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A utilização de precatórios nas compensações tributárias

Quais os cuidados que os contribuintes interessados na utilização de precatórios devem tomar para evitar prejuízos

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Atualizado em 23 de setembro de 2019 18:18

O Precatório é uma ordem judicial para pagamento de débitos dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como de suas Autarquias e Fundações e tem como base a condenação definitiva de tais sujeitos estatais, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal.

 

Em razão da recorrente inadimplência do Estado no pagamento das dívidas, muitos titulares de precatórios acabam negociando seus títulos com terceiros com deságio, a fim de evitar aguardar décadas para recebê-los do devedor.

 

A aquisição do precatório por terceiro deve ser conduzida de forma minuciosa, constatando a regularidade do crédito por meio da análise do processo judicial gerador do título e de requisitos de validade do negócio jurídico precedente, como titularidade do cedente, regularidade dos índices de correções e juros aplicados, honorários quitados, além de outros requisitos relacionados à sua liquidez e exigibilidade. Não é inusitado que haja algum defeito jurídico na transação, como, por exemplo, falecimento do credor original ou, até mesmo, o pagamento do precatório sem que o titular do crédito tenha ciência.

 

Para formalização da transferência do crédito, a opção pela lavratura de escritura pública de cessão de direitos creditórios é a forma mais indicada para se evitar discussão sobre a regularidade da operação, sendo necessária a posterior substituição das partes no processo judicial e consequente deferimento da alteração do polo ativo pelo juízo da liquidação do título judicial.

 

Após a cessão, muitos titulares dos créditos procuravam o judiciário para realizar a compensação de precatórios com débitos tributários, vencidos ou a vencer, relativos ao mesmo ente público devedor. Historicamente, contudo, foram proferidas poucas decisões favoráveis aos contribuintes em relação à compensação de precatórios com débitos tributários em razão da inexistência de base normativa para deferimento da pretensão dos demandantes.

 

O cenário começou a ser alterado em 20161, momento no qual sobreveio a promulgação de emenda constitucional alterando o artigo 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal e criando a faculdade dos titulares de precatórios, próprios ou de terceiros, compensarem seus créditos com débitos de natureza tributária ou de outra natureza, desde que tais débitos tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios até 25 de março de 2015, observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado.

 

Em razão da mora dos entes federados na edição das leis regulamentadoras do citado artigo constitucional, foi promulgada, em 20172, nova emenda constitucional com a inclusão de dois parágrafos ao artigo 105 das ADCT, condicionando que a edição das leis estaduais e municipais regulamentadoras deveria ocorrer até 30 de abril de 2018. Decorrido o prazo sem a regulamentação, os credores de precatórios ficariam autorizados a exercer a compensação.

 

Compensação com débitos inscritos em dívida ativa da Fazenda do Estado de São Paulo

 

Considerando o estoque de mais de R$ 23 bilhões de precatórios a pagar e R$ 383 bilhões de créditos tributários a receber, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP)3 disciplinou a compensação de precatórios com débitos inscritos em dívida ativa estadual com a edição da Resolução PGE - 12, de 2/5/18, reportando-se à autoaplicabilidade do dispositivo constitucional após o prazo indicado acima.

 

A compensação será precedida da habilitação administrativa do crédito para esse fim específico, a qual deverá ser requerida em meio eletrônico pelo credor interessado por meio do "Portal de Precatórios da Procuradoria Geral do Estado".

 

Nessa fase de habilitação, será realizada a validação formal e material dos créditos, notadamente a sua origem, ausência de impugnação à titularidade, valor do crédito, etc. Após habilitado o crédito, deverá o interessado requerer a sua compensação online.

 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo questionou recentemente a autoaplicabilidade da norma prevista no artigo 105 do ADCT, com a redação dada pela EC 94/16, a qual exigia legislação específica estadual para formalização da compensação4. Esse acórdão analisou uma compensação requerida antes da EC 99/17, mormente antes do esgotamento do prazo de regulamentação descrito acima e a edição da citada Resolução da PGE-SP, razão pela qual eventual questionamento da validade da compensação com base na resolução poderá ser sustentado judicialmente.

 

Compensação com débitos inscritos em dívida ativa da Fazenda Municipal de São Paulo

 

Com um estoque de R$ 18 bilhões de precatórios e créditos tributários de R$ 106 bilhões a receber, o município de São Paulo editou a lei 16.953, de 12 de julho de 2018, a qual instituiu o Programa Especial de Quitação de Precatórios, possibilitando a compensação, com precatórios, de até 92% do montante atualizado do débito tributário que não tenha sido objeto de parcelamentos incentivados (Ex. PPI e PRD).

 

Dentre os requisitos para a adesão, destacam-se a obrigatoriedade do pagamento à vista em dinheiro de 8% (oito por cento) do débito e a desistência prévia de qualquer discussão judicial relacionada ao débito objeto de compensação.

 

 

Um ponto relevante foi a regulamentação da prova da titularidade de precatórios de terceiros, sendo necessária a apresentação de cópia do instrumento de cessão protocolado e homologado no Tribunal de origem, do qual conste a porcentagem do crédito transmitido.

 

Vale ressaltar que a lei municipal em análise é silente em relação à impossibilidade de compensação com precatórios de natureza alimentar de terceiros. Esse é um ponto polêmico, tendo em vista que um recente julgado do Superior Tribunal de Justiça - STJ5 vetou a compensação de débitos tributários com precatório de terceiros de natureza alimentar, já que o artigo 78 do ADCT vetou expressamente o uso para pagamento de tributos da entidade devedora dos precatórios por créditos de natureza alimentar.

 

Conclusão

 

A compensação tributária com precatórios para débitos inscritos na dívida ativa estadual e municipal até 25 de março de 2015 tem fundamento constitucional de validade, mas dependerá de uma análise minuciosa do título para efetivação da posterior compensação.

 

Assim, a aquisição de crédito de precatório por cessão para o fim de compensação deve ser avaliada com base nos critérios legais de validade do título e limitações regulamentares impostas pelas normas expedidas por cada ente tributante, a fim de se evitar a não homologação da compensação após o dispêndio do preço de aquisição do título.

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1 Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016.

2 Incluído pela Emenda constitucional nº 99, de 2017.

3 Quadro Resumo do Estoque de Precatórios do Governo do Estado de São Paulo atualizado até 30/04/18 e evolução do estoque da dívida ativa até junho de 2018 do site.

4 TJSP - Agravo de Instrumento 2088690-44.2018.8.26.0000; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti, Data do Julgamento: 11/06/18; Data de Registro: 15/06/18

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*Rodrigo A. Lazaro Pinto é sócio da FCR LAW.

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