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Boa fé contratual: paradigma substancial para o equilíbrio econômico do contrato de seguro

Tais perspectivas evidenciam o comportamento das partes contratantes, considerando que a primeira aponta para uma regra de conduta comportamental, fundada na ética, e exigibilidade jurídica.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Atualizado às 10:54

Este artigo trata da importância do princípio da boa-fé nas relações contratuais de seguro, princípio que é composto pela boa-fé em perspectiva objetiva e subjetiva. Tais perspectivas evidenciam o comportamento das partes contratantes, considerando que a primeira aponta para uma regra de conduta comportamental, fundada na ética, e exigibilidade jurídica; e a última traduz uma situação psicológica, um estado de ânimo, ou de espírito do agente que pratica certo ato ou vivência de determinada situação (STOLZE; PAMPLONA, 2012).

Sobre isso, a lei estabelece, quando se tratar de contrato de seguro, que "o segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes." (CÓDIGO CIVIL, 2002, Art. 765)

O legislador brasileiro contemplou o referido princípio em diversos preceitos do Código Civil (2002). Dentre eles, vale destacar o artigo 1131, que trata da conduta de lealdade das partes negociais; os artigos 1642  e 1873, que versam sobre a função de controle dos atos do titular de um direito impostos pela boa-fé; e os artigos 3094 e 4225, cuidam da função de integração da boa-fé.

A boa-fé reflete uma verdadeira norma de essência ética e exigibilidade jurídica, que vai além da função interpretativa e adaptativa apresentada no referido artigo 113 do Código Civil, pois sua implantação teve por objetivo constituir deveres de proteção, tais como lealdade, reciprocidade de confiança, e dentre outros, informações fidedignas (STOLZE; PAMPLONA, 2012).

Dessa forma, a Lei objetivou implantar um modelo irrepreensível de conduta nas práticas cotidianas dos brasileiros, tanto nas relações pessoais, como nas profissionais, mas em especial nos ajustes comerciais.

Nesse sentido, tem por finalidade preservar a responsabilidade dos contratantes em guardar a boa-fé contratual enquanto durar a relação negocial. Isso é necessário considerando que o referido comportamento é fundamental tanto na celebração dos contratos quanto na sua resolução; e, por isso, é necessário que as partes envolvidas (o contratante do seguro e a empresa seguradora), na formação e conclusão do contrato, ofereçam declarações e informações verossímeis, isto é, verdadeiras referentes ao objeto do seguro (a vida, a casa, o aparelho eletrônico, o carro, etc.) e às situações que o envolvem na ocorrência de um evento danoso.

Observa-se que, além do princípio da boa-fé, o legislador vinculou no artigo 765 do Código Civil, o princípio da veracidade, ou seja, da verdade real dos fatos, objetos e circunstancias, obrigando a todos os envolvidos nesta relação contratual dizer sempre a verdade, pois a autenticidade, genuinidade, probidade, lisura, fidelidade, precisão, franqueza, transparência e outras atitudes são fundamentais nos liames negociais.

Em que pese tal comportamento ser imprescindível em todos os níveis e seguimentos sociais, verifica-se extremamente relevante nas relações contratuais desenvolvidas no seguimento securitário, pois é basilar para manutenção do mutualismo, que implica no equilíbrio econômico do contrato.

Isto porque, o mutualismo é o fundo formado pela contribuição de todos os segurados que pagam o prêmio, que tem por finalidade garantir o pagamento de todos os sinistros cobertos ocorridos dentro da vigência dos contratos.

Dessa forma, a destinação do seguro é minimizar as consequências econômicas dos eventos danosos no seio da massa segurada formada pelos titulares de interesses submetidos aos mesmos riscos, ou seja, do mutualismo (MIRAGEM; CARLINI, 2014), razão pela qual, deve ser protegido pelo contrato de seguro.

Nesse sentido, na ocorrência de um sinistro, ou seja, de um evento danoso com um bem segurado, o segurador tem por obrigação efetivar a adequada regulação do mesmo para averiguar todas as informações e circunstâncias que envolvem o risco segurado desde a celebração do contrato até sua resolução.

Desta forma, não pode simplesmente efetuar o pagamento de um evento, sem proceder a correta e adequada regulação, que nada mais é do que efetivar a análise dos documentos que formaram o contrato, as circunstancias em que o sinistro ocorreu e os envolvidos no mesmo, a fim de apurar se ele, está ou não acobertado pelo contrato, ou seja, se possui ou não cobertura técnica securitária.

A cobertura técnica refere-se aos critérios de cobertura assumidos pelo segurador, que nos termos da Circular 321/06 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), refere-se a "toda e qualquer ocorrência ou acontecimento decorrente de uma mesma causa passível de ser garantido por uma apólice de seguro." desde que não decorra de eventos excluídos ou não cobertos, os quais ficam discriminados nas condições gerais e/ou especificas do contrato.

Os critérios acima apontados para regulação e liquidação do sinistro, decorrem das estipulações contratuais e legais, pois nos termos do artigo 757 do Código Civil, "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados", do contrário, todos os segurados restarão prejudicados, pois o contrato de Seguro transcende o direito individual, para cuidar da universalidade dos direitos de todos os demais segurados.

Dessa forma e conforme entendimento do STJ, por meio do REsp 1.441.620 - ES (2014/0055470-7) de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, a qual doutrina que

a boa-fé contratual é indispensável para que o instituto do seguro atinja sua finalidade principal, qual seja, minimizar os riscos aos quais estão sujeitos todos os segurados que compartilham o fundo mutual, e por consequência, a sociedade em geral, considerando a função social do contrato. (STJ, 2018)

Ao realizar a regulação e liquidação dos sinistros de forma adequada pelo segurador, efetuando o pagamento de indenizações securitárias somente a eventos tecnicamente cobertos pelo contrato de seguro, o segurador, além de atender a função social do contrato, alcança o objetivo proposto pelo princípio da boa-fé.

Portanto, a observância do princípio da boa-fé contemplado na legislação civil brasileira é imprescindível, pois além estabelecer aos envolvidos um padrão ético de conduta nas relações obrigacionais, proporcionando a revisão no comportamento social, a partir da consciência do certo, honesto, verdadeiro, adequado, praticável e aceitável no universo jurídico negocial, proporciona o equilíbrio econômico do contrato de seguro.

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1 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

2 Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.

3 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

4 Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor.

5 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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BRASIL. LEI 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF, janeiro de 2002. Disponível aqui. Acesso em: 21 set. 2019.

GAGLIANO, Pablo Stouze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil: contratos em espécie. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.441.620 - ES (2014/0055470-7). Fevereiro 2018. Disponível aqui. Acesso em: 21 set. 2019.

MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica (org.). Direito dos seguros: fundamentos do Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor. São Paulo: Editora RT, 2014.

SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS (SUSEP). Circular SUSEP n. 321, de 21 de março de 2006. Disponível aqui. Acesso em: 21 set. 2019.

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*Lucimer Coelho de Freitas é advogada securitária associada à Jacó Coelho Advogados.

 

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