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A tributação dos planos de previdência complementar

Em um país como o Brasil, em que a carga tributária ultrapassa os 33% do Produto Interno Bruto - PIB, toda discussão acerca da tributação ganha relevância. Em se tratando de previdência complementar essa importância se revela ainda mais evidente diante do papel que o referido regime exerce, seja no âmbito social, seja no âmbito econômico.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Atualizado em 13 de junho de 2018 12:06

Em seminário realizado no STJ no dia 11 de junho, que contou com a presença da ministra Laurita Vaz e do ministro Dias Toffoli, tive a honra de palestrar sobre a tributação das entidades fechadas de previdência complementar.

Em um país como o Brasil, em que a carga tributária ultrapassa os 33% do Produto Interno Bruto - PIB, toda discussão acerca da tributação ganha relevância. Em se tratando de previdência complementar essa importância se revela ainda mais evidente diante do papel que o referido regime exerce, seja no âmbito social (complementando a renda paga pelo INSS aos inativos), seja no âmbito econômico (estimulando a poupança de longo prazo).

No tocante ao Imposto de Renda verifica-se que a sua incidência no âmbito da previdência complementar já foi objeto de inúmeras controvérsias, inclusive legislativas e judiciais, até chegar ao atual modelo de tributação da renda ou proventos, que se revela alinhado com o padrão internacional de estímulo à poupança individual de longo prazo.

Originalmente, diante da imunidade tributária até então adotada para as entidades fechadas de previdência complementar, não se falava em incidência do IR. Entretanto, o fim da imunidade foi reconhecido pelo STF, tendo em vista não serem as EFPC entidades dotadas de natureza assistencial.

Nesse contexto, houve um período em que havia o recolhimento na fonte do imposto de renda sobre os rendimentos das aplicações financeiras dos planos de benefícios.

Entretanto, desde 2005, quando entrou em vigor a lei 11.053/04, passou a vigorar a regra de não incidência do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações financeiras realizadas pelas entidades fechadas de previdência complementar.

Quanto aos aportes contributivos realizados aos planos de previdência complementar, atualmente, em regra, é permitido às pessoas físicas (participantes) deduzirem tais contribuições (o que nem sempre foi possível) da base de cálculo do imposto de renda até o limite de 12% (doze por cento) dos rendimentos auferidos (lei 9.532/97). As pessoas jurídicas patrocinadoras, desde que não optem pelo lucro presumido, também podem se beneficiar da dedução (até o limite de 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes).

A lei 11.053/04 também possibilitou, nos planos estruturados nas modalidades contribuição variável (CV) e contribuição definida (CD), a opção (irretratável) do participante quanto ao regime de tributação do benefício, podendo escolher entre o regime progressivo e o regressivo.

Pela aplicação da tabela progressiva, com alíquotas específicas para cada uma das faixas remuneratórias consideradas, a tributação pode chegar a 27,5% sobre o valor recebido a título de benefício.

Já pelo regime de tributação regressiva, o recolhimento segue tabela que começa com alíquota de 35% e vai regredindo até 10% (aplicável após 10 anos de internalização dos recursos), conforme o prazo de acumulação.

Com relação à contribuição ao PIS e à COFINS, a discussão ganha relevância quando se verifica que os valores recolhidos pelas entidades fechadas de previdência complementar (como exemplo a FUNPRESP-EXE e a FUNPRESP-JUD) na qualidade de responsáveis tributárias, acabam, em última análise, deixando de compor as reservas que garantirão o pagamento dos benefícios dos participantes.

A nosso ver, a impossibilidade de cobrança de PIS e COFINS incidente sobre os recursos destinados às despesas administrativas das EFPC, em primeiro lugar, decorre de dispositivos da própria LC 109/01, lei essa que disciplina o regime de previdência complementar brasileiro.

Da referida legislação extrai-se que as entidades fechadas de previdência complementar não possuem finalidade lucrativa (art. 31, §1º) e têm como objeto exclusivo a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária (art. 32), sendo intrínseco a elas o caráter associativista/mutualista.

Tais características próprias das EFPC já foram reconhecidas pela Segunda Seção do STJ em vários julgados, especialmente por ocasião do julgamento da não incidência do Código de Defesa do Consumidor em relação a elas, o qual culminou com cancelamento da súmula 321 e edição da súmula 563 daquela Corte.

Adicional e especificamente em relação à tributação, deve-se observar o disposto no §1º do art. 69 da LC 109/01. De acordo com esse dispositivo, "sobre as contribuições de que trata o caput ['contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária'] não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza". Há expressa vedação da incidência de tributação e contribuições de qualquer natureza sobre as contribuições vertidas para as entidades fechadas de previdência complementar.

Aludido dispositivo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no art. 18 da mesma LC 109/01, segundo o qual cabe ao plano de custeio estabelecer o "nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas".

Da combinação dos dois artigos da LC 109/01 (arts. 69 e 18) não restam dúvidas de que as contribuições vertidas para as EFPC, previstas no respectivo plano de custeio, também servem para cobrir as "demais despesas" dos planos (incluídas as despesas administrativas), sendo que sobre todas essas contribuições "não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza".

O objetivo do art. 69 é proteger as contribuições previdenciárias vertidas para a EFPC, e por consequência lógica, o próprio plano previdenciário. Isso porque, tais entidades, por força da citada lei federal (art. 32), são meros veículos gestores com uma única razão existencial: gerenciar tais recursos previdenciários e pagar aposentadoria a seus associados (participantes e assistidos), sem qualquer conotação mercantil de obtenção de faturamento decorrente da venda de serviços ou de mercadorias (art. 31, § 1º). Naturalmente, as despesas para gestão do plano estão intrinsecamente ligadas à atividade existencial das EFPC.

Nesse contexto, não pode prevalecer o entendimento, algumas vezes já adotado em julgados da 1ª Seção do STJ, de que tal proteção das contribuições previdenciárias existiria apenas antes delas ingressarem na EFPC, devendo, uma vez dentro da entidade, ser tributadas.

A prevalecer tal posicionamento hermenêutico, o resultado inevitável seria a penalização do plano de previdência complementar e, por consequência, de seus associados, subvertendo-se, então, o escopo e os comandos dos referidos § 1º do artigo 69 e caput do artigo 18 da LC 109/01 e indo na contramão das medidas que visam apoiar a iniciativa individual voltada para a poupança previdenciária.

Ademais, ainda que se analise a questão da contribuição ao PIS e da COFINS à luz da lei 9.718/98, que determinou a incidência de tais contribuições sobre o faturamento, seja em sua redação anterior, seja em sua redação atual dada pela lei 12.973/14, verifica-se a inexistência de base de cálculo em relação às EFPC.

Isso porque, nos termos da referida lei, a base de cálculo para a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS é o faturamento, entendido como sinônimo de receita bruta.

Ocorre que entidades fechadas de previdência complementar, tendo em vista sua natureza jurídica, não possuem faturamento, assim considerado o seu conceito histórico, o qual pressupõe, como já decidiu o STF, a "venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços", denotando, assim, a nítida característica empresarial/comercial da pessoa jurídica contribuinte e, por consequência, a ideia de lucro.

Não se pode atribuir a entidades como FUNPRESP-EXE e a FUNPRESP-JUD qualquer finalidade lucrativa!

Considerando que as entidades fechadas de previdência complementar não praticam a venda de bens e serviços e tampouco buscam o lucro, exatamente diante da vedação legal de finalidade lucrativa e de seu objeto exclusivo de pagamento de benefícios, é forçoso concluir que, como não têm faturamento, elas não possuem base de cálculo para a incidência da contribuição ao PIS e à COFINS.

Tal conclusão é corroborada pelo fato de que tais entidades não possuem disponibilidade sobre os valores por ela recebidos e administrados, na medida em que não os recebem em seu proveito próprio, mas tão somente visando a administração dos planos de previdência complementar sem qualquer finalidade lucrativa, sendo esse um motivo adicional para afastar eventual alegação de apuração de receita bruta no exercício de sua atividade de cunho não empresarial ou mercantil.

Ainda sobre esse tema, ressalte-se que o STF reconheceu a repercussão geral da matéria objeto do RE 609.096 para se discutir a "exigibilidade do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras" (Tema 372).

Apesar do aludido RE tratar de discussão envolvendo instituições financeiras, tendo, inclusive, uma instituição bancária como parte (Banco Santander), verifica-se que diversos recursos envolvendo a cobrança de PIS e COFINS das EFPC foram sobrestados em função dele. Diante disso, é necessário que a Corte Suprema, quando do julgamento desse recurso, observe as particularidades da atividade exercida pelas EFPC e as distinga das instituições financeiras face à sua natureza jurídica e regulamentação própria.

Nesse sentido foi o parecer PGR 2520/14, da lavra da Procuradoria Geral da República, no qual a PGR opinou pela necessidade de distinguishing entre as EFPC e as instituições financeiras, além de ter concluído que "em relação às entidades previdenciárias sem fins lucrativos não há base de cálculo para a incidência de PIS e COFINS".

Espera-se que essa também seja a conclusão a ser adotada pelo plenário do STF, pois os bancos discutem qual a composição da sua base de cálculo para o recolhimento da contribuição ao PIS e da COFINS, enquanto as EFPC sustentam a própria inexistência de base de cálculo.

Esse é entendimento que, a nosso ver, merece ser acolhido pelo Poder Judiciário, pois está em linha com o estímulo da poupança previdenciária de longo prazo, além de proteger os interesses dos participantes dos planos de benefícios administrados por entidades fechadas de previdência complementar, tendo em vista que os valores que hoje são recolhidos pelas EFPC ao Fisco para pagamento de tais contribuições poderão compor o montante de recursos previdenciários (saldo de conta) acumulados em nome desses participantes para o pagamento dos respectivos benefícios contratados.

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*Ana Carolina Ribeiro de Oliveira Mendes é advogada e sócia do escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia.

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