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Os acordos de leniência celebrados pelo Ministério Público no âmbito da Lava Jato e o dano ao erário

Se por um lado a decisão judicial referida não anula nem invalida o acordo de leniência firmado, por outro inaugura a discussão no âmbito judicial acerca da legitimidade e legalidade das leniências celebradas pelo Órgão Ministerial.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Atualizado em 28 de agosto de 2017 17:08

O Ministério Público Federal já firmou cerca de 16 (dezesseis) acordos de leniência no âmbito da operação Lava Jato, sendo que um desses acordos foi objeto de análise judicial promovida pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em decisão ainda não publicada.

A questão cingiu-se à impugnação de decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Curitiba, que determinou o bloqueio do faturamento e de bens do grupo Odebrecht em ação de improbidade movida pela União, a qual busca o ressarcimento de danos ao erário quantificados em mais de R$ 6 bilhões. Após o deferimento da liminar, atendendo a pleito do MPF, o Juízo Singular revogou-a, ao argumento da existência do acordo de leniência e suas tratativas respectivas acerca do não bloqueio de bens, o que motivou a interposição do agravo de instrumento recentemente provido.

Se por um lado a decisão judicial referida não anula nem invalida o acordo de leniência firmado, considerado à época o maior da história mundial, por outro inaugura a discussão no âmbito judicial acerca da legitimidade e legalidade das leniências celebradas pelo Órgão Ministerial, que antes estava circunscrita aos meios administrativo, advocatício e acadêmico.

Da análise do acordo de leniência firmado com a Odebrecht, percebe-se a dificuldade encontrada pelo MPF em lhe conferir base jurídica. Na Cláusula 1ª, o Ministério Público elenca 09 (nove) leis, além da Constituição Federal e duas Convenções Internacionais para justificar a sua atuação. A cuidadosa tessitura normativa, contudo, não logrou acobertar a clara inexistência de base legal para a celebração da avença. A competência para tais acordos é inequívoca: cabe ao Ministério da Transparência (CGU) a celebração de acordos de leniência com base na lei 12.846/13.

E um dos maiores prejuízos tangíveis verificados com a subversão das competências constitucionais atribuídas ao MPF, à AGU, à CGU e ao próprio TCU, localiza-se, precisamente, na apuração quantitativa do dano ao erário e sua correta destinação.

Sem adentrar-se nas críticas ainda existentes quanto a outros aspectos dos acordos celebrados, o fato é que o Ministério Público Federal não possui - além da legitimidade e competência - qualificação para apurar os danos causados ao erário.

A fragilidade é tamanha que o próprio ajuste de leniência previu em seu texto a necessidade de o MPF solicitar "às expensas da COLABORADORA, a assessoria financeira de empresa especializada e idônea" para apurar ajustes no valor denominado, ironicamente, "Valor Global".

O ajuizamento de sucessivas ações de improbidade pela União, buscando o ressarcimento ao erário pelos mesmos fatos tratados nas leniências celebradas na Lava Jato, demonstra que de "Global" tais valores nada têm.

Os importes apontados pelo MPF carecem de critério matemático-científico, bastando analisar que o somatório das ações de improbidade ajuizadas até o momento pela União aponta a cifra de R$ 40 bilhões em danos (incluídas aí as multas legais), quando o acordo de leniência celebrado com a Odebrecht contemplou apenas R$ 3,8 bilhões, parte dos quais destinados aos Estados Unidos e à Suíça. Vale dizer que os cálculos apresentados pela Advocacia-Geral da União consideram elementos técnicos fornecidos pelo Tribunal de Contas da União, baseados em estudo econométrico aplicado a partir da análise dos contratos fraudados, além de multas.

A decisão proferida pelo TRF da 4ª Região determina o bloqueio do faturamento e dos bens do grupo Odebrecht e não invalida ou suspende o acordo de leniência. Mas, deixa clara a atuação ilegal do Ministério Público Federal ao dispor sobre o patrimônio público, que de forma ineficiente ensejou larga margem de dano irressarcido. Além disso, descortinou a forma desconexa de atuação de um dos principais órgãos envolvidos no combate à corrupção. No outro extremo, ao unir-se em atuação colaborativa, CGU, AGU e TCU dão exemplo forte de como o Poder Público deve agir combatendo atos corruptivos e, principalmente, garantindo o retorno aos cofres públicos dos valores desviados, de forma mais completa possível.

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*Izabela Frota Melo é advogada do escritório Frota & Camargo Consultoria Jurídica e Procuradora do Distrito Federal.

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