro Imobiliário da Comarca de Londrina-Paraná.

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