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O STF e a descriminalização do aborto - ADPF 442

Entendemos que a melhor sorte da ADPF 442 será o reconhecimento da inépcia da inicial ou improcedência da ação, remetendo a discussão para o novo poder legislativo, observando-se, assim, o princípio democrático e o da separação de poderes.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 18:34

No ano de 2009, tivemos a honra de - ombreando com ilustres juristas, dentre eles o emérito Luís Roberto Barroso, então advogado e hoje ministro do STF -, escrever para o Migalhas o artigo intitulado "Breves notas sobre o julgamento da ADPF 54-8, DF ocorrida no dia 28 de outubro p.p", veiculado no inédito livro Anencefalia nos Tribunais, também editado pelo Migalhas.

Naquela ocasião, já prenunciávamos que o tema voltaria à baila sobre outra roupagem jurídica, como sói acontecer agora. Com efeito, o tema da descriminalização do aborto é atual, candente e intrigante não só no Brasil, como no resto do mundo.

Destarte, vem agora o PSOL ajuizar a ADPF 442, sob a relatoria da e. ministra Rosa Weber, ao fundamento, dentre outros, de que o aborto, induzido ou voluntário, nas primeiras 12 semanas de gestação seria lícito, por reverenciar os princípios da dignidade da mulher, liberdade, igualdade, cidadania, direito à saúde, direito ao planejamento familiar, razoabilidade, proporcionalidade etc, etc, postulando o autor, ao fim e ao cabo, a procedência da ação, com a recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que versam sobre o aborto. Isso significa dizer , em outras palavras, que o Autor da ação em foco colima introduzir no CP uma outra hipótese de aborto lícito e permitido, ao lado daquelas já existentes: aborto em caso de estupro; aborto em caso de risco para a vida da mulher e, finalmente, aborto de feto anencefálico.

Evidentemente, por se tratar de interrupção da gravidez, o tema versado na ADPF 54-8, DF, vem agora a lume, mutatis mutandis, na presente ADPF, notadamente no que diz respeito , de um lado, ao direito à vida dos nascituros e, do outro, na esteira da respectiva petição inicial, a dignidade da mulher, a cidadania, liberdade, igualdade, o direito à saúde , o direito ao planejamento familiar, etc.

Agora, na ADPF 442, a matéria que se nos afigura, preambularmente, de curial relvo é o que diz com a seguinte indagação: É o Judiciário, no caso o STF, a sede própria para discutir e decidir tema de tamanha envergadura e magnitude como a interrupção da gravidez até a décima segunda semana de gestação? A resposta, desenganadamente, nos parece ser negativa.

Com efeito, malgrado tenha recentemente ocorrido uma audiência pública no STF para cuidar do assunto em pauta, que reuniu especialistas e membros da sociedade civil, nos aparece, sem rebuços de dúvidas, que , primeiramente, a discussão na espécie deve passar pelo crivo do Congresso Nacional, que, de revés do Judiciário, ostenta ampla legitimidade popular e democrática, sob pena de, se assim não ocorrer, restar vilipendiado o princípio democrático e o da separação de poderes, este inscrito no artigo 2 da CF.

É cediço que no parlamento brasileiro encontram-se tramitando vários projetos sobre o aborto, alguns deles majorando a respectiva sanção penal, rotulando-o, de outra parte, de crime hediondo. Assim, não é dado olvidar que o legislativo está apto a votar a matéria em apreço, amadurecidamente e de forma democrática, sobretudo na presente quadra em que, seguramente, se experimentará, com as próximas eleições, uma renovação dos quadros de deputados e senadores.

Não é demasiado lembrar que a nossa vizinha Argentina está prestes a votar um projeto de descriminalização do aborto.

Por outro lado, desvelando, ao nosso sentir, um grande ativismo judicial, a primeira turma do STF, por maioria, resolvendo questão de ordem levantada pelo ministro Luís Roberto Barroso, concedeu a ordem no HC 124-306, posicionando-se no sentido de ser lícita a interrupção da gravidez até os primeiros três meses de gestação.

O preclaro ministro , em obra lapidar intitulada "A judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal" teve ocasião de assinalar que as cortes constitucionais e democráticas enfeixam e desempenham três papeis fundamentais, a saber: o contramajoritário, típico da jurisdição constitucional, impugnando e nulificando leis e atos normativos que colidam com a Constituição; o representativo, consistente na supressão e colmatação de omissões do legislativo e do executivo; iluminista, consistente na atuação que implique em avanços civilizatórios.

Nas palavras do mestre, cabe ao Judiciário, em especial o STF, " empurrar a história" quando se depara com grave omissões dos poderes legislativo e executivo, bem assim quando se defronta com situações que conclamam a atuação da razão iluminista. Temos, com relação aos papéis representativo e majoritário, algumas ressalvas, que não convém agora tratar, nos estreitos limites do presente artigo.

Eis o magistério do ministro Barroso:

"São três os papeis desempenhados pelas supremas cortes e tribunais constitucionais quando acolhem o pedido e interferem com atos praticados pelo Poder Legislativo. O primeiro deles é o papel contramajoritário, que constitui um dos temas mais estudados pela teoria constitucional dos diferentes países. Em segundo lugar, cortes constitucionais desempenham , por vezes, um papel representativo, atuação que é largamente ignorada pela doutrina em geral, que não parece ter se dado conta da sua existência. Por fim, e em terceiro lugar, supremas cortes e tribunais constitucionais podem exercer , em certos contextos limitados e específicos, um papel iluminista ...."(ob cit, 2018, ed Fórum, pags 154\155).

Em nosso sentir, esses papeis representativo e iluminista das Supremas Cortes nas democracias contemporâneas devem ser exercitados com reservas, parcimônia e comedimentos, para evitar a usurpação dos poderes do executivo e legislativo, visto que estes, em especial o legislativo, a par de mais afeitos e abertos ao anseios do povo, têm os seus membros por este eleitos.

Não é ocioso repisar que o legislativo e o executivo, que, esperamos, serão, efetivamente, renovados nas próximas eleições, poderão votar os projetos já existentes sobre o aborto ou encetar outros tantos, sendo certo, impende lembrar, que o atual Presidente da Câmara, ao tomar conhecimento da citada decisão do STF em HC, constituiu comissão especial para discutir os referidos projetos de lei.

Destarte, para arrematar, entendemos que a melhor sorte da ADPF 442 será o reconhecimento da inépcia da inicial ou improcedência da ação, remetendo a discussão para o novo poder legislativo, observando-se, assim, o princípio democrático e o da separação de poderes, sem embargo do poder Judiciário, a tempo e modo, no controle concentrado, eventualmente voltar a discutir o assunto, em especial no desempenho do papel que lhe é típico, a saber, o contramajoritário.

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*Gustavo Hasselmann é advogado e procurador do município de Salvador/BA.

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