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Desemprego, doença contagiosa

A reforma trabalhista (lei 13.467/17) teve como um dos objetivos restabelecer a confiança dos investidores nas relações de trabalho. Se os investimentos se reduzem, a primeira consequência consiste na expansão do desemprego.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 12:59

A facilidade com que candidatos à presidência prometem resolver a questão do desemprego contrasta com a complexa gravidade do problema. A população brasileira ultrapassou o patamar de 208 milhões de habitantes, dos quais cerca de 13 milhões estão desempregados e mais de 52 milhões vivem abaixo da linha de pobreza. O que pretendem os aspirantes à presidência propor, sem exageros demagógicos, a respeito do assunto? A pouco mais de um mês das eleições, os desempregados nada sabem.

Amaro Cavalcanti Soares de Brito, ou apenas Amaro Cavalcanti (1849-1922), natural de Caicó, RGN, político e jurista, formado pela Albany Law School (EUA), membro da Corte Permanente de Arbitragem de Haia, Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, procurador-geral da República, ministro do STF, um dos autores da Constituição de 1891 escreveu: "É preferível a alta dos preços concorrente com o trabalho abundante por toda a parte, com o melhoramento dos salários dos que a ele se entregam, com a colocação fácil para todas as aptidões individuais, o aproveitamento dos vários elementos de nossas riquezas, do que a baixa dos mesmos, contraprova manifesta do nosso atraso, ou da decadência geral. Nada de contração monetária, a pretexto de remediar, que, ao contrário, pode tornar-se a causa de funestos desastres. O meio mais profícuo ou garantidor do bem-estar comum das populações não é o baixo preço das cousas necessárias, mas o trabalho remunerador ao alcance de todos. A vida barata é sinal de pobreza" (A reforma monetária, Imprensa Nacional, 1891, pág. 45).

Dudley Dillard (1913-1991), professor de Economia da Universidade de Maryland, considerado um dos principais pesquisadores dos aspectos monetários da escola econômica de John Maynard Keynes, parafraseia Amaro Cavalcanti quando escreve: "O desemprego maciço só é inferior talvez à guerra, na magnitude da degradação humana e desperdício físico que ocasiona". Em seguida adverte: "Os trabalhadores têm que comer, tenham ou não colocação. Há a alternativa de deixar morrer de fome os desempregados, mas isto é mais duro do que tolerariam os propugnadores de finanças seguras, portanto advogam que se sustentem os desempregados mediante subsídios, em que eles não produzem nada, em vez de lhes dar uma ocupação profícua em que acrescentarão diretamente ao rendimento nacional. É a divergência entre os princípios da economia social e a particular que fornece a chave das inconsistências das finanças ditas seguras" (A Teoria Econômica de John Maynard Keynes, Livraria Editora Pioneira, SP, 1964, págs. 25 e 97).

Os governos petistas tentaram enfrentar a miséria com decretos e a instituição da bolsa família. Ao invés da ocupação profícua, de que tratou o economista Dudley Dillard, decretaram a erradicação da pobreza com a espórtula de R$ 85,00 mensais por pessoa, quantia que mal consegue garantir uma semana de magras refeições. A falta de trabalho remunerador ao alcance de todos, como escreveu Amaro Cavalcanti em 1891, não só persiste como se agrava, na proporção direta do desaparecimento de investimentos geradores de empregos.

O Brasil não tem programa destinado à geração de empregos. A Consolidação das leis do Trabalho (CLT), obra da engenharia política-jurídica da era Vargas (1930-1945), foi dirigida ao mercado de trabalho formal. Ignorou o desemprego, visto, pela Comissão Elaboradora, "como um incidente da vida profissional, de modo não geral, porém dentro dos limites de cada categoria, cuja tutela incumbe ao respectivo sindicato" (Relatório da Comissão ao Ministro do Trabalho).

A reforma trabalhista (lei 13.467/17) teve como um dos objetivos restabelecer a confiança dos investidores nas relações de trabalho. Se os investimentos se reduzem, a primeira consequência consiste na expansão do desemprego. Os resultados não são animadores. O fenômeno é de alcance mundial e já deixou ao relento cerca de 200 milhões, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Resulta, em parte, de investimentos feitos em equipamentos de avançada tecnologia como o microcomputador e o robô, cuja capacidade de liberar mão de obra é um dos incentivos à utilização. No passado a empresa contratava para crescer. Hoje, para se expandir, desemprega.

Ao próximo governo não restará tempo e espaço para protelar a tomada de decisões. Deverá fazê-lo nos primeiros dias, enquanto perdurar o entusiasmo da vitória, e os adversários estiverem desmobilizados para tentar reação. Desemprego é doença grave e altamente contagiosa. Quando não erradicada a tempo tende a se propagar e provocar a morte da economia.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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