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Via-crucis dos acionistas da Petrobras e a soberania nacional

Exaustos, sim, estamos os brasileiros, que, atônitos, tomamos conhecimento de que R$ 229.412.000.000,00 (duzentos e vinte e nove bilhões, quatrocentos e doze milhões dos nossos suados impostos, foram destinados aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo de Futebol, desviados da Petrobras.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Atualizado em 6 de fevereiro de 2018 17:42

Recente artigo publicado na imprensa especializada sob o título de "Via-crucis da Petrobras nos EUA atenta contra a soberania do Brasil", revela, salvo melhor juízo, desconhecimento de como funcionam as instituições do estado de direito norte-americano, comete alguns equívocos técnico-jurídicos e ecoa refrãos pseudonacionalistas que pululavam no século passado e teimam em ressurgir de quando em vez.

Fala-se ali em "acordo da Petrobras com a Justiça (e com investidores) dos Estados Unidos", como se fosse possível a alguém "fazer acordo com a Justiça", a quem, na verdade, cumpre, apenas e tão somente, dele conhecer e homologá-lo, caso o juiz considere presentes os requisitos legais. Afirma-se, mais, que esse acordo "carrega em seu bojo atos de lesa-pátria", e que os processos foram ajuizados por investidores internacionais, "muitos dos quais representados por fundos-abutres, que se afirmam prejudicados pela desvalorização da companhia em função dos noticiados escândalos de corrupção". Portanto, para o articulista, os atos de "lesa-pátria" não são os praticados pela organização que se apoderou da Petrobras e gerou todo o escândalo de corrupção que nos envergonha perante o mundo. Não, "lesa-pátria" seria o acordo ora entabulado pela Petrobras com o propósito de cortar cerce a class action, em que a condenação poderia atingir valores muito superiores aos 3 bilhões de dólares que a companhia se obrigou a pagar de indenização.

Quem lê o artigo é levado a crer que nos Estados Unidos não existe separação de poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário, bem assim órgãos como o FBI e a SEC integram o que ali se denomina "aparato judicial americano", o qual teria sido "francamente convertido em instrumento de arrecadação externa do Estado, à vista da exaustão do tax payer local". Assim, esse "aparato judicial", certamente em reuniões secretas, como que teria promulgado um como que "Protocolo dos Sábios do Tio Sam", passando, na sequência, a conspirar contra empresas estrangeiras, a fim de extorquir-lhes recursos financeiros, porque os norte-americanos estão "exaustos" de pagar impostos. Veja-se: os americanos, com um PIB "per capita" em torno de 58 mil dólares, têm uma carga tributária de aproximadamente 26%, enquanto nós, brasileiros, cujo PIB "per capita" não alcança 9 mil dólares, suportamos uma canga de 33%. E são os americanos do norte que estão "exaustos"?

Exaustos, sim, estamos os brasileiros, que, atônitos, tomamos conhecimento de que R$ 229.412.000.000,00 (duzentos e vinte e nove bilhões, quatrocentos e doze milhões dos nossos suados impostos, foram destinados aos Jogos Olímpicos, à Copa do Mundo de Futebol, desviados da Petrobras, repassados a 7.700 ONGS, à publicidade dos governos de plantão, ao MST, a cartões corporativos (gastos secretos), à UNE, a blogueiros, a obras na República Dominicana, à ditadura cubana sob o disfarce de "Mais Médicos", à construção de uma segunda ponte sobre o rio Orinoco, ao metrô da cidade do Panamá, ao perdão de dívidas de países africanos, à compra da refinaria de Pasadena, à construção do porto de Mariel em Cuba, e a diversos outros "negócios".

Segundo o artigo, entre essas "vítimas" da sanha arrecadatória americana contra empresas do resto do mundo, encontra-se a Petrobras. Na verdade, vítimas diretas, mesmo, do que se armou na Petrobras são os seus acionistas minoritários, brasileiros ou estrangeiros; e vítimas indiretas somos todos nós, que sustentamos o Tesouro Nacional, de onde proveio grande parte dos recursos com os quais a Petrobras, por meio dos mandachuvas de então ensejaram, incentivaram ou, ao menos, permitiram o assalto aos cofres da companhia. Portanto, a companhia é vítima, sim, mas vítima dos mandachuvas de então, que detinham o poder de controla-la, assim como de seus prepostos. No entanto, nem por isso, pode ela pretender eximir-se de sua responsabilidade perante os que sofreram prejuízos decorrentes dos crimes de corrupção e contra o mercado de capitais.

É certo que, entre os prejudicados, os mais experientes haviam adquirido os títulos na Bolsa de Nova Iorque, por saberem que, em caso de prejuízos dolosamente causados, estariam protegidos pelas eficientes instituições americanas. Ao contrário, os incautos ou menos experientes compraram-nos aqui mesmo, de modo que ficaram "a ver navios", como, aliás, ficam todos quantos não têm outra alternativa, senão contar com instituições e sistemas concebidos para não funcionar, nos quais, além da inexistência de mecanismos processuais ágeis e eficientes, tem-se que aguardar por décadas o "trânsito em julgado" de decisões judiciais, espécie tão rara que corre o risco de extinção.

E isso ocorre porque, para satisfazer as necessidades de nossos legisladores, todo o sistema processual nosso, seja civil ou penal, parte da presunção do erro judicial, o que prejudica o litigante honesto e a sociedade, de um lado, e beneficia abertamente o infrator, o criminoso, de outro. Assim, o sistema recursal brasileiro baseia-se no pressuposto de que todos os juízes erram: como os de primeira instância "erram" sempre, recorre-se aos de segunda; pelo fato de estes também sempre "errarem", recorre-se ao STJ; o qual, como "dificilmente acerta", justifica a ida ao STF, que é o que "erra por último", motivo pelo qual nele fica-se recorrendo até a última gota recursal, já que ainda não se encontrou o caminho das pedras para criar cortes a ele superiores a quem recorrer... Em regra geral, em todos os processos nos quais há altas somas envolvidas, ou em que o réu tem dinheiro suficiente para sua defesa, é infalível: todos os juízes que condenam "erram" e por isso, sempre há recursos e mais recursos. Só não há erro quando as somas são de pequena monta ou os réus criminais não têm dinheiro. Nestas hipóteses, não costuma haver críticas às decisões, admite-se que os juízes acertam... Isso, sim, é soberania: ninguém pode tascar no nosso sistema de proteção total e absoluta dos grandes infratores e criminosos.

Após dizer-se no artigo em foco que "Tio Sam utiliza uma lei de 1973, Foreing Corrupt Practices Act, para punir empresas americanas ou baseadas nos Estados Unidos acusadas de atos ilícitos, como pagamento de propinas no exterior", acrescenta-se que "não é, definitivamente, o caso da Petrobras. Não há notícia de que tenha subornado quem quer que seja nos Estados Unidos". Ora, a class action obviamente não se baseia na PCPA, mas em infrações relativas ao mercado de capitais. Se a Petrobras negocia suas ações na Bolsa de Nova Iorque, a Justiça americana tem jurisdição e competência para conhecer de ações promovidas por acionistas prejudicados que lá adquiriram seus títulos, sejam americanos ou brasileiros, ou de qualquer outra parte do mundo.

Diz-se, ainda, que "fosse uma nação ciosa de sua soberania, o Brasil rechaçaria essa intromissão e a punição de suas empresas, principalmente de uma que lhe é estratégica, constitui orgulho nacional e que é controlada pelo Estado, ente que em última análise por ela responde na esfera dos resultados". O que se desejava que o Brasil fizesse ? Que apontasse canhoneiras para o Norte ? E se, por exemplo, vier a ser proferida decisão condenatória, ou, o que é mais provável, sobrevier um acordo no caso da Pilgrim's Pride, empresa controlada pela JBS nos EUA, cujos investidores ingressaram recentemente contra os irmãos Wesley e Joesley Batista e a JBS, sob a alegação de que os empresários infringiram leis federais americanas, com injusto enriquecimento, abuso de controle e má gestão, isso também configurará atentado contra a soberania do Brasil?

Após afirmar que "A via-crúcis que a Petrobras está sendo obrigada a percorrer atenta contra a soberania do Brasil", o artigo lembra o dito por José Bonifácio de Andrada e Silva sobre a liberdade pessoal e política: "Senhores: a soberania é um bem que não se pode perder senão com a vida". Ora, o que atentou contra a soberania do Brasil foram, sim, governos que permitiram (e ensejaram e incentivaram) fosse ela assaltada por todos os lados. Mas o que é certo como dois e dois são quatro é que, se o acordo feito pela Petrobras para encerrar a class action causar a perda da soberania do Brasil, não deve passar pela cabeça de nenhum dos reais responsáveis pela situação a que ela foi levada, seguir a palavra do patrono da Independência.

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*Lionel Zaclis é advogado do escritório Azevedo Sette Advogados.

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