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Oração aos moços e ao presidente

O texto de Rui Barbosa, escrito há quase um século, responde ao nosso presidente da República quando questionou a que serve a entidade que defende e representa os advogados.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Atualizado em 11 de julho de 2019 16:14

Rui Barbosa, ao paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, em razão de não poder comparecer, por problemas de saúde, encaminhou discurso intitulado Oração aos Moços, lido pelo professor Reinaldo Porchat. Nesse esplêndido escrito, próprio da sua genialidade, Rui Barbosa reflete sobre seus cinquenta anos de advocacia, demonstrando a rígida moral e o forte civismo que nortearam sua vida profissional. Em certo ponto, adverte seus interlocutores de que "o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes"1. Por certo, a observação se mostra atual, inclusive pelas garantias positivadas na Constituição Federal, entre a quais a de que não há justiça sem a atuação do advogado, e a de que tal profissional é inviolável no exercício da profissão - artigo 133.

O atual presidente da República, de maneira pouco feliz, em 28 de junho passado, ao conceder entrevista a uma conceituada emissora radiofônica2, lançou comentário infausto à Ordem dos Advogados do Brasil, questionando por que a entidade estaria impedindo perícia no celular de Adélio Bispo, que atentou contra sua vida. Ainda questionou a Ordem: "a que serve [.] a não ser para defender quem esta a margem da lei!" (sic).

É compreensível o furor pessoal em desfavor do algoz, porém, na qualidade de chefe de Estado e de Governo, sem refletir, não deveria se insurgir contra uma entidade de classe que muito fez e faz pelo Brasil. Como bem e fartamente esclarecido em nota pela OAB, não houve nenhuma atuação da entidade para impedir o acesso pericial ao celular ou qualquer outro artefato pessoal do acusado. Ou seja, a OAB não promoveu nenhuma medida judicial em favor de Adélio Bispo.

A única manifestação ocorreu pela OAB/MG, em favor do advogado que atua na defesa do réu, que, em 21 de dezembro passado, foi alvo de mandados de busca e apreensão autorizados pelo juiz Bruno Souza Savino, da Terceira Vara Federal de Juiz de Fora. O desembargador federal Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), concedeu liminar em mandado de segurança para suspender as perícias e as investigações iniciadas a partir do material apreendido no escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defende Adélio Bispo de Oliveira, salientando o julgador: "a decisão confrontada, ao que parece, viola não apenas o direito brasileiro, mas toda a experiência acumulada no direito comparado, no que respeita às garantias que revestem a atuação do advogado. [.] Portanto, há no caso o interesse específico do advogado quanto à respeitabilidade de seu ofício e profissão (Constituição da República, art. 5º, XIII), que não se confunde com o interesse de defesa de seu cliente. [.] a quebra do sigilo profissional, sem que o advogado seja ele mesmo objeto de investigação, é uma grave violação que o Estado impõe à relação de confiança que os cidadãos depositam e devem poder depositar nesse profissional, que a própria Constituição reconhece ser essencial à administração da justiça."3

A decisão do TRF1 restabeleceu o império da lei sobre uma ação estatal equivocada, que confundiu o advogado com seu cliente. Enfim, o texto de Rui Barbosa, escrito há quase um século, responde ao nosso presidente da República quando questionou a que serve a entidade que defende e representa os advogados. "Na missão do advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na resultante; a justiça. Com o advogado, justiça militante. Justiça imperante, no magistrado."

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1 Disponível aquiAcesso em: 06 jul. 2019.

2 Disponível aqui. Acesso em: 06 jul. 2019.

3 Processo 1000399-80.2019.4.01.0000

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*Jose Antonio Gomes Ignacio Junior é advogado, mestre em Teoria do Direito e do Estado e doutorando em Direito Constitucional.

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