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Aplicação do instituto da denúncia espontânea na compensação tributária

A denúncia espontânea possui como essência incentivar os contribuintes a regularizarem seus débitos e não gerar incremento dos cofres públicos com a aplicação da multa de mora em situações em que a finalidade da norma foi atingida pela compensação, qual seja: a extinção do crédito tributário.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:58

O instituto denominado denúncia espontânea consiste na possibilidade de o devedor do crédito tributário confessar a prática de determinada infração tributária e pagar o respectivo débito antes que o fisco instaure contra ele qualquer procedimento administrativo de cobrança.

Como referida norma decorre do princípio da boa-fé, que guia a relação entre o fisco e o contribuinte, a "recompensa" para o devedor que confessa o débito é a dispensa do pagamento da multa sobre ele incidente, ou seja, o crédito tributário somente restará acrescido dos juros de mora.

A denúncia espontânea é disciplinada pelo Código Tributário Nacional (CTN) e está prevista no artigo 138.

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

O CTN é claro, para o contribuinte fazer jus à denúncia espontânea não basta simplesmente a confissão do débito, devendo existir, também, o: i) pagamento do tributo devido e; ii) este ser realizado antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização que busque a cobrança do tributo.

No entanto, com relação ao primeiro item - pagamento do tributo confessado - o assunto ainda é bastante debatido, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial.

Isto porque, seria a denúncia espontânea aplicada somente nos casos em que o pagamento ocorra em dinheiro ou o instituto também se enquadra nos casos em que o contribuinte realiza a compensação tributária?

Vejamos.

A compensação ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor de obrigações, uma com a outra, operando-se a extinção até onde as obrigações se compensarem.

Para que exista a compensação, as dívidas devem ser líquidas e estarem vencidas.

Nestes termos, assim como o pagamento realizado em dinheiro, a compensação gera a extinção de obrigações, uma vez que há o "encontro de contas" onde o devedor quita seu débito mediante um valor que também tinha a receber de seu credor. Podemos dizer, portanto, que na compensação está presente a extinção do débito e do crédito.

E nesta linha vai o próprio CTN ao estabelecer que o pagamento e a compensação são, igualmente, causas extintivas do crédito tributário.

 

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

II - a compensação;

 

Em outras palavras, se o contribuinte compensar ou efetuar o pagamento do crédito tributário em dinheiro, haverá, da mesma forma, o fim da relação jurídica tributária entre ele e o fisco, já que a obrigação foi satisfeita. Conclui-se, neste sentido, que a compensação tributária tem a mesma finalidade do pagamento, qual seja, a extinção do dever de pagar e receber.

Inclusive, outros dispositivos legais dão a compensação a finalidade de pagamento, como por exemplo o artigo 7º do decreto lei 2.287/86, com redação da lei 11.196/05, o qual prevê que a compensação pode ser usada para pagamento de tributo.

 

Art. 7 - A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional.

§ 1° Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.

 

A lei 9.430/96, que disciplina no âmbito federal a compensação de tributos dispõe que a compensação extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua posterior homologação.

 

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão.

(...)

§ 2° A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

 

Importante ressaltar que a condição quanto a ulterior homologação do fisco nada mais é do que se certificar, dentro do prazo de 5 (cinco) anos, que o contribuinte possuía crédito suficiente para compensar o débito.

Assim, o fato da compensação depender da homologação em nada altera a situação extintiva da mesma, tendo em vista que até mesmo o pagamento em dinheiro, nos casos dos tributos sujeitos ao auto lançamento (lançamento por homologação) pelo contribuinte, também está sujeita a homologação posterior pelo fisco, respeitando o prazo quinquenal.

Então, quando o contribuinte declara uma determinada infração tributária, apura o valor devido do tributo e, ato seguinte, faz a vinculação desse débito com um saldo credor que possui junto ao fisco, tem-se presente o instituto da compensação e, consequentemente, a extinção da obrigação tributária, da mesma forma como se tivesse realizado o recolhimento do tributo em dinheiro.

Desta forma, o termo "pagamento" abrange tanto a quitação do valor em dinheiro quanto a compensação, já que ambos os institutos não remetem a outro caminho senão à extinção do débito tributário, nos moldes do artigo 156, incisos I e II, do CTN.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do recurso especial 1.122.131/SC, ao analisar o conceito de pagamento em matéria tributária, entendeu que a compensação é modalidade de pagamento.

 

TRIBUTÁRIO. INTERPRETAÇÃO DE NORMA LEGAL. ART. 9°. DA MP 303/06, CUJA ABRANGÊNCIA NÃO PODE RESTRINGIR-SE AO PAGAMENTO PURO E SIMPLES, EM ESPÉCIE E À VISTA, DO TRIBUTO DEVIDO. INCLUSÃO DA SSP - 1669290v7 12 HIPÓTESE DE COMPENSAÇÃO, COMO ESPÉCIE DO GÊNERO PAGAMENTO, INCLUSIVE PORQUE O VALOR DEVIDO JÁ SE ACHA EM PODER DO PRÓPRIO CREDOR. PLETORA DE PRECEDENTES DO STJ QUE COMPARTILHAM DESSA ABORDAGEM INTELECTIVA. NECESSIDADE DA ATUAÇÃO JUDICIAL MODERADORA, PARA DISTENCIONAR AS RELAÇÕES ENTRE O PODER TRIBUTANTE E OS SEUS CONTRIBUINTES. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

(...)

Considerando-se a compensação uma modalidade que pressupõe credores e devedores recíprocos, ela, ontologicamente, não se distingue de um pagamento no qual, imediatamente depois de pagar determinados valores (e extinguir um débito), o sujeito os recebe de volta (e assim tem extinto um crédito). Por essa razão, mesmo a interpretação positivista e normativista do art. 9°. da MP 303/06, deve conduzir o intérprete a albergar, no sentido da expressão pagamento, a extinção da obrigação pela via compensatória, especialmente na modalidade ex officio, como se deu neste caso (2/6/16)" (REsp 1122131/SC, relator: ministro Napoleão Nunes Maia Filho, primeira turma, data do julgamento: 24/5/16, data da publicação/fonte: DJe 2/6/16, g.n.).

 

Porém, mesmo diante da natureza extintiva e igualitária entre ambos os institutos, tanto a jurisprudência administrativa quanto a judicial não são unanimes quanto a aplicação da denúncia espontânea nos casos em que o contribuinte realiza a compensação.

Analisemos:

Favorável ao contribuinte:

 

DENÚNCIA ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO. HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE

A compensação é hipótese de extinção do crédito tributário contida na acepção do termo "pagamento" ínsito no art. 138 do CTN (15374.000506/2005-61, acordão 9101-003.559, 5/4/18)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOCORRÊNCIA. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA OU PUNITIVA. POSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO.

1. Fundada a decisão na jurisprudência dominante do Tribunal, não há falar em óbice para que o relator julgue o recurso especial com fundamento no artigo 557 do Código de Processo Civil.

2. Caracterizada a denúncia espontânea, quando efetuado o pagamento do tributo em guias DARF E COM A COMPENSAÇÃO DE VÁRIOS CRÉDITOS, MEDIANTE DECLARAÇÃO À RECEITA FEDERAL, antes da entrega das DCTFs e de qualquer procedimento fiscal, as multas moratórias ou punitivas devem ser excluídas.

3. Agravo regimental improvido."

(AgRg no REsp 1136372/RS, rel. ministro HAMILTON CARVALHIDO, primeira turma, DJe 18/5/10).

 

Desfavorável ao contribuinte:

 

PERDCOMP. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE.

A denúncia espontânea requer o pagamento do tributo. Considerando que o pagamento e a compensação são modalidades distintas de extinção do crédito tributário, no caso em que o contribuinte promove a extinção do débito por compensação, a denúncia espontânea não resta caracterizada e a multa moratória é devida estando o débito em atraso na data da compensação.

(11516.003424/2007-17, acordão 1301-002.795, 23/2/18)

 

TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as nterpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou se no sentido de que é incabível a aplicação do benefício da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do CTN, aos casos de compensação tributária, justamente porque, nessa hipótese, a extinção do débito estará submetida à ulterior condição resolutória da sua homologação pelo fisco, a qual, caso não ocorra, implicará o não pagamento do crédito tributário, havendo, por consequência, a incidência dos encargos moratórios. Precedentes. 3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1308902, ministro GURGEL DE FARIA, primeira turma, DJe 10/4/18).

 

Mesmo diante da divergência jurisprudencial sobre o tema, aos quais é possível notar que os julgados tendem a ser desfavoráveis aos contribuintes, faz-se necessário frisar que a interpretação e aplicação das normas que tratam de matérias tributárias devem ser aplicadas de forma razoável, proporcional - em sintonia com os princípios norteadores do próprio direito tributário - e, não devem remeter à um viés diretamente relacionado aos interesses do fisco na arrecadação de tributos.

A denúncia espontânea possui como essência incentivar os contribuintes a regularizarem seus débitos e não gerar incremento dos cofres públicos com a aplicação da multa de mora em situações em que a finalidade da norma foi atingida pela compensação, qual seja: a extinção do crédito tributário.

Posto isso, não restam dúvidas quanto ao reconhecimento legal do instituto da compensação acarretar a extinção da obrigação tributária, portanto, sendo este aplicado dentro das regras do artigo 138 do CTN - ausência de fiscalização prévia do tributo compensado -, a multa não deve incidir, prestigiando o contribuinte de boa-fé que se antecipa ao fisco e declara ter cometido uma infração tributária.

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*Juliano Marini Siqueira é advogado tributarista na empresa Whirlpool Latin América.

 

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