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Repetição ou compensação de indébito tributário: impossibilidade de modulação no Supremo

Plínio Gustavo Prado-Garcia

Declaração de inconstitucionalidade ali decidida quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, esteja a pretender a modulação dos efeitos dessa mesma decisão.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Atualizado às 17:28

Pende, ainda, junto ao Plenário do Supremo Tribunal Federal decisão sobre eventuais efeitos da declaração de inconstitucionalidade ali decidida quanto à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, ante o fato de que a recorrida, UNIÃO FEDERAL, esteja a pretender a modulação dos efeitos dessa mesma decisão.

Exatamente por isso, este advogado protocolou petição intercorrente nos autos do RE 574.706/PR pedindo a admissão de empresa cliente, na condição de terceiro interessado e como "amicus curiae".

Arguiu ali a inconstitucionalidade sem redução de texto e a necessidade interpretação conforme a Constituição, do artigo 27 da lei 9.868, de 1999.

Esse artigo 27 da referida lei estabeleceu que:

"Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

Ponderou, assim, ser direito de todos - pessoas naturais e pessoas jurídicas - recompor seu patrimônio pelas perdas sofridas, seja em razão de pagamento maior do que o devido ou de pagamento indevido, devendo considerar-se indevido não só o que se pagou a mais, involuntariamente, como o que se pagou com base em lei, em ato normativo ou em dispositivo de lei inconstitucionais, ou mesmo com base em equivocada interpretação de lei válida e constitucional.

Destacou, também como certo, que, em matéria tributária e perante as fazendas públicas, a legislação estabelece um prazo para o exercício do direito à repetição ou à compensação. E esse prazo é de cinco anos, como assegurado pelo artigo 168 do Código Tributário Nacional.

Salientou que os direitos individuais e coletivos constitucionalmente garantidos sempre se interpretam, na dúvida, a favor de seus titulares. E mais ainda, quando inexistente a dúvida.

E essa dúvida inexiste no sentido de que o prazo prescricional para a repetição ou a compensação do indébito (aí incluídos os valores inconstitucionalmente recolhidos ao Erário) é de cinco anos.

Lei geral e lei especial

Assim, o artigo 27 em comento se apresenta no contexto de uma lei geral. Já, o artigo 168 se põe no âmbito de lei especial.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a lei especial se sobrepõe à lei geral, quando entre elas haja disposições conflitantes. Esta não tem o condão de derrogá-la nem de revogá-la.

Se assim é, como o é, cabe indagar se o artigo 27 acima reproduzido pode servir de base e de fundamento para afastar a aplicabilidade do prazo prescricional de cinco anos, nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo por esse excelso Supremo Tribunal Federal.

A resposta deve ser negativa.

A rigor, não há distinção entre a decisão desse Supremo Tribunal pátrio, que julgue inconstitucional dispositivo de lei em ações individuais ou coletivas, no contexto do chamado controle difuso de constitucionalidade - beneficiando somente seus autores - e aquelas decisões adotadas no mesmo sentido no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade (caso de controle concentrado de constitucionalidade).

Ora, não pode haver tratamento diferenciado diante de situações entre si equivalentes, pois a declaração de inconstitucionalidade parte de uma arguição de inconstitucionalidade tanto no controle difuso, quanto no concentrado. Em nenhum desses casos poder-se-á admitir a "modulação" dos efeitos da decisão que declare a inconstitucionalidade da norma, do dispositivo de lei ou de uma lei inteira, para se negar a quem quer que seja o direito à repetição ou à compensação do indébito decorrente de pagamentos indevidos, efetuados dentro do prazo prescricional de cinco anos, contados retroativamente, da data do ajuizamento da ação pertinente.

Nesse sentido, jamais poderá ocorrer o que podemos qualificar de "modulatio in pejus", ou modulação que resulte em eliminar ou restringir direitos individuais e coletivos em face da Fazenda Pública.

Quando a modulação se faz aceitável

Diferente é a situação em que a questão julgada pela excelsa Corte, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, disser respeito a benefícios ou vantagens concedidas pela lei ou pelo ato normativo, a quem quer que seja, servidor público ou não, ou a interesses privados.

Nesses casos, não se cuidará de repetição de indébito tributário, mas de se determinar se a cessação do benefício e do favor legal julgados inconstitucionais deve acarretar ou não a restituição ao Erário dos valores recebidos por seus destinatários, enquanto ainda a lei e o ato normativo se presumiam constitucionais. Somente nessa hipótese se entreverá o atendimento do requisito do referido artigo 27 da lei 9.868/99, representado pela expressão "excepcional interesse social."

De fato! É do interesse social - no que nem mesmo se faz necessária qualquer exceção - que ninguém seja favorecido por lei e/ou por ato normativo declarados inconstitucionais por essa Corte Constitucional. Do mesmo modo que é do interesse geral da sociedade que o Erário não se aproprie de recursos sacados dos contribuintes com base em lei inconstitucional ou em atos normativos inconstitucionais ou inconstitucionalmente interpretados.

Interpretação conforme e sem redução de texto

Dessa maneira, o artigo 27, acima reproduzido, exige uma interpretação conforme a Constituição e sem redução de texto. Em outras palavras, uma interpretação que, mantendo inalterada sua redação, indique em que situações a modulação poderá ser adotada, sem que isso implique em ofensa à Constituição.

Pressupostos

Vejamos os pressupostos do mencionado artigo 27 da lei 9.868, de 1999.

O primeiro deles tem a ver com "razões de segurança jurídica". E o segundo, com "excepcional interesse social".

Evidentemente, a segurança jurídica diz com a garantia dos direitos individuais e coletivos no confronto com o Poder Público, especialmente com as Fazendas Públicas.

Lei alguma poderá restringir, limitar ou eliminar esse requisito de segurança jurídica sob o Estado Democrático de Direito, base da vigente Constituição Federal de 1988.

O artigo 168 do Código Tributário Nacional, quanto ao prazo prescricional de cinco anos para a repetição ou pedido de compensação do indébito, é norma asseguradora de direitos do contribuinte. Não pode ser objeto de modulação "in pejus". Caso contrário, seria o mesmo que, por vias indiretas, declará-lo inaplicável ou inconstitucional, onde nenhuma inconstitucionalidade ali existe.

É também de "excepcional interesse social" que os direitos individuais e coletivos sejam respeitados em face da lei e da Constituição. Motivo pelo qual nenhuma decisão desse excelso Supremo Tribunal Federal pode ser modulada para restringir ou eliminar esses direitos.

Resta, portanto, que poderá a Suprema Corte modular os efeitos de suas declarações de inconstitucionalidade de lei, de dispositivo de lei ou de atos normativos em situações outras que não aquelas envolvendo o direito dos contribuintes à repetição/compensação de indébitos. Mesmo porque nem se poderia admitir a desconsideração da garantia do prazo de cinco anos do artigo 168 do Código Tributário Nacional para a parte lesada vir a reclamar a repetição ou a compensação do indébito tributário.

Quebra de isonomia

Além disso, haveria quebra do princípio constitucional da isonomia tributária, pois igualaria as distintas situações em que se encontrariam quem houvesse, de longa data, ingressado em juízo contra lei ou norma arguida de inconstitucional e quem o fizesse apenas após a declaração de inconstitucionalidade exarada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal no caso concreto. Ora, não há como negar a qualquer deles o direito garantido pelo artigo 168 do Código Tributário Nacional, determinando que fiquem privados do ressarcimento referente aos indevidos pagamentos do período não prescrito.

Pondere-se que o referido artigo 27 nenhuma referência faz a que se deva privilegiar a arrecadação tributária, mediante a não devolução do indébito, por meio de modulação das decisões do Supremo.

Ademais, o prazo de prescrição do direito à repetição de indébito combina com as garantias de direitos individuais e coletivos, sob pena de assegurar-se por vias inconstitucionais, o enriquecimento sem causa do Erário (vedado pelo artigo 884 do Código Civil) e a própria desconsideração da vedação constitucional à exigência de tributo com efeito de confisco. Sem falar que os Poderes Públicos (como as Fazendas Públicas) sempre ficariam tentados a promover e editar leis tributárias inconstitucionais para impulsionar inconstitucionalmente sua arrecadação de impostos, de taxas e de contribuições sociais.

Arguição de inconstitucionalidade "incidenter tantum"

Dessa maneira, fica aqui arguida, incidentalmente, a inconstitucionalidade sem redução de texto desse artigo 27, cuja interpretação conforme a Constituição não deve ser outra senão de que esse artigo não tem aplicação para afastar o direito do sujeito passivo da obrigação tributária ao ressarcimento de valores recolhidos ao Erário no período não prescrito do artigo 168 do Código Tributário Nacional.

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*Plínio Gustavo Prado-Garcia é advogado, sócio fundador de Prado Garcia Advogados.

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