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A exigência de erro grosseiro para a responsabilização regressiva de agente público parecerista

Não se quer afastar a responsabilização devida do agente público, mas, no entanto, é preciso que o agente público parecerista esteja assegurado da exigência de dolo ou erro grosseiro para ser responsabilizado por opinião técnica que, fundamentadamente, emitir.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Atualizado às 10:28

Pareceres são opiniões técnicas emitidas antes da tomada da decisão administrativa. Servem, pois, para instruir essa decisão do conhecimento técnico que falta ao gestor. Para Marrara e Nohara (2009, p. 280), a anterioridade do parecer é indicadora do fato de que este instrumento serve como subsídio à decisão da autoridade competente que tomará a decisão. Para Di Pietro (2010, p. 225), o parecer é um ato enunciativo, pois não produz efeitos por si, mas serve de base ao ato expedido com base em seu conteúdo. Portanto, pareceres são atos que não produzem efeitos por si mesmos, mas que norteiam a atuação da autoridade administrativa na tomada de decisões que, essas sim, produzem efeitos.

É por servir de norte ao gestor e, por vezes, tratar-se de ato vinculativo, que Mello enuncia que não pode a autoridade administrativa que decide lastreada por parecer ser responsabilizada pessoalmente por eventuais danos oriundos da decisão que tomou (Mello, 2011, p. 322). Se a autoridade que age guiada por parecer técnico não deve ser responsabilizada pelos danos eventualmente causados pela decisão que tomar, por força do art. 37, § 6° e da compreensão do dever-poder de regresso contra o agente público que der causa ao dano pelo qual o Estado for responsabilizado, é o agente público parecerista quem deve responder pelos danos em ação de regresso. É conclusão lógica que se extraí do enunciado pelo texto constitucional somado às posições da doutrina.

Não há que se esquecer, no entanto, que por opção expressa e clara do constituinte (art. 37, §6°, CF), o agente público apenas responde em caso de ter agido com dolo ou culpa. Não se pode esquivar dessa previsão, em que pese parte da doutrina defenda a objetivação da responsabilidade regressiva do agente público.

Por força disso, o agente público parecerista somente responderá pelos danos causados em razão de decisão administrativa tomada com base em parecer que emitiu se provado que agiu com dolo ou culpa. A opção constitucional pela responsabilidade subjetiva do agente parece preservar a presunção de boa-fé. Presume-se, então, que agiu com boa-fé o parecerista que, firmado em suas capacidades intelectuais, emite opinião técnica sobre determinado tema.

Necessário somar a isto as recentes modificações promovidas na legislação brasileira. Em 2018, foi publicada a lei 13.655 que promoveu mudanças na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro com o fito de imprimir às relações jurídicas da Administração Pública maior segurança jurídica e eficiência.

Interessa, sobretudo, o texto do art. 28 da nova LINDB. O dispositivo, segundo a doutrina administrativista, regulamenta o art. 37, § 6°, da Constituição Federal, responsável por disciplinar a responsabilidade do Estado e o direito de regresso. Diz o art. 28, LINDB: "Art. 28.  O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.". O grifo é próprio e serve para enfatizar a adoção pelo legislador deste termo que inova na legislação da responsabilidade do agente: erro grosseiro.

Cumpre indagar: o que é erro grosseiro? A doutrina administrativista tem empregado esforços no sentido de definir o conteúdo indefinido dos conceitos utilizados pela nova LINDB. Esses esforços justificam-se, sobretudo, pelas já havidas dissonâncias em decisões dos órgãos de controle acerca do conteúdo de conceitos indeterminados, inclusive, o erro grosseiro.1

A confusão sobre o conteúdo do termo erro grosseiro deve-se ao veto parcial do então Presidente da República sobre o texto da lei 13.655. O texto original trazia, no § 1° do art. 28, a definição do que não se considera erro grosseiro. Dizia o texto: "não se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais". A partir disso, poder-se-ia obter o entendimento de que em quê consiste erro grosseiro. Diante do veto do dispositivo, resta compreender que erro grosseiro implica culpa grave. E culpa grave caracteriza-se por ser uma culpa qualificada, não culpa simples.

Assim entende o Superior Tribunal de Justiça desde 2015, quando se manifestou, no AgRg no AREsp 654.406/SE, de relatoria do ministro Herman Benjamim, sobre a culpa grave como requisito de tipificação da improbidade administrativa:

 

"O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10."

 

Se colabora, Floriano de Azevedo Marques Neto, um dos autores do texto da lei 13.655, e Rafael Véras de Freitas (2018), definem erro grosseiro como o que "terá lugar quando o agente público incorrer em negligência, imprudência ou imperícia irrecusáveis no exercício de seu mister (por exemplo, quando expedir um ato administrativo de cassação de uma licença, com base numa legislação revogada)".

Vê-se, portanto, que a nova legislação requer, expressamente, a presença de dolo ou erro grosseiro (que afasta a aplicação da mera culpa simples) para a responsabilização pessoal do agente. Em complemento a esse entendimento, de fundamental relevância apontar a definição dada pelo vigésimo enunciado dos Enunciados relativos à interpretação da Lei de Introdução às Normas do Direto Brasileiro - LINDB e seus impactos no Direito Administrativo, produzidos em seminário docente promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo. Ficou consignado neste enunciado que "O art. 28 da LINDB, para os casos por ele especificados (decisões e opiniões técnicas) disciplinou o § 6° do artigo 37 da Constituição, passando a exigir dolo ou erro grosseiro (culpa grave) também para fins da responsabilidade regressiva do agente público.".

Em sentido oposto, Cruz e Borges (2018) compreendem que a disposição da LINDB não tem o condão de regulamentar o dispositivo constitucional, instituindo para a "culpa" prevista na segunda parte do art. 37, § 6°, a exigência do "erro grosseiro". Em resposta a este entendimento, alimentado também por órgãos de controle, manifestou-se o STF no sentido de que descabe ao Tribunal de Contas da União realizar controle de constitucionalidade para verificar se o art. 28 da LINDB, que induz uma restrição à culpa prevista no art. 37, § 6°, CF, ofende ou não o texto constitucional (MCMS 35.410/DF, rel. min. Alexandre Moraes, em 15/12/2017).

Com as vênias devidas ao TCU, opina-se aqui - e, veja-se, com permissão do STF - o entendimento de que é constitucional o art. 28 da LINDB e que ele efetivamente regula o art. 37, § 6°, da Constituição, para estabelecer a exigência de erro grosseiro (culpa grave) na responsabilização pessoal em ação de regresso do agente público que emite parecer, consoante ao que se consignou no 20° Enunciado do Seminário Docente realizado pelo IBDA.

Finalmente, válido aclarar: o art. 28 da LINDB aplica-se ao agente público que emite opinião técnica em parecer e exige a presença de dolo ou erro grosseiro, considerado como culpa grave, para a responsabilização pessoal do agente público em ação de regresso movida pela Administração Pública.

Não se quer afastar a responsabilização devida do agente público, mas, no entanto, é preciso que o agente público parecerista esteja assegurado da exigência de dolo ou erro grosseiro para ser responsabilizado por opinião técnica que, fundamentadamente, emitir. Não se pode, no atual espectro constitucional e legal, sugerir a responsabilização do agente que emite parecer apenas pelo fato de que a opinião legítima e fundamentada que deu gerou algum tipo de dano. Tal conclusão não se coaduna com o que prevê a Constituição e a LINDB, que regulamentou, no seu art. 28, o que previu o art. 37, § 6°, da Constituição.

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1 O Tribunal de Contas da União - TCU já se manifestou em sentidos distintos sobre o tema, vide: Acórdão 2677/2018, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 21 nov. 2018;  Acórdão 2860/2018, Rel. Min. Augusto Sherman, julgado em 5 dez. 2018; Acórdão 2924/2018, Rel. Min. José Mucio Monteiro, julgado em 12 dez. 2018; Acórdão 11762/2018, Rel. Marcos Bemquerer, julgado em 02 out. 2018; Acórdão 2391/2018, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 17 out. 2018; e Acórdão 1628/2018, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 18 jul 2018.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 654.406/SE, Rel. Ministro Herman Benjamim, Segunda Turma, julgado em 17/11/2015, DJe 04/02/2016.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MCMS 35.410/DF, Rel. Min. Alexandre Moraes, julgado em 15/12/2017.

 

CRUZ, A. M. e BORGES, M. O artigo 8 da LINDB e a questão do erro grosseiro. In: Consultor Jurídico [revista on-line]. 

 
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010.
 

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ADMINISTRATIVO - IBDA. Enunciados relativos à interpretação da Lei de Introdução às Normas do Direto Brasileiro - LINDB e seus impactos no Direito Administrativo. Seminário Impactos da Lei 13.655/2018 no Direito Administrativo Brasileiro. Tiradentes/MG, 2019.

 

MARQUES NETO, F. A. e FREITAS, R. V. O artigo 28 da nova LINDB: um regime jurídico para o administrador honesto. In: Consultor Jurídico [revista on-line]. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mai-25/opiniao-lindb-regime-juridico-administrador-honesto. Acesso: 03 jul. 2019.

 

MELLO, C. A. B. Parecer: conceito e classificação - responsabilidade de quem atende ou desatende a parecer técnico - responsabilidade de quem o emite - Administração contenciosa: dever de imparcialidade - Responsabilidade por violá-la. In: MELLO, C. A. B. Pareceres de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

 

NOHARA, I. e MARRARA, T. Processo administrativo: Lei n° 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009.

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*Adriana Kempe é advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Positivo e pós-graduanda em Direito Administrativo Aplicado pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. 

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