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O entendimento da Justiça do Trabalho acerca do incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado pela tomadora de serviços

Anteriormente à reforma Trabalhista e à edição deste artigo, no processo do trabalho a responsabilização dos sócios por dívidas trabalhistas estava fundada na denominada "Teoria Menor", que usava por analogia o disposto no artigo 28, § 5º, do CDC, em que a mera insuficiência financeira da empresa implicaria na execução dos sócios.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Atualizado às 12:53

De início, é importante destacar que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio das pessoas físicas que integram o seu quadro societário, exatamente pelo princípio da autonomia patrimonial, ou seja, esse "afastamento" patrimonial decorre de sua própria personalidade jurídica.

Logo, a partir do momento em que o responsável registra o contrato constitutivo da pessoa jurídica no órgão competente, essa passa a ter personalidade jurídica própria, transformando-se, assim, em um ente capaz de direitos e obrigações.

Por essa ótica, o sócio de uma empresa somente passaria a integrar a relação jurídica processual e responder pela execução quando da desconsideração da personalidade jurídica, com previsão do procedimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no novo artigo 855-A, da CLT (lei 13.467/17).

Anteriormente à reforma trabalhista e à edição deste artigo, no processo do trabalho a responsabilização dos sócios por dívidas trabalhistas estava fundada na denominada "Teoria Menor", que usava por analogia o disposto no artigo 28, § 5º, do CDC, em que a mera insuficiência financeira da empresa implicaria na execução dos sócios.

A inserção deste novo artigo 855-A à CLT, aplicando ao processo do trabalho o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, advém da introdução do tema em nosso ordenamento jurídico pela lei 13.105/15, também conhecida como Novo Código de Processo Civil.

Vejamos que o principal objetivo da inclusão desse instituto foi salvaguardar o princípio do contraditório e dar mais segurança aos empresários em relação à desconsideração da personalidade jurídica.

Não se pode olvidar que logo após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o TST editou a instrução normativa 39, que estendia a aplicação do incidente ao Processo do Trabalho, contudo essa aplicação não foi bem aceita na prática pelos Magistrados.

Mas com o advento da lei 13.467/17 (reforma trabalhista) solidificou-se a obrigatoriedade da instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, o que apaziguou a divergência e alavancou o tema ao status de previsão específica em lei trabalhista.

Nesse aspecto, o artigo 855-A, da CLT, apesar de permitir a aplicação do instituto na fase de conhecimento, na prática tem se consolidado na fase de execução e com a suspensão da execução até a sua apreciação, de acordo com o provimento CGJT 1, 08 de fevereiro de 2019 do C. TST.

Adentrando a forma de instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, esse não pode ser instaurado de ofício pelo juiz, devendo haver pedido da parte ou do Ministério Público, nos moldes do artigo 133 do NCPC.

De plano, verifica-se que esse instrumento poderia ter um importante papel para as Tomadores de Serviços na Justiça do Trabalho, que têm seu patrimônio atingido em condenações de responsabilidade subsidiária, após a execução restar infrutífera em face da Prestadora de Serviços.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro veda a execução direta do responsável subsidiário sem o esgotamento da execução em face do devedor principal, devendo ser aplicado o benefício de ordem, nos moldes dos artigos 4º, parágrafo 3º, da lei 6.830/80 e 795 do NCPC.

No entanto, vale a pena examinar se o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica também se submeteria ao benefício de ordem que favoreceria a Tomadora de Serviços, isso dentro do Contrato firmado entre Tomadora e Prestadora de Serviços no âmbito de dívidas trabalhistas, com foco no artigo 795, do NCPC:

Artigo 795 Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.

§ 1º O sócio réu, quando responsável pelo pagamento da dívida da sociedade, tem o direito de exigir que primeiro sejam excutidos os bens da sociedade.

§ 2º Incumbe ao sócio que alegar o benefício do § 1º nomear quantos bens da sociedade situados na mesma comarca, livres e desembargados, bastem para pagar o débito.

§ 3º O sócio que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do mesmo processo.

§ 4º Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.

Embora a tese de responsabilizar os sócios da empresa Prestadora de Serviços pelo pagamento de dívidas da sociedade seja bem plausível e encontre amparo no diálogo das fontes, inclusive com algumas decisões esparsas nesse sentido:

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA PRIMEIRA EXECUTADA. "O direcionamento da execução contra o tomador de serviços em razão da responsabilidade subsidiária reconhecida, somente deve ocorrer após as tentativas frustradas de se promover a execução contra o devedor principal, seus sócios e administradores, em razão da desconsideração da sua personalidade jurídica" (Verbete nº 37/2008). Todavia, se a medida pretendida foi levada a efeito pelo Juízo originário sem alcançar resultado satisfatório, há que se determinar o direcionamento da execução contra o devedor subsidiário. (TRT-10 - 00737-2009-802-10-00-2 AP, Relator: Desembargador José Leone Cordeiro Leite, Data de Julgamento: 20/07/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: 05/08/2011 no DEJT)

É importante esclarecer que essa posição é minoritária, tendo prevalecido nos Tribunais do Trabalhos o entendimento de que a condenação em reclamação trabalhista não precisa ser direcionada aos sócios antes de atingir a Tomadora de Serviços, sendo que um dos fundamentos é o caráter alimentar das verbas trabalhistas.

Sob esse prisma é possível observar essa questão na recente decisão proferida pelo TST, a seguir:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA SEGUNDA RECLAMADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. BENEFÍCIO DE ORDEM. Consoante entendimento firmado no âmbito desta Corte Superior, o benefício de ordem, na hipótese de responsabilização subsidiária, não enseja a necessidade de frustrada a execução contra a fornecedora de mão de obra, desconsiderar-se a personalidade jurídica desta última para direcionar a execução contra os sócios, para só então executar o devedor subsidiário. Incidência do art. 896, § 7º, da CLT, ante a consonância do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte Superior. Recurso de revista de que não se conhece. (TST - ARR: 7122320125090671, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 27/02/2019, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/03/2019).

Por conclusão, o Incidente de Desconsideração da Personalidade jurídica é uma medida excepcional, sendo cabível após frustradas as medidas executórias contra os devedores expressos no título executivo.

De outra forma, pelo conjunto de normas, apesar de ser perfeitamente plausível e apropriada a tese de excutir os bens dos sócios da Prestadora de Serviços, antes mesmo de direcionar a execução para a Tomadora de Serviços, esse não é o entendimento que prepondera na Justiça do Trabalho, o que impede uma solução mais efetiva para o problema de inadimplemento da Prestadora de Serviços.

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*Fernanda Perregil é advogada associada do escritório Melcheds || Mello e Rached Advogados.

*Alessandra Wasserman é advogada associada do escritório Melcheds || Mello e Rached Advogados.

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