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Acordo sobre perdas derivadas do plano econômico, a tragédia corporificada em ato judicial - tudo resolvido, nada resolvido.

A base desse acordo é a de que, para satisfazer todos os credores, concessões teriam que ser feitas, seja na forma de parcelamentos, como de descontos.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Atualizado às 14:28

Está em fase final de conclusão o acordo bilionário que será fechado entre milhões de cidadãos e empresas com instituições financeiras mediante o qual elas pagarão bilhões de reais como indenização por perdas causadas por planos econômicos estabelecidos pela União.

Este caso revela a insanidade e irresponsabilidade na condução da gestão pública e que levou a outras consequências igualmente insanas em minha opinião.

No Brasil há um entendimento que por lei as coisas se resolvem, assim, por força de lei situações econômicas irão de per se melhorar e que é "obrigação" do Estado, sobretudo da União, agir e instituir não um, mas vários planos macroeconômicos em sucessão com a ideia de que "salvariam o país".

A realidade repele essa prática, pois não é assim que se constrói uma nação desenvolvida. O que é pior, os planos, tais como concebidos, fracassaram, causando perdas com efeitos prolongados e foram judicialmente considerados como inconstitucionais, isto é, desrespeitando a ordem constituída, uma dupla indicação de má gestão pública.

Como houve perdas, passou-se ao capítulo seguinte que foi o da reparação dessas perdas, que se verificaram sobretudo no âmbito das relações entre pessoas físicas e jurídicas e instituições financeiras, isto em razão dos diversos tipos de negócios mantidos entre elas.

A responsabilidade seria da União, ao instituir normas inconstitucionais, ou das instituições financeiras, que detinham os recursos das pessoas física e, ao cumprirem os planos, teriam ficando com os resultados positivos dos expurgos inflacionários que foram feitos?

As instituições financeiras procuraram alegar que não poderiam ser responsabilizadas na medida em que cumpriram as leis às quais estão submetidas, ainda que, não me consta, tenham elas procurado defender os interesses de seus clientes mediante ações específicas para obstar tais perdas. Ora, se estavam em poder de recursos de seus clientes, não haveria uma obrigação profissional de zelo para com esses recursos? Não deveriam elas proteger os ativos que a elas foram entregues sob confiança de boa gestão? Tema bom para teses.

A União, como se sabe e apesar da inconstitucionalidade, acabou sendo excluída da parte indenizatória (aliás, cabe aqui dizer, já imaginou se ela tivesse que pagar?), direcionando-se a responsabilização às instituições financeiras.

Milhões de ações foram distribuídas, foram sendo julgadas em todas as instâncias, sempre se reconhecendo o direito à indenização e afirmando-se a responsabilidade das instituições financeiras. Porém uma decisão final, aquela que daria um ponto de encerramento a todas as causas não vinha. Como se livrar, então, do fruto estragado?

Surge, então, a proposta de um acordo "global" entre todas as instituições financeiras e pessoas que ingressaram com ações, sejam individuais, coletivas etc. E esse acordo saiu, não para cumprimento imediato, mas para cumprimento total em alguns anos.

A base desse acordo é a de que, para satisfazer todos os credores, concessões teriam que ser feitas, seja na forma de parcelamentos, como de descontos. A justa indenização, portanto, tornou-se a indenização possível.

Nada contra isso, efetivamente às vezes essa é a única solução possível e pacificadora.

O que me incomoda, contudo, é que:

a) não há clareza que os ganhos que as instituições financeiras conseguiram com os expurgos inflacionários que estiveram sob suas asas por todos esses anos (décadas) não deveriam levar a um valor total de indenização maior do que o que foi estabelecido, isto é, o possível poderia ter sido melhor;

b) todo o debate fez com que a União saísse ilesa, podendo vir a propor novos planos inconsequentes, ou seja, a irresponsabilidade na condução de gestão pública passou à margem do acordo;

c) o acordo indica que a União pode causar danos, mas como isto poderá levar a questões financeiras difíceis quando da reparação, o melhor é repassar a conta ao mundo privado, sem direito de regresso, mas que implica indenização menor do que a cabível; e

d) o acordo não entra no mérito de saber se as instituições financeiras teriam que cumprir a lei ou, tendo-se as como inconstitucionais, deveriam zelar pelos ativos a elas confiados pelos seus clientes, de modo a evitar fossem eles atacados por normas indevidas.

E assim o país vai faltando educação, saúde, segurança pública, infraestrutura e, também, segurança jurídica, na medida em que as decisões fogem da apreciação das dimensões efetivas dos direitos e obrigações discutidos.

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*José André Beretta Filho é advogado.

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