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Caducidade de concessões e PPPs: notas sobre a conveniência e oportunidade da decisão para instauração do processo e sobre as formalidades para tanto¹

Na presente nota, eu gostaria de discutir dois temas que me parecem centrais em relação aos processos de caducidade, apesar de até aqui negligenciados pela doutrina jurídica.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Atualizado em 12 de dezembro de 2017 09:00

1. Introdução

A crise econômica, política e institucional pela qual passa o país combinada (a) com erros estruturais de modelagem dos contratos, (b) com descumprimentos contratuais recentes e atuais do poder concedente, e (c) com a realização de propostas agressivas nas licitações havidas no momento pré-crise econômica tem levado várias concessionárias de projetos de infraestrutura a dificuldades de darem continuidade à execução dos contratos.

A percepção da gravidade dessas dificuldades e do risco de elas arrastarem todo programa federal de concessões de rodovias e aeroportos ao fracasso, impactando, inclusive, o sucesso de concessões futuras, levou o Governo a adotar providências para reestruturar tais concessões2. Foram emitidas a medidas provisória 752/16, já convertida na lei 13.448/17 sobre relicitações de contratos, e as medidas provisórias 779/17, sobre reprogramação de pagamentos de outorgas de aeroportos, e a 800/17, sobre reprogramação de investimentos em rodovias.

Alguns dos contratos de concessão federal recentemente celebrados terão provavelmente dificuldade de se enquadrarem tanto no processo de relicitação quanto no de reprogramação de investimentos ou pagamentos de outorga previstos nas aludidas medidas provisórias e devem, em vista das dificuldades que estão sofrendo, ter provavelmente sua extinção decretada por caducidade, isso é por descumprimento pelo concessionário das suas obrigações.

Já houve um dos contratos de concessão de rodovias da 3ª Etapa, Fase III do PROCOFE - Programa Federal de Concessões de Rodovias que teve a sua caducidade decretada recentemente, o da concessionária Galvão BR 153. Fui advogado da concessionária nesse processo e pude testemunhar os diversos equívocos praticados pela agência reguladora na sua condução, que tornaram fácil a obtenção de decisão liminar junto ao Poder Judiciário para suspender o processo, quando isso foi de interesse da concessionária.

O processo para extinção de contratos de concessão por caducidade é regrado na lei 8.987/95 ("Lei de Concessões") e, geralmente, de forma sumária, nos contratos, que, na grande maioria das vezes, apenas repetem as disposições legais.

Nesse contexto, na presente nota, eu gostaria de discutir dois temas que me parecem centrais em relação aos processos de caducidade, apesar de até aqui negligenciados pela doutrina jurídica:

(i) critérios para definição da conveniência e oportunidade da decisão do poder concedente ou agência reguladora3 em adotar o caminho para aplicação da pena de caducidade, notificando o concessionário para iniciar o prazo de cura preliminar à instauração de processo de caducidade;

(ii) formalidades a serem seguidas para realização de tal notificação.

Para tanto, primeiro (item 2) vou tratar das disposições legais sobre a decretação de caducidade, para mostrar a inadequação dessas disposições, inclusive em face do princípio constitucional da proporcionalidade. Essas disposições basicamente permitem que se decrete a caducidade do contrato de concessão por qualquer descumprimento do contrato e não apenas na ocorrência de descumprimentos graves. A interpretação desses dispositivos conforme a Constituição Federal, contudo, deve limitar o uso do processo de caducidade apenas para descumprimentos contratuais graves e que não possam ser resolvidos pela abertura de processo sancionatório comum para aplicação de multas ou outras sanções menos graves prevista no contrato.

A seguir (item 3), vou demonstrar que, por gerar efeitos perversos sobre o próprio poder concedente, a prerrogativa de decretar a caducidade de concessões e PPPs - ou mesmo de iniciar o processo para decretar a caducidade - deve ser exercida com extrema parcimônia. Isso é algo que parecia óbvio até recentemente, de maneira que reguladores sempre evitaram iniciar processos de caducidade, mesmo em casos em que foram documentados descumprimentos graves do contrato de concessão pelo concessionário.4

Depois (item 4), eu vou tratar das alternativas práticas em relação ao início do processo de caducidade para argumentar que, nos casos em que é viável a solução por outros meios dos descumprimentos contratuais ou irregularidades praticadas pelo concessionário, o processo de caducidade não deve ser iniciado. Isso porque, particularmente em casos de descumprimento do contrato por consequência do agravamento, por qualquer motivo, da situação econômico-financeira do concessionário, o mero início dos procedimentos preliminares ao processo de caducidade pode ter o efeito de piorar a situação e até mesmo inviabilizar a concessão. Nesses casos, se há outras alternativas à caducidade, como, por exemplo, a transferência do controle da concessionária, o início mesmo dos procedimentos preliminares à abertura do processo de caducidade deve ser evitado.

A seguir, no item 5, tento entender porque, de repente, aparentemente as dificuldades em torno da caducidade deixaram de ter efeito dissuasório sobre os reguladores, que não hesitam atualmente em abrir prazo de cura para início dos processos de caducidade, mesmo em casos que poderiam ter outras soluções.

Depois disso (item 6), trato da possibilidade de delegação interna em uma agência reguladora da competência para notificar concessionário para início do prazo de cura para abertura de processo de caducidade e de formalidades a serem seguidas nessa notificação e no processo de caducidade.

No item 7, alinho à guisa de conclusão as principais ideias desenvolvidas no presente artigo e por fim, elenco no item 8 sugestões de alteração na Lei de Concessões e nos dispositivos sobre caducidade dos contratos de concessão e PPP atuais.

Acho importante deixar claro para o leitor que fui e sou advogado de concessionárias em diversos processos de caducidade ou preliminares à instauração de processos de caducidade.

2. As disposições legais sobre caducidade

A Lei de Concessões, em caso de descumprimento do contrato de concessão pelo concessionário, estabelece a discricionariedade do poder concedente para escolher entre a declaração de caducidade ou a aplicação de outras sanções. O dispositivo legal sobre o tema diz o seguinte:

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.

Em primeiro lugar, é preciso notar que esse dispositivo deveria ser modificado, por inconstitucionalidade. A possibilidade de qualquer descumprimento ser apenada com caducidade "a critério do poder concedente" viola frontalmente o assim chamado princípio da proporcionalidade da ação estatal. Somente descumprimentos graves deveriam poder ser apenados com a caducidade, uma vez que os demais descumprimentos contratuais são apenados pelas outras sanções ordinariamente previstas nos contratos, como as multas.

A impressão de inadequação constitucional do dispositivo não é minorada quando se volta os olhos para o seu parágrafo primeiro que, em tese, tipifica as condutas que devem dar azo à caducidade, conforme citado abaixo:

§ 1° A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:
I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;
II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;
III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;
IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;
V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos;
VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e
VII - a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (Redação dada pela Lei nº 12.767, de 2012)

Esse dispositivo deveria trazer uma enumeração que delimitasse claramente apenas condutas extremamente graves que justificassem a aplicação da sanção de caducidade. Todavia, o dispositivo é redigido de modo a abranger qualquer descumprimento contratual. Vide, por exemplo, o inciso II acima citado, que diz que é motivo para aplicação da sanção de caducidade "a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão". Pela redação do dispositivo não seria preciso sequer que os descumprimentos contratuais fossem graves para se aplicar a pena de caducidade.

Portanto, os dispositivos da Lei de Concessões que deveriam delimitar as graves situações que justificam a aplicação da sanção de caducidade simplesmente permitem que, em qualquer caso, de descumprimento do contrato seja viável a aplicação da sanção de caducidade. Esses dispositivos tratam, portanto, a caducidade de um contrato de concessão como uma sanção trivial, equivalente à aplicação de qualquer outra sanção por descumprimento de normas contratuais. A interpretação desses dispositivos em conformidade com o princípio da proporcionalidade da ação estatal exige que se entenda que o poder concedente não pode aplicar a caducidade senão em casos de descumprimentos graves ou reiterados, sob pena de se aplicar a mais grave das sanções incidentes sobre o concessionário em situações de descumprimento contratual trivial, o que poderia, inclusive, abrir portas para ações oportunistas do poder concedente tanto na decisão de iniciar processo de caducidade, quanto propriamente na decretação da caducidade.

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1 Gostaria de agradecer a Gabriela Engler pela revisão de texto e pelas diversas contribuições em relação à forma e conteúdo desse artigo. Eventuais erros e omissões são exclusivamente de minha responsabilidade.

2 Desde meados de 2014 que eu vinha assinalando a necessidade de se desenvolver programa governamental para reestruturação dos contratos de concessão federal de rodovias e aeroportos celebrados entre 2012 e 2014. Vide os seguintes artigos "Remediando os problemas de liquidez para evitar o colapso do setor de infraestrutura brasileiro", disponível em <clique aqui>; "Medida Provisória 727/16 sobre PPI: o Governo Temer renunciou a usar investimentos em infraestrutura no curto prazo para revitalizar a economia do país?", disponível em <clique aqui>; "Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investimentos em Infraestrutura do Governo Federal - as medidas que precisam ser adotadas não foram sequer mencionadas", disponível em <clique aqui>; "A Medida Provisória n° 752/16 e os setores rodoviário e aeroportuário - seu contexto, seus objetivos e as alterações que ela precisa sofrer ao longo do seu processo de conversão em lei" disponível em <clique aqui>.

3 É importante notar que várias das competências que caracterizam o poder concedente previsto na Lei 8.987/95 foram, posteriormente a essa lei, delegadas pela legislação às agências reguladoras.

4 Vide os descumprimentos das obrigações de investimento em duplicação das rodovias da 2ª Etapa, Fase I e II do PROCOFE.
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*Mauricio Portugal Ribeiro
é sócio do escritório Portugal Ribeiro Advogados. É especialista na estruturação, licitação e regulação de contratos de Concessões e PPPs nos setores de infraestrutura.


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