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Interceptações telefônicas utilizadas, como prova emprestada, no PAD e, posteriormente, consideradas ilícitas pelo juízo criminal competente

É lógico, é evidente, está mais do que claro que, se, ao julgar o MS o juízo criminal já tivesse declarado nula a prova emprestada ao PAD, o juízo cível nunca declararia o contrário, posto que é impossível a prova declarada ilícita no processo criminal onde foi colhida ser aproveitada em qualquer outro processo, de qualquer natureza que seja este.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Atualizado às 14:51

A questão que se submete é a seguinte: impetrado um mandado de segurança, visando a anulação de ato administrativo disciplinar em que se utilizou, exclusivamente, de interceptações telefônicas para concluir pela aplicação de penalidade ao servidor. Na decisão do mandamus, o juiz cível, ou o tribunal no exercício da jurisdição civil, indefere a ordem sob a alegação de que a quebra do sigilo das comunicações se deu licitamente por autoridade competente, podendo, portanto, as interceptações telefônicas ser utilizadas no procedimento disciplinar como prova emprestada. Ocorre que, posteriormente, o juízo criminal, em sede de habeas corpus, considera as mesmas interceptações telefônicas provas ilícitas e determina que elas sejam desentranhadas do processo criminal onde foram colhidas. A pergunta que se faz é: pode prevalecer a decisão administrativa que puniu o servidor, ou esta deve ser revista, após a exclusão das interceptações telefônicas?

Pois bem, o alcance da decisão do juízo criminal, proferida em habeas corpus, é, em princípio, restrito à esfera do procedimento criminal (inquérito ou ação penal).

Ocorre que, na hipótese, foi naquele procedimento criminal que foram feitas as interceptações telefônicas, depois emprestadas para fazer prova no procedimento administrativo disciplinar.

Ora, é de curial sabença que um dos requisitos para que se admita o empréstimo de prova é, evidentemente, que ela seja considerada lícita no processo de origem, porque, nos termos do art. 5º, inciso LVI, da Constituição "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

A propósito do empréstimo da prova considerada ilícita no processo de origem, ensina Paulo Osternack Amaral, doutor e mestre em direito processual pela USP:

(...)

Como regra, é inadmissível o aproveitamento de uma prova ilícita em qualquer processo. O fato de o direito material já ter sido violado no processo anterior não infirma tal conclusão. A prova ilícita é ineficaz. Isso significa que ela não tem aptidão para produzir efeitos no processo em que se pretendeu o seu ingresso ou em qualquer outro. A violação do direito material não desaparece após a sua revelação judicial. Ao contrário, é exatamente o reconhecimento judicial da ilicitude da prova que impede que ela seja admitida no processo (qualquer processo).

Disso decorre a improcedência do argumento de que seria admissível o empréstimo da prova ilícita, que então se submeteria à valoração pelo juiz do processo posterior. Para que uma prova seja emprestada, é imprescindível que ela tenha sido ao menos admitida no processo anterior. O reconhecimento da ilicitude da prova desvenda que ela sequer ultrapassou a fase de admissibilidade no processo antecedente. A sua ineficácia é absoluta. Isso torna impossível que tal prova seja transportada para um processo posterior.

(...)

Em suma, como regra, não será possível emprestar uma prova que tenha sido considerada ilícita no processo em que foi produzida1.

Nesse mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já teve a oportunidade de decidir, in verbis:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECLARADA ILÍCITA PELO JUIZO CRIMINAL E CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PROVA EMPRESTADA DO PROCESSO CRIME IMPRESTÁVEL.

Prova emprestada, interceptação telefônica, declarada ilícita pelo juízo criminal, não pode ser utilizada no processo cível, o que não implica vulneração à independência das instâncias cível e criminal. A prova não pode ser ilícita para o processo crime e ao mesmo tempo lícita para o processo cível".2

Vale destacar, desse julgamento, trecho do voto-condutor, que seguiu na esteira do parecer do Ministério Público Federal:

(...)

Disse com acerto e percuciência, o Procurador da República Danilo Pinheiro Dias, na contraminuta (fls. 217/218):

"Como já salientado no bojo da Ação Civil Pública em discussão, o procedimento especial da Ação de Improbidade Administrativa exige (§ 6° do Art. 17 da lei 8.429/92), para regular constituição da relação jurídica processual, que a petição inicial esteja devidamente "instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade (...)".

Desafortunadamente, toda prova que lastreou os fatos narrados na inicial tem origem na interceptação telefônica considerada ilícita pelo juízo criminal que tinha competência para autorizá-la.

É curial que a prova emprestada traga consigo os vícios intrínsecos decorrentes da não observância de requisitos materiais ou formais por parte do juízo de origem.

Por óbvio, quando a prova emprestada é resultado de interceptação telefônica, a decisão criminal que declara a nulidade desta prova deve vincular o juízo cível, sem que isso implique vulneração à independência das instâncias cível e criminal. A questão é de competência: só o juízo criminal tem competência para examinar os requisitos necessários à concessão da interceptação.

Ademais, o STF, declarada a ilicitude da prova, não tem admitido que se lance mão do princípio da proporcionalidade para mitigar a regra constitucional que veda a utilização de provas ilícitas, a exemplo da decisão proferida no HC 79.512-9/RJ.

De outro lado, inexistem nos autos outras provas que não derivem diretamente da interceptação considerada ilícita pelo juízo criminal, aplicando-se ao caso, portanto, a teoria do fruto da árvore envenenada".

Pois, então, como poderiam prevalecer, no PAD, as provas emprestadas que foram consideradas ilícitas no feito criminal em que foram produzidas? Essa é a verdadeira quaestio iuris a ser decifrada!

Dizer que o juízo cível já decidira, em sede de mandado de segurança impetrado contra ato administrativo (jurisdição cível), que a interceptação telefônica é lícita, dando prevalência a essa decisão, é alegação que não goza de nenhuma juridicidade.

Primeiro porque, na ocasião em que o juízo cível julgou o mandado de segurança nesse sentido, o juízo criminal ainda não havia considerado ilícita a prova que se emprestou ao PAD.

É lógico, é evidente, está mais do que claro que, se, ao julgar o MS o juízo criminal já tivesse declarado nula a prova emprestada ao PAD, o juízo cível nunca declararia o contrário, posto que é impossível a prova declarada ilícita no processo criminal onde foi colhida ser aproveitada em qualquer outro processo, de qualquer natureza que seja este.

Em segundo lugar, vale lembrar que a finalidade do mandado de segurança é a proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sendo admitida a sua utilização somente quando não são os demais meios constitucionais aptos a dirimirem a questão. Assim, tratando-se de nulidade do processo penal (prova ilícita), que pode redundar em coação ao direito e ir e vir, indubitavelmente, no caso, o habeas corpus é o instrumento adequado e eficaz para se alegar e decidir sobre a licitude ou ilicitude de interceptações telefônicas, já que a finalidade destas é, unicamente, para fins de investigação criminal ou processo penal, só podendo ser deferidas pela autoridade judicial competente.

Portanto, as conversas telefônicas interceptadas e consideradas ilícitas pelo juízo criminal devem ser extirpadas do Procedimento Administrativo Disciplinar.

A propósito, segundo a lição do eminente ministro Celso de Mello, "a ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due processo of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo".

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1 AMARAL, Paulo Osternack, in "Provas", Ed. JusPODIVM, 2ª ed., p. 489.

2 AG 2008.01.00.059634-4/BA, Rel. Desembargador Federal TOURINHO NETO, Terceira Turma, acompanhado pelos Desembargadores ASSUSETE MAGALHÃES e CÂNDIDO RIBEIRO, e-DJF1 de 06/03/09.

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*Eustáquio Nunes Silveira é magistrado aposentado e sócio administrador do escritório Silveira, Ribeiro e Advogados Associados.



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