MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. ANP pressiona por avanços na abertura do mercado de gás natural

ANP pressiona por avanços na abertura do mercado de gás natural

Sem maiores avanços no âmbito legislativo, diante da paralisação do andamento do projeto de lei 6.407/13 (PL do Gás) na Câmara dos Deputados, ou qualquer outro desenvolvimento legal significativo até o momento , o ativismo da ANP é mais do que esperado, encontrando até mesmo uma indústria receptiva, que almeja que todo esse despertar de atividade regulatória e cooperativa com outros órgãos se intensifique, a fim de que ao menos no âmbito infralegal se faça progresso.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Atualizado em 27 de setembro de 2019 12:31

Em ofício encaminhado ao Cade, ANP analisa medidas necessárias para promover a concorrência no mercado de gás natural e defende a implementação de um programa de gas release para assegurar uma transição progressiva.

O mercado de gás natural no Brasil passa por avanços importantes, mas ainda tímidos, no sentido de uma maior abertura à concorrência. É com bons olhos que iniciativas como a chamada pública da TBG, prevista para este mês de fevereiro, e a chamada pública para aquisição de gás natural promovida por algumas distribuidoras relevantes vêm sendo recebidas pelos agentes do setor.

Na sequência da publicação do decreto 9.616/18, nas últimas semanas de governo do ex-presidente Michel Temer, o ano de 2019 já começou com outra importante sinalização ao mercado. No início de janeiro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgou nota técnica enviada ainda em 2018 ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abordando a competitividade no mercado brasileiro de gás natural, atualmente marcado por um monopólio, e sugerindo que o órgão atue sobre o tema.

O ofício encaminhado ao Cade é mais uma das ações nas quais a agência tem investido para promover a concorrência na indústria de gás natural e que evidenciam o ativismo cada vez maior da ANP em avançar uma agenda de abertura. A nota técnica 14/18-SIM aborda o poder de mercado exercido pela Petrobras na indústria do gás natural de ponta a ponta, descrevendo a dinâmica presente nos diferentes segmentos (exploração e produção, escoamento, processamento, importação, transporte e comercialização e distribuição), e propõe medidas consideradas necessárias ao fomento da concorrência no setor.

Embora a iniciativa do Programa Gás para Crescer não tenha obtido o apoio necessário no Congresso Nacional, seu debate serviu ao menos para que a agência encontrasse ambiente favorável para avançar as discussões sobre o tema e elaborar a nota técnica encaminhada ao Cade. O documento foi concebido com uma abordagem concorrencial, e a agência se preocupou até mesmo em adotar os mesmos instrumentos de análise da autoridade antitruste, levantando questões como barreiras à entrada no mercado, economias de escala, novos ofertantes e garantia de acesso isonômico.

Na primeira parte do documento, a ANP traça um panorama da atuação da Petrobras no cenário atual, confrontando o interesse público e a eficiência econômica. Já na seção seguinte, analisa algumas ações que considera necessárias à promoção da concorrência na indústria. No contexto da decisão estratégica da Petrobras de vender parte de seus ativos no setor de gás e do potencial de abertura que isso representa, as propostas da agência incluem a garantia de acesso isonômico de terceiros a infraestruturas essenciais, a desverticalização dos monopólios naturais no transporte e na distribuição e a implementação de medidas que viabilizem novas ofertas de gás natural e concorrência via preço entre novos ofertantes.

Sobre a aplicação do princípio de livre acesso, a agência reguladora defende a obrigatoriedade do acesso de terceiros (agentes não proprietários de gasodutos) a infraestruturas consideradas essenciais: os gasodutos de escoamento, as Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) e os terminais de GNL, sempre de forma não discriminatória, transparente e compatível com a preferência inegável do proprietário. Considerando que a regulação não deve impor mera restrição, mas sim otimizar a utilização dos ativos por diversos agentes a fim de evitar um cenário de monopólio.

Para a desverticalização dos monopólios naturais no transporte e na distribuição, a agência propõe a separação e independência efetivas dos agentes de transporte em relação às demais atividades da cadeia, nos moldes da experiência europeia. Propõe também, em relação à distribuição, que se eliminem as transações comerciais não públicas entre partes relacionadas para atender ao mercado cativo, o que passaria por limitar ou coibir práticas de self-dealing e por promover a publicidade integral de contratos de venda de gás para distribuidoras.

Quanto à implementação de medidas para viabilizar novas ofertas e concorrência via preço, a ANP ressalta a importância de introduzir a competição e desconcentrar a oferta de gás via programas de gas release. Outras recomendações exploradas pela agência são a limitação da participação do agente monopolista no mercado, a restrição da recontratação de todo o volume de gás natural proveniente da Bolívia via Gasbol e a vedação à participação acionária de carregadores no capital votante de transportadores.

A nota técnica é rica em referências aos modelos europeus, explorando a experiência da diretiva 2009/73/EC da União Europeia, que deu origem aos três modelos de independência adotados pelos países europeus para o segmento de transporte, e a experiência dos britânicos com os programas de venda obrigatória de gás natural ou de "liberação de gás", o chamado gas release. Desenhado para suplantar a ausência de acesso isonômico ao suprimento de gás ou à capacidade de transporte, esse tipo de regulamentação foi introduzido com sucesso no Reino Unido nos anos 1990 para dinamizar a concorrência na indústria de gás natural e, desde então, é adotada em diferentes países e regiões como medida transitória para enfrentar monopólios ou oligopólios bem estabelecidos no mercado de gás natural.

Segundo a ANP, as medidas visariam atingir no longo prazo objetivo único e primordial: caminhar no sentido da liberalização do mercado cativo de forma progressiva e planejada, promovendo a concorrência por meio de transações comerciais transparentes e a preços justos até que o produtor possa vender gás natural diretamente ao consumidor final a preços competitivos e equitativos. Apenas com mais oferta e um mercado efetivamente concorrencial e desconcentrado seria possível gerar mais benefícios para o mercado cativo.

Sem maiores avanços no âmbito legislativo, diante da paralisação do andamento do projeto de lei 6.407/13 (PL do Gás) na Câmara dos Deputados, ou qualquer outro desenvolvimento legal significativo até o momento , o ativismo da ANP é mais do que esperado, encontrando até mesmo uma indústria receptiva, que almeja que todo esse despertar de atividade regulatória e cooperativa com outros órgãos se intensifique, a fim de que ao menos no âmbito infralegal se faça progresso. A divulgação da nota técnica renova a confiança do setor, que prevê maior atividade regulatória e concorrencial no âmbito do Acordo de Cooperação Cade-ANP para os mercados de refino e, principalmente, de gás natural.

__________

*Maria Fernanda Soares é sócia de infraestrutura do Machado Meyer Advogados.

*Anna C. Joppert é advogada de infraestrutura do Machado Meyer Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca