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Arbitragem envolvendo o Estado do Rio de Janeiro

A arbitragem, como instituto sofisticado que é, não se prestará a qualquer lide ou contrato.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Atualizado em 16 de março de 2018 07:54

Com a reforma da lei de arbitragem ocorrida em 2015 ficou expressa a possibilidade de a Administração Pública se valer da arbitragem para dirimir conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. A nova lei deixou claro o que já vinha sendo objeto de paulatina inclusão em diversas legislações, sacramentando a percepção de que o uso ponderado e racional da arbitragem pode ter inúmeras vantagens para as partes - inclusive o Estado -, na medida em que permite julgamentos mais céleres, escolha de árbitros especializados na matéria e adoção de foros neutros, reduzindo a desconfiança própria de alguns contratantes, entre outras vantagens.

Os doutrinadores concordam que a adoção da arbitragem em contratos da administração pública contribui, assim, para reduzir o chamado "custo de transação", que vem sempre associado aos negócios em que as partes não têm convenientemente definidos os riscos e despesas de um longo contencioso decorrente do possível descumprimento do pacto.

Atento a isto, o estado do Rio de Janeiro criou um grupo de trabalho para promover as medidas necessárias para a implementação da arbitragem nos contratos por ele celebrados. O produto desses estudos resultou na edição do decreto 46.245, publicado no D.O. do último dia 20/02, que cria as condições para que venha a ser adotada a arbitragem para dirimir conflitos tendo aquele ente da federação ou suas entidades como parte.

A arbitragem, como instituto sofisticado que é, não se prestará a qualquer lide ou contrato: somente negócios com valores superiores a 20 milhões ou algumas espécies de contratos (como os de concessão) poderão conter cláusula compromissória. A assinatura de contratos contendo cláusula arbitral ou a de compromisso arbitral caberá sempre ao secretário de estado responsável pela ordenação de despesa, mediante prévia manifestação da Procuradoria Geral do estado. O decreto determina que as arbitragens deverão ter sede na cidade do Rio de Janeiro, cujo foro também será competente para todas as ações relacionadas à arbitragem, como pedidos de tutela de urgência antecedentes ao início das arbitragens, cumprimento de cartas arbitrais e para a ação que busque anular a sentença arbitral.

Isto não quer dizer que a instituição que administre a arbitragem tenha que ter sede no estado do Rio. Qualquer órgão, nacional ou estrangeiro, que reúna determinadas condições relativas à idoneidade, competência e experiência, listadas no decreto, estará apto a ser cadastrado no estado, para fins de administrar as arbitragens. Ele estará obrigado unicamente a disponibilizar um protocolo para recebimento de peças e documentos e proporcionar um local para a realização de audiências. Pode-se concluir, assim, que todas as tradicionais câmaras arbitrais utilizadas regularmente em contratos comerciais estarão, em tese, em condições de obter o cadastro.

Como o Estado cadastrará os órgãos arbitrais institucionais (não se admitirão arbitragens que não sejam por eles administradas, as chamadas arbitragens "ad hoc"), permite o decreto que o particular contratado possa escolher a instituição encarregada de processar a arbitragem, dentre aquelas regularmente cadastradas. Este é um ponto que certamente deverá agradar o mercado.

O decreto conferiu às partes ampla liberdade para escolher os árbitros, inexistindo restrições para que sejam até mesmo estrangeiros. Para funcionar como árbitro, os requisitos são aqueles da lei de arbitragem, que lhe impõe o dever de independência e imparcialidade. A estes, o decreto acrescentou a obrigação de que seja informada pelo árbitro a existência de demandas patrocinadas por ele ou seu escritório contra o Estado e suas entidades. Tal circunstância, por si só, não configurará motivo para que o árbitro não seja aceito, a menos que ele possua interesse econômico direto ou indireto no resultado da arbitragem.

Atento ao princípio da publicidade dos atos da administração, prevê o decreto que os atos da arbitragem serão públicos, ressalvadas as poucas exceções nele relacionadas, sendo dever da Procuradoria Geral do Estado, e não do particular, disponibilizar os mesmos, a requerimento de eventuais interessados. À audiência, por motivos inclusive de logística, terão acesso apenas aqueles que nela tiverem participação.

O decreto fluminense não descuidou de outras questões caras ao interesse público, como os prazos necessários à preparação de peças pela Fazenda e o pagamento pelo regime de precatórios. Embora outros estados tenham antes buscado um regramento para o tema, com a edição de legislação específica - caso de Minas Gerais - e de uma cláusula arbitral padrão (São Paulo), pode-se sem erro concluir que o estado do Rio de Janeiro adotou um caminho que hoje se apresenta provavelmente em confronto com outros textos legais como mais apto à atração de investimentos, inclusive estrangeiros, mercê da flexibilidade que imprimiu à sua regulamentação, em linha com a prática internacional.

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*Sergio Nelson Mannheimer é procurador do estado do Rio de Janeiro, advogado do escritório Andrade & Fichtner Advogados e mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Heidelberg (Alemanha).

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