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Do fenótipo feminino para o masculino

O Direito, obrigatoriamente, tem que caminhar de braços dados com as transformações sociais e encarar esta nova realidade, baseando-se no respeito mútuo e no convívio estável, ambos tutelados pelo Estado.

domingo, 7 de julho de 2019

Atualizado em 23 de outubro de 2019 11:51

A portaria GM 1370, de 21 de junho de 2019, do Ministério da Saúde, autorizou o SUS a realizar o procedimento médico conhecido como cirurgia de redesignação sexual feminina para homens trans, considerados os que nascem com vaginas e pleiteiam o reconhecimento legal e social como homens.

Referida cirurgia, considerada de caráter experimental, conhecida por vaginectomia, remove toda a vagina ou parte dela, com a utilização de hormônios (metoidioplastia) para fazer com que o clitóris se aproxime da forma e tamanho de um pênis. Há, no entanto, que se observar os critérios de idade, já que é permitida entre 21 e 75 anos, desde que o paciente tenha intentado ação judicial pleiteando a alteração de sexo.

O propósito é fazer a adequação da genitália ao sexo psíquico.  Como se trata de procedimento em caráter experimental fica vinculado à resolução 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), vez que se trata de pesquisa envolvendo seres humanos e somente pode ser realizada em hospitais universitários habilitados para a atenção especializada no processo transexualizador.

É de se observar, a respeito do tema, que anteriormente o Conselho Federal de Medicina, editou a resolução 1955/10 que permitia a cirurgia de transgenitalização compreendendo as mulheres que nascem com o sexo masculino e adquirem a identidade feminina, com a transformação terapêutica da genitália in anima nobili, desde que uma equipe multidisciplinar acompanhasse o paciente pelo prazo mínimo de dois anos e concluísse pelo diagnóstico médico de transgenitalismo de paciente maior de 21 anos, com ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

O tema da transexualidade já aportou no Supremo Tribunal Federal na Adin 4275, que autorizou a alteração do registro civil por transexuais e transgêneros que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização. E mais. No RE 67.0422 ficou decidido que a providência da alteração pode ser exercida tanto pela via judicial como administrativa, dando, desta forma, nova interpretação ao artigo 58 da lei 6015/73.

E, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em razão da inércia do Legislativo em se manifestar a respeito, determinou a inclusão do crime de preconceito contra homossexuais e transexuais na lei 7.716/89, conhecida como a lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor.

A providência determinada na portaria referida, no tocante à obrigatoriedade de ter o interessado intentado ação judicial, tem lógica e sustentação jurídica. Aparentemente poderia se cogitar que,  elo princípio da isonomia ou da paridade entre os interesses envolvidos, se o paciente pode, já sem qualquer restrição, submeter-se à cirurgia de transgenitalização em busca da identidade feminina, da mesma forma, assim como pelos mesmos argumentos, por analogia, deveria prevalecer para os pacientes que buscam a redesignação do fenótipo feminino para o masculino.

Ocorre que, com relação a essa última opção, trata-se ainda de uma cirurgia em caráter experimental e a transformação da genitália exige o aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimula a pesquisa cirúrgica do processo transexualizador até se atingir um protocolo de confiável e recomendável segurança. Vale também acrescentar que a expedição de uma sentença judicial que tenha abrigado a pretensão do paciente, converte-se em direito que deverá ser honrado pelo Estado. Daí a ratio essendi da providência administrativa.

Forçoso é concluir que a definição da identidade sexual, desta forma, não está nas genitálias e sim faz parte da liberdade de escolha da pessoa, compreendida na elasticidade do princípio da dignidade humana. O Direito, obrigatoriamente, tem que caminhar de braços dados com as transformações sociais e encarar esta nova realidade, baseando-se no respeito mútuo e no convívio estável, ambos tutelados pelo Estado.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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