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A condenação do DNA

Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida.

domingo, 7 de abril de 2019

Atualizado em 5 de abril de 2019 09:42

O Direito, como ciência, muitas vezes, deve dar asas à imaginação e engendrar histórias consideradas até mesmo de difícil elucidação, justamente para se buscar uma resposta que seja juridicamente plausível. Mas, às vezes, um determinado fato real traz ingredientes que nem a mais fértil imaginação consegue arquitetar. Veja, a título de exemplo, o caso ocorrido e decidido no Estado de Goiás, cujo relato vai na sequência.

Uma jovem teve uma relação sexual casual com um rapaz, que resultou em sua gravidez e o consequente nascimento de sua filha. O pretenso pai tem um irmão gêmeo univitelino, com DNA idêntico, vez que resultou da divisão de um único óvulo fertilizado pelo mesmo espermatozoide. A mãe procurou por aquele que considerava o pai, mas qual não foi a sua surpresa quando recebeu a negativa e, de sobra, apontou seu irmão gêmeo como o provável responsável, circunstância que dificultou sobremaneira  sua tarefa uma vez que não tinha ela condições de diferenciá-los.

Foi proposta ação investigativa de paternidade, em razão da negação de ambos, embora as amostras de DNA colhidas apontassem com segurança a paternidade. O magistrado, entendendo que um dos irmãos agia de má-fé em ocultar a paternidade, numa decisão salomônica, condenou os dois a pagar, cada um, 30% do salário mínimo a título de pensão à criança, além de arcarem com a metade das despesas médicas, odontológicas e escolares e providenciarem a inserção de seus nomes no assento de nascimento.

Tem-se, portanto, no caso comentado, de um lado, duas pessoas devidamente identificadas pelas suas características físicas e documentais e, de outro lado, internamente, as mesmas pessoas identificadas pelo seu genoma e, em razão da identidade de DNA, as duas carregam a mesma carga genética. Embora pessoas distintas, na realidade, são ligadas pelo mesmo código genético. Diferenciadas externamente, porém idênticas internamente. Coincidência descoberta há pouco tempo da incrível e ainda muito desconhecida natureza humana.

A decifração do Código Genético é uma das maiores conquistas da humanidade. Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida. O homem, no entanto, não é apenas resultado do mapeamento genético, mas também dotado de potencialidade genética que, em sintonia com o meio onde vive, poderá diferenciá-lo dos demais, formando uma unidade exclusiva.

 

Cada homem é uma unidade, insubstituível na dimensão estritamente pessoal de sua vida, quer seja na escolha do parceiro, na opção vocacional, na conduta social, enfim nas atividades de seu cotidiano. Não se qualifica o ser humano como uma verdade corporal, orgânica, racional, biológica ou sociológica. Ele é a síntese da representatividade da própria vida, que lhe confere o potencial para realizar suas aspirações. Porém, como humano, vem demarcado desde o nascedouro por células que irão compartilhar sua vida até que ocorra o estiolamento.  Assim, como se fosse uma tatuagem, carrega sua origem em todas as etapas do seu viver.

 

É certo e indiscutível que a responsabilidade da paternidade deveria recair sobre um deles somente, aquele que manteve relação sexual com a mãe da criança. A Justiça, quando chamada para decidir, deve se valer dos meios probatórios existentes e, no caso específico, a prova que fala mais alto é o exame do DNA de ambos, considerada como quase prova absoluta e irrefutável. Referido exame, por si só, demonstra a igualdade do genoma investigado, mas não aponta qual deles poderia ser o pai. Ora, seria até incongruente a Justiça expedir uma resposta negativa de paternidade se a prova pericial, com a robustez necessária, aponta com segurança a paternidade e, em se tratando de ação que envolve a dignidade do ser humano que pretende o reconhecimento, deve prevalecer a decisão que mais ampara e protege a criança. É a regra do in dubio pro infante.

Mesmo que um deles venha na fase seguinte recursal assumir a paternidade desonerando o outro do ato registral, de nenhuma valia será em termos genéticos, pois esse último continuará sendo pai. É a realidade genética em ação. A genética humana vem invadindo nossos tribunais e se apresenta como uma prova inconcussa e apta para demonstrar a ocorrência de determinado fato. Basta ver o teor da lei 12.654/12, que prevê a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal.

Assim, cada homem carrega duas identidades. Uma registral e outra genética.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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