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Qual o futuro da EIRELI?

Fernando Schwarz Gaggini

A justificativa econômica para a criação da EIRELI foi a de permitir a constituição de uma pessoa jurídica por um único empreendedor, sem a necessidade de sócios. Isso porque, até então as formas de exercício empresarial disponíveis impunham ao empreendedor escolher entre atuar como pessoa natural ou constituindo uma sociedade, hipótese que permite a criação de uma pessoa jurídica para exercer a atividade, mas impondo como exigência uma pluralidade de sócios.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Atualizado em 18 de setembro de 2020 10:52

Na atual realidade do Direito Empresarial brasileiro, o exercício regular de uma atividade empresarial impõe aos empreendedores a adoção de uma, dentre três possíveis formas de organização empresarial. A primeira possibilidade é o exercício da atividade como pessoa natural, caracterizando a figura do empresário individual. As demais possibilidades envolvem a constituição de uma pessoa jurídica de direito privado, sendo elas a criação de uma sociedade empresária ou a constituição de uma EIRELI - empresa individual de responsabilidade limitada.

As duas primeiras alternativas (empresário individual e sociedades) são figuras tradicionais no direito brasileiro, existentes há muito tempo e de amplo conhecimento e utilização na realidade econômica. Já a EIRELI é figura recente em nossa legislação, tendo surgido por força da lei 12.441, que a inseriu no Código Civil, em seu artigo 980-A.

A justificativa econômica para a criação da EIRELI foi a de permitir a constituição de uma pessoa jurídica por um único empreendedor, sem a necessidade de sócios. Isso porque, até então as formas de exercício empresarial disponíveis impunham ao empreendedor escolher entre atuar como (i) pessoa natural (na condição de empresário individual, sem a necessidade de sócios, mas com responsabilidade patrimonial direta e ilimitada, dada a inexistência de pessoa jurídica nesse caso), ou (ii) constituindo uma sociedade, hipótese que permite a criação de uma pessoa jurídica para exercer a atividade, mas impondo como exigência uma pluralidade de sócios.

Logo, enquanto alguns empreendedores que não tinham real interesse em sócios aceitavam atuar como empresários individuais, outros, no intuito de diminuir seu risco patrimonial, constituíam sociedades em que detinham a maioria absoluta do capital, e atribuíam uma parcela irrisória do capital a um sócio de fachada, que participava da sociedade para compor a pluralidade imposta por lei, mas sem real interesse nos negócios sociais.

Tal prática se deu tanto no Brasil quanto em outros países que, diante dessa realidade, flexibilizaram suas legislações para permitir figuras como a das sociedades unipessoais (ou seja, sociedades constituídas por um único sócio).

No Brasil, contudo, a ideia de sociedades unipessoais sempre sofreu grande restrição, sendo admitida somente em situações excepcionais, tal como, entre outros casos, o da unipessoalidade temporária prevista no artigo 1033, IV do Código Civil. Mas, de forma geral, a criação de sociedades sempre demandou a presença de mais de um sócio.

Assim, para contornar a resistência à figura das sociedades unipessoais, o legislador brasileiro optou por criar figura diversa, que foi a EIRELI. Logo, apesar de não ser uma sociedade, é evidente que a função econômica dela é a mesma das sociedades unipessoais.

No entanto, desde a época de seu surgimento já se avistava a possibilidade de ela vir a perder sua função brevemente. Isso porque, no mesmo período se iniciaram discussões sobre um possível novo Código Comercial, em que ideias como a permissão de sociedades unipessoais, bem como de patrimônios separados para empresários individuais, já eram discutidas.

Apesar de tais discussões, nada se confirmava, e nesse cenário a EIRELI veio ganhando espaço ano a ano entre os empreendedores individuais que buscam proteger seu patrimônio usufruindo da limitação da responsabilidade patrimonial que ela proporciona. Contudo, ela sempre foi figura polêmica, cercada de críticas e discussões. Dentre as principais críticas, o estabelecimento pela lei de um capital social mínimo não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, e a restrição à criação de uma única figura dessa por cada pessoa física[1].

Contudo, agora, com o advento da lei 13.874/19 de 20 de setembro de 2019 (a denominada ¨Lei da Liberdade Econômica¨), surge mudança que impacta diretamente nessa questão. Isso porque, foi inserido no Código Civil o parágrafo primeiro do artigo 1052, que dispõe que "a sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas". Desta forma, nosso ordenamento passa a admitir expressamente a figura da sociedade limitada em situação de unipessoalidade permanente.

Por consequência, o motivo que justificou o surgimento da EIRELI (qual seja, impossibilidade de criação de sociedades limitadas unipessoais) deixa de existir, e assim, é de se questionar qual será o futuro da EIRELI. Até porque, agora, em competição com a sociedade limitada unipessoal, a EIRELI fica até mesmo em situação de desvantagem, por ser a sociedade limitada figura mais tradicional e aceita nos negócios, além de não impor as restrições típicas da EIRELI (tal como a questão do capital social mínimo).

Assim, saberemos em breve se a EIRELI manterá sua relevância na realidade econômica brasileira, ou se será figura esquecida, tal como ocorreu, por exemplo, com as sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita, ainda hoje previstas em lei, mas abandonadas pelos empreendedores e praticamente inexistentes na realidade econômica brasileira. 

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1 Além dos pontos mencionados, diversas outras polêmicas foram levantadas desde seu surgimento, tal como a dúvida em relação à sua natureza jurídica, a qual órgão seria cabível o registro, qual seria o documento constitutivo, quem poderia constituir EIRELI, entre outros aspectos.

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*Fernando Schwarz Gaggini é advogado e professor universitário.

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