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Da formação do profissional jurídico no setor de saneamento básico

O texto aborda a importância do setor e como a ausência de uma formação jurídica adequada pode gerar grandes prejuízos econômicos e sociais.

terça-feira, 19 de março de 2019

Atualizado em 18 de março de 2019 16:05

O setor de saneamento básico no Brasil tem demonstrado que está cada vez mais na pauta dos governos, sejam eles municipais, estaduais ou federal, bem como de atores privados e da sociedade em geral. Tal fato se deve a crescente cobrança social acerca da melhoria das condições de vida e ao entendimento que um ambiente saudável é uma obrigação constitucional e um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana.

Além do mais, segundo o Plano Nacional de Saneamento (Plansab), elaborado em 2013, a previsão é de que o setor necessitaria investir mais de 300 bilhões de reais para atingir a universalização no país do acesso aos serviços de saneamento básico, quais sejam, abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem urbana e limpeza e remoção de resíduos sólidos, conforme prevê a lei 11.445/07.

É importante pontuar que o valor para a universalização constante no Plansab é questionado por outro estudo elaborado pela KPMG, no qual o valor necessário seria de 417 bilhões de reais, ou seja, praticamente 50% a mais de recursos do que o previsto originariamente.

Portanto, trata-se de um setor fundamental para o crescimento do país nos próximos anos, inclusive tendo entrado na pauta legislativa com duas mudanças legislativas realizadas no final do ano passado por meio das medidas provisórias 844 de 06 de julho de 2018 e 868 de 27 de dezembro de 2018, que alteram o marco legal do saneamento básico.

Salienta-se que a MP 844 caducou em virtude de não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional durante o seu período de vigência, algo que também pode acontecer com a MP 868, já que foram apresentadas 501 emendas à medida provisória e o principal foco do governo Bolsonaro está sendo a reforma da Previdência.

A medida provisória 844 já foi alvo de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns 5993 e 6006) e em breve a MP 868, por basicamente repetir o conteúdo da antiga MP, também será objeto de questionamento judicial.

Nesse cenário de crescente importância do setor de saneamento básico como atividade econômica e social, torna-se necessário aumentar a qualidade dos profissionais que irão ser necessários para o correto desenvolvimento do setor ao  dos próximos anos e aí aciona-se o sinal de alerta no que tange aos profissionais de Direito.

Os operadores de Direito (juízes, promotores, advogados, defensores públicos, professores, analistas de Tribunais, etc) não possuem um contato com as matérias afetas ao setor de saneamento básico durante sua formação acadêmica, sendo poucos os cursos que oferecem a cadeira de saneamento básico como matéria eletiva, não tendo sido identificado nenhum curso que a ofereça como matéria obrigatória nas faculdades.

Ademais, são poucos os cursos com pós graduação em saneamento básico, sendo que a atividade do advogado sanitarista engloba diversas matérias do Direito, tais como constitucional, administrativo, urbanismo, meio ambiente, regulação, empresarial, consumerista, saúde pública, entre outras. A interdisciplinariedade torna o tema extremamente complexo, sendo que muitas vezes o primeiro contato com a matéria se dá apenas na prática, quando um juiz vai decidir um caso em concreto, o que pode dar uma visão distorcida do direito.

O saneamento básico é uma atividade, na qual a visão sistêmica deve ser preponderante sob os problemas pontuais, de modo que as decisões devem observar essas características que o setor possui. Apenas para se ter um exemplo da importância da visão sistêmica e integrada que o direito impõe nesse setor:

Observa-se algumas decisões judiciais, em tutela individual, concedendo a ligação de água em loteamentos clandestinos e/ou irregulares, enquanto em sede de ação civil pública proíbem a concessão de ligações para qualquer uma das moradias até a regularização do loteamento, quando possível, ou a remoção dos moradores, que se situam em locais de proteção ambiental.

Essas decisões demonstram uma ausência de visão adequada em relação ao setor de saneamento que causam mais embaraço para o desenvolvimento dessa atividade que é tão importante.

Desse modo, para melhorar a formação técnica adequada de juristas no ramo de saneamento básico, é fundamental o estímulo às Universidades e Faculdades para que ofereçam matérias afetas ao saneamento básico na grade curricular da formação, que inclui, direito agrário, esportivo, portuário como matérias opcionais, de modo que setores econômicos importantes já tem esse tratamento deferido, conforme se afere da PORTARIA 1.351, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2018 do Ministério da Educação que aprovou o parecer CNE/CES 635/2018.

Caso os atuais gestores do setor de saneamento básico não se preocupem com a adequada formação dos futuros operadores jurídicos nesse setor, que irá crescer enormemente nos próximos anos, é possível se vislumbrar consequências graves, inclusive com decisões jurídicas que possam tornar certas operações inviáveis economicamente e criar um caos social.

Atualmente, existem diversas associações ABES, AESBE, ABCON, Instituto Trata Brasil, entre outras, que já debatem bastante os rumos do setor de saneamento básico no país e que ainda não se atentaram para essa falta de formação adequada do profissional jurídico, que outras atividades econômicas já perceberam a necessidade.

Desse modo, tendo em vista que o profissional jurídico será essencial, seja em uma empresa estatal seja em uma operadora privada, é fundamental o setor de saneamento básico começar imediatamente a se preocupar com a formação do mesmo, sob pena de no futuro amargar com dissabores na área jurídica que acarretaram em responsabilidades administrativas, cíveis, ambientais e até criminais em virtude de uma visão equivocada acerca do setor.

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*Rodrigo Santos Hosken é advogado, assistente jurídico da Diretoria Regional Metropolitana da Cedae, associado da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES-RJ), pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes.

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