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Ativismo Judicial como paradoxo jurídico

O ativismo judicial tem lugar diante da omissão dos demais poderes e do argumento da reserva do possível, utilizado para afastar a concessão dos direitos violados. Tal fato acaba desencadeando uma disputa de poder.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Atualizado em 29 de maio de 2019 14:39

1. Conceito de Ativismo judicial

A expressão ativismo judicial surgiu na revista americana Fortune, um termo com duplo sentido. A revista tinha como seu "share" de mercado um público de não-juristas. Ao delimitar o perfil dos juízes norte-americanos, o jornalista Arthur Schlesinger Jr atribuiu-os como ativistas e como não ativistas, ou seja, juízes limitados pelos próprios poderes.1

Muito se tem falado de ativismo judicial, tornou-se uma expressão um tanto quanto curiosa e banalizada no mundo jurídico. O que quase nunca é discutido, por detrás dos bastidores, são os reflexos causados à sociedade quando os direitos fundamentais estão sendo ameaçados, ou até mesmo quando estão sendo rejeitados pelo chamado ativismo judicial.

Este artigo tem o cunho de versar sobre o assunto de maneira compacta e com a intenção de provocar a curiosidade dos demais juristas e estudiosos da área jurídica, colocando em pauta reflexões e valores, o momento de opção entre o Direito e a Justiça.

É sabido que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º e em outros artigos esparsos, traz em seu corpo direitos fundamentais de grande importância para a sociedade brasileira. E ainda, que jamais este Estado teve em sua história uma Constituição tão comprometida com os valores e garantias dos cidadãos. Sem ficar tecendo elogios, pretende-se demonstrar o quão importantes são esses direitos para a sociedade brasileira, e mais do que isso, o quão complexo e dificultoso é fazer com que essas garantias sejam perpetradas com efetividade, equidade, eficiência e justiça no mundo jurídico brasileiro.

O assunto parece inesgotável. Na seara jurídica, podem ser citados inúmeros exemplos, julgados e casos concretos como sendo violados a cada instante. Nessa esteira, surge, então, o ativismo judicial, que nada mais é do que uma postura proativa do Poder Judiciário de fazer valer os direitos e garantias fundamentais, cumprindo o que dispõe a Constituição.

O ativismo judicial tem lugar diante da omissão dos demais poderes e do argumento da reserva do possível, utilizado para afastar a concessão dos direitos violados. Tal fato acaba desencadeando uma disputa de poder. 

As contendas na identificação do ativismo judicial não estão apenas nas dificuldades do processo de interpretação constitucional. Para que seja caracterizado o ativismo judicial, faz-se necessária a correta interpretação do dispositivo constitucional e a reiteração de conduta que desafia e interfere na esfera de outro poder. Não se trata de mero controle de constitucionalidade.

Segundo Streck2,

"Antes de tudo, é necessário dizer que a simples declaração de uma inconstitucionalidade não quer dizer ativismo ou não ativismo. O controle de constitucionalidade é justamente a função precípua e democrática de uma corte constitucional. Logo, número de ações contra ou a favor não permite epitetar um tribunal de ativista (ou antiativista). Podem ser elementos que apontam algo. Mas não tudo. Aliás, por vezes os números escondem e não desvelam."

Fica um questionamento de grave reflexão: o que seria de maior importância? O direito fundamental do cidadão em meio às garantias fundamentais, ou a saúde financeira do poder Executivo?

Por falar em saúde, vale mencionar um dos casos mais polêmicos, atuais e controversos dentro do ativismo judicial.

São inúmeras situações de cidadãos necessitando de medicamentos que chegam à corte e vão a óbito por negativa de fornecimento, seja por parte do plano de saúde ou pelo próprio SUS. Tais instituições comprometeram-se com a sociedade em salvar vidas, mas agem ao revés, provocando milhares de óbitos.

Por vezes, na negativa do fornecimento, e também pelo descaso, ou até mesmo pela certeza de que a alegação será a reserva do possível, é que o mínimo existencial fica notoriamente inferiorizado perante o argumento frágil e repetitivo da reserva do possível. Pode-se falar que beira ao genocídio.

Diante de tais circunstâncias, o poder Judiciário acaba intervindo para tentar sanar as injustiças ocorridas. É o que se depreende do seguinte julgado3:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da lei 8.080/90, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (STJ. Recurso especial 1.657.156 - RJ. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Data do julgamento: 25/04/2018).

Entretanto, não nos parece tão simples a aplicação da ponderação dos poderes, quanto aos chamados "Freios e Contrapesos". Os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo são independentes e harmônicos entre si, visando a evitar que um intervenha na esfera do outro, impedindo um possível desequilíbrio orçamentário. Cabe ressaltar que essa separação dos poderes deu-se em nível de cláusula pétrea, contudo os direitos fundamentais também são considerados cláusulas pétreas. Eis um dos maiores problemas da questão.

Alguns constitucionalistas vêm utilizando a expressão ativismo judicial como uma maneira de justificar os fins pelos meios, alegam que o ativismo judicial provoca grande conflito entre as normas e traz um efeito reflexo entre os poderes. O argumento tem por finalidade a perda de credibilidade do instituto, prejudicando assim, mesmo que sem intenção, a sociedade.

Por fim, para se caracterizar uma decisão como ativismo, é preciso se utilizar de comparações, o que Pontes de Miranda definiu como "Diálogo das Fontes". Ademais, não se trata de simples atividade de controle de constitucionalidade, e sim uma rejeição ao ato dos poderes Legislativo e Executivo.

2. Judicialização constitucional

2.1. Conceito Judicialização Constitucional:

Jurisdição Constitucional, pela ótica de Hans Kelsen, é "a garantia jurisdicional da Constituição", e "um elemento do sistema de medidas técnicas que tem por fim garantir o exercício regular das funções estatais" (KELSEN, 2007, p.12 janeiro de 2019)

A jurisdição constitucional brasileira deu-se em 18915, com a criação do Supremo Tribunal Federal, iniciando-se assim, a trajetória do Controle de Constitucionalidade das normas diante da Constituição Federal. Pode-se observar que o ponto mais alto do controle de constitucionalidade ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe consigo um controle de constitucionalidade concentrado, ampliou o rol dos legitimados para propositura de ação direta de inconstitucionalidade e criou instrumentos de controle por omissão legislativa, tais como: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. É o que se pode chamar de cenário atual de constitucionalismo.

A Judicialização Constitucional entrega ao poder Judiciário o condão de resolver questões de grande repercussão política e social, retirando-as das vias tradicionais, como poder Executivo e Congresso Nacional. Contudo, a judicialização, no panorama brasileiro, trata de uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não de um exercício deliberado de vontade política.

Destarte, faz-se necessário que, na judicialização, o poder Judiciário seja devidamente provocado a se manifestar, nos limites dos pedidos formulados. Neste momento, o tribunal deixa de ter alternativa, de conhecer ou não sobre as ações, ou 5 de se pronunciar sobre o seu mérito, quando preenchidos os requisitos do cabimento da ação.

A judicialização não se desdobra de uma opção ideológica ou filosófica do Judiciário. Tal poder decide em cumprimento ao ordenamento jurídico vigente, de maneira rigorosa.

Conclusão

Contudo, podemos observar que o ativismo judicial e a judicialização constitucional caminham para a direção de solução das lides. Entretanto, estes se utilizam de controles constitucionais de formas diferentes. Por um lado, o ativismo se sobrepõe aos demais poderes, priorizando a correta interpretação do dispositivo constitucional e a reiteração de conduta que desafia, e interfere na esfera de outro poder. Não se trata de mero controle de constitucionalidade.

Por outro lado, a judicialização constitucional incorpora o controle de constitucionalidade, engessando as regras existentes na própria Constituição Federal. É a interpretação literal da norma e seus meios positivados.

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1 Vale, Ionilton Pereira ;Santos, Teodoro Silva ; A HERMENÊUTICA JURIDICA E O ATIVISMO JUDICIAL; Disponível aqui. Acesso em 09 jan 2019.

2 STRECK, Lenio. O ativismo judicial existe ou é imaginação de alguns?

3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial 1.657.156 - RJ. Disponível aqui. Acesso em: 22 mai. 2019. 6

4 KELSEN, Hans apud. LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A jurisdição constitucional no Brasil: uma história em construção. Disponível aqui. Acesso em: 22 mai. 2019.

5 LOUREIRO, Priscila Félix Silva; FREITAS, Andre Freitas Leite de. Jurisdição Constitucional: ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal face as omissões legislativas. Disponível aqui. Acesso em: 22 mai. 2019.

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BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

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*Jaquelina Leite da Silva Mitre é especialista em Direito Tributário.

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