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Doença ocupacional e a finitude do direito à reintegração

Não subsistindo benefício previdenciário concedido pela autarquia previdenciária e sendo constatada a aptidão ao labor do empregado reintegrado, é plenamente possível a demissão desse após um ano da sua reintegração por não haver legislação brasileira pressupostos contrários.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Atualizado às 11:54

Na seara do direito trabalhista, entende-se por reintegração o retorno do empregado à empresa, nas mesmas condições de antes da demissão, com o recebimento de todas as vantagens e benefícios que deixou de auferir, inclusive com a contagem do tempo de serviço do período em que esteve afastado como consequência do reconhecimento judicial da nulidade da demissão pelo desrespeito a alguma estabilidade ou garantia de emprego, ou seja, há completa restauração do contrato de trabalho.

A reintegração, portanto, decorre de estabilidade provisória do obreiro que teve seu contrato de trabalho encerrado a critério do empregador.

Este retorno ao status quo ante do empregado pode ser por iniciativa do próprio empregador, ao observar que a demissão foi indevida, como também poderá se efetivar por determinação judicial, ao verificar que o empregador excedeu seu poder diretivo demitindo injustificadamente o empregado que gozava de estabilidade no emprego.

A legislação trabalhista prevê em seu artigo 2º1 que as empresas não possuem a obrigação de justificar o motivo da dispensa do colaborador. Ao empregador é assegurado o direito potestativo de rescisão do contrato de trabalho do empregado, pois dirige a prestação pessoal de serviço.

Todavia, este poder não é irrestrito, pois há na legislação brasileira regras de proteção concedida aos empregados em situações que não podem ser demitidos, salvo justo motivo.

Nessa guisa de ilustração, temos as estabilidades definitivas e provisórias. As primeiras são decorrentes de estabilidade decenal; a prevista nos artigos 41 da Constituição da República Federativa do Brasil e 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; os empregados públicos através da lei 9.962/00 e ainda por contrato, se as partes assim ajustarem.t

No tocante as provisórias, também chamadas de garantias provisórias de emprego, temos a que decorre do cargo de direção ocupado no sindicato ou na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; da gestante; das cooperativas; do conselho curador do FGTS; do conselho nacional da Previdência Social e as decorrentes de acidente de trabalho ou doença ocupacional equiparada a acidente. 

Tais garantias limitam o empregador e o obrigam a indicar o justo motivo, dentre os previstos no artigo 482 da CLT, para proceder a demissão caso esta ocorra dentro do lapso temporal da estabilidade. Se há necessidade de demitir um empregado estável, pressupõe-se que este descumpriu as regras do contrato de trabalho ou deixou de arcar com suas obrigações na relação contratual (em algum dos motivos previstos no dispositivo legal) e, portanto, merece a aplicação da demissão por justa causa.

Caso o empregador não indique, fundamentadamente, o motivo que justifique a demissão por justa causa ou se a penalidade aplicada for desproporcional ao ato falho cometido pelo empregado, o contratante estará sujeito a reintegrar o ex colaborador ao seu quadro de pessoal.

Como a própria nomenclatura já revela, a estabilidade provisória extingue-se pelo seu decurso ou em caso de morte do empregado, sua aposentadoria (qualquer de suas formas), pedido de demissão, extinção da empresa ou do estabelecimento, morte do empregador pessoa física, culpa recíproca ou justa causa.

No presente, trataremos da estabilidade do acidentado e da doença profissional equiparada ao acidente de trabalho.

Temos na legislação pátria a lei 8.213/91 que versa sobre acidente de trabalho e a estabilidade do empregado acidentado.

O seu artigo 19 define, basicamente, como acidente de trabalho aquele que ocorre pelo exercício do labor, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução da capacidade permanente ou temporária para o trabalho:

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.2 

Já a doença do trabalho, na conceituação dada pelo artigo 20 da lei em comento, é aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.3

Isso posto, tal legislação prevê em seu artigo 118 o período estabilitário do empregado acidentado:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.4

Assim, podemos entender que a partir do término do auxílio-doença acidentário será garantida a estabilidade ao empregado pelo período de 12 meses.

Inobstante tal previsão, Otávio Bueno Magano5 entende que qualquer estabilidade não prevista na Carta Magna só poderia ser criada através de lei complementar, em virtude do quanto previsto no artigo 7º, I, da CRFB, portanto considera inconstitucional o artigo supra citado.

Apesar do entendimento empossado, a corroborar com o disposto na norma previdenciária, o TST ao editar a súmula 378, ratificou a constitucionalidade:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI 8.213/91. 

I - É constitucional o artigo 118 da lei 8.213/91 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.

II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.

III -  O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da lei 8.213/91.6

A instrução extraída da referida súmula está consubstanciada no fato de que a estabilidade provisória objetiva exatamente a continuidade do vínculo empregatício e a proteção do trabalhador, situação esta que sobrepõe até uma relação de emprego por tempo determinado.

Assim, caso ocorra a demissão do empregado após o período estabilitário, não cabe a ele o direito à reintegração ao labor, por já não mais subsistir a condição de estabilidade, pois a legislação brasileira prevê apenas a garantia de emprego, que é provisória. Escoado o período da estabilidade provisória, o rompimento contratual é lícito. Esse é o entendimento da Jurisprudência dominante:

AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Tribunal Regional expôs e fundamentou, de forma suficiente, os motivos pelos quais manteve a decisão que julgou improcedente o pedido em relação à nulidade da demissão e reintegração do obreiro. Na oportunidade consignou que embora o trabalho do reclamante possa ter servido de concausa aos seus problemas de saúde, assentou que "a incapacidade somente perdurou até o término do benefício previdenciário, em 30.03.2007, estando o obreiro plenamente capacitado após o retorno previdenciário, tanto que ele, após a alta previdenciária, não se afastou sequer um dia do trabalho em virtude da doença alegada". Configurando-se efetiva a prestação jurisdicional, não se pode cogitar violação dos arts. 832 da CLT e 93, IX, da Constituição Federal, que restam ilesos. ACIDENTE NO TRABALHO. ESTABILIDADE. O Tribunal Regional assentou que, ao tempo da dispensa, o reclamante se encontrava apto para o trabalho e que a demissão sem justa causa ocorreu quase cinco anos após o término do benefício previdenciário. Desse modo, transcorridos mais que os 12 meses a que alude o art. 118 da Lei nº 8.213/91, não há de se falar em garantia provisória no emprego ou em reintegração. A decisão monocrática proferida nestes autos merece ser mantida. Agravo a que se nega provimento.
TST - Ag-RR: 912005420125170007, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 27/03/2019, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/03/2019.

Pacificado na legislação, doutrina e jurisprudência que a estabilidade do empregado acidentado ou com doença profissional equiparada é de 12 meses e que após este lapso temporal sua dispensa sem justa causa não acarreta nulidade, temos que a lei é silente quanto a estabilidade do empregado reintegrado por força de decisão judicial.

Sendo a lei silente de forma específica, pode ser adotado o entendimento por analogia da estabilidade do acidentado, sem que isso fira os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção e da continuidade do contrato de trabalho.

Isso porque, não havendo no ordenamento jurídico brasileiro qualquer previsão diversa, a garantia de emprego do empregado reintegrado por doença profissional ou acidente de trabalho, por analogia, perdurará pelo prazo de um ano após sua reintegração, por ser a essência da reintegração a mesma daquela prevista em lei, não havendo que se falar de garantia em período posterior.

Verificando que o fato gerador para a determinação da reintegração é a existência e reconhecimento de doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho, a estabilidade ao emprego advinda de reintegração também pode se equiparar.

 

A decisão da reintegração não pode ser considerada como estabilidade definitiva, até mesmo porque sem qualquer previsão legal para tanto, sob pena de violação legal e desrespeito aos princípios da segurança jurídica e da legalidade. 

 

Os parâmetros da decisão devem obedecer aos limites legalmente impostos. A determinação de reintegrar o empregado não pode e não deve se sobrepor a lei, com fulcro no artigo 5º, inciso II, da CF que estabelece:

 

Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.7

Diante de tudo quanto exposto alhures, no caso concreto, pode-se afirmar que, na ausência de qualquer outra estabilidade; não subsistindo benefício previdenciário concedido pela autarquia previdenciária e sendo constatada a aptidão ao labor do empregado reintegrado, é plenamente possível a demissão desse após um ano da sua reintegração por não haver legislação brasileira pressupostos contrários.

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1 - Disponível em: Clique aqui.

2 - Disponível em: Clique aqui.

3 - Disponível em: Clique aqui.

4 - Ibdem.

5 - MAGANO, Otávio Bueno. Manuel de Direito do Trabalho. Direito Individual do Trabalho 3. ed. São Paulo: LTr, v. 2, p. 357.

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7 - Disponível em: Clique aqui.

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*Carla Beatriz Assumpção é sócia da MoselloLima Advocacia.

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