O juiz, o promotor e o processo
Sem demérito aos ilustres envolvidos, que merecem todo respeito, se as tratativas forem verídicas, a atitude colocou em risco inúmeras ações que estão passando o Brasil a limpo, como ocorreu na Operação Satiagraha, anulada posteriormente por vários atropelos ao ordenamento jurídico.
quinta-feira, 4 de julho de 2019
Atualizado em 3 de outubro de 2019 11:33
Muito se falou nos últimos dias sobre suposto vazamento de conversas envolvendo questões processuais, entre o então juiz Sergio Moro e o promotor Deltan Dallagnol, divulgadas em 9 de junho de 2019, pelo The Intercept. Tirando as paixões que envolvem tais personagens, umas a favor outras contra, e a necessária investigação pela invasão ilícita, o fato é que soa no mínimo estranho tal colóquio. Se verídico, até o momento não houve confirmação ou desmentido, nos deparamos com situação em que o representante do Estado juiz procura alinhar atuação do Estado acusador. Tal vertente destoa dos mais comezinhos padrões éticos, pois as atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário, não se misturam na forma republicana/democrática adotada pelo Brasil. Inobstante, se verídicas forem as conversas, o ordenamento jurídico pode carrear nulidade aos processos sobre os quais recaiam a tratativa. O artigo 254, IV do Código de Processo Penal relata, que o juiz deverá se dar por suspeito se tiver "aconselhado qualquer das partes". Já o artigo 564, I da mesma norma, determina que o processo poderá ser anulado, caso ocorra comprovada suspeição do juiz. Em trechos da suposta conversa, segundo o The Intercept, o então magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, faz várias sugestões de conduta ao procurador, o que a priori, pode ser entendido como "orientação". Sob a ótica jurídica, é crível a possibilidade de nulidade processual, independente de quem seja o réu. Imagine-se o contrário, o juiz sugerindo posturas ao advogado de defesa. Certamente as conjecturas iriam à estratosfera. Sem demérito aos ilustres envolvidos, que merecem todo respeito, se as tratativas forem verídicas, a atitude colocou em risco inúmeras ações que estão passando o Brasil a limpo, como ocorreu na operação Satiagraha, anulada posteriormente por vários atropelos ao ordenamento jurídico. Não importa quem é o investigado, a lei é para todos, inclusive agentes públicos.
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*Jose Antonio Gomes Ignacio Junior é advogado e mestre em Teoria do Direito e do Estado.