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Lei anticrime - Cadeia de custódia e atribuições do trabalho da polícia técnico-científica

A cadeia de custódia não se trata de um instituto novo, como muitos doutrinadores asseveraram em artigos jurídicos após a edição da lei 13.964/19.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Atualizado às 10:11

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A lei 13.964/19, conhecida como Lei Anticrime, trouxe impactos e consequências nas atribuições dos papiloscopistas policiais e também no funcionamento do órgão institucional - o Instituto de Identificação -. Se analisarmos a norma pelo aspecto processual, há uma sequência de atos e procedimentos insertos na sistemática formal da ação, tanto em fase administrativa (inquérito policial) quanto judicial (processo).

A título expositivo, eis a conceituação do que se entende por cadeia de custódia, na inteligência do artigo 158-A, do Código de Processo Penal, inserido pela novel lei em sentido estrito:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Na cadeia de custódia não se pode dizer que a nova lei implementou mudanças no aspecto funcional do trabalho os papiloscopistas policiais, ou seja, não restringiu ou mesmo majorou as atribuições do cargo. Até porque, se assim o fosse, teria que derrogar de forma expressa normativos que trazem esses preceitos. Além, inclusive, de estar ingressando em seara de competência dos entes federados acaso não fosse uma lei de forma ampla, para que dividisse a competência de forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal. O tratamento, nesse sentido, dá-se pelo estabelecimento de normas gerais, com fundamento no art. 24, inc. XVI c/c §§ 1º e 4º1, da Constituição Federal.

Aliás, a cadeia de custódia não se trata de um instituto novo, como muitos doutrinadores asseveraram em artigos jurídicos após a edição da lei 13.964/19. O que se promoveu foi uma evolução, consolidando no Código Processualístico elementos na cadeia de custódia de vestígios e provas no Sistema de Justiça Criminal, delineando atos operacionais para os materiais probatórios apreendidos. A par do debate constitucional, contudo, há que se fazer uma reflexão acerca da conveniência de uma legislação cujos dispositivos preveem implementação tão cara e de resultados duvidosos, como no caso da criação de Centrais de Custódia2 e, ainda, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais3 no MJSP.

A cadeia de custódia sempre teve um escopo que assume caráter imprescindível para os inquéritos e processos criminais, tal qual a proteção ou guarda dos elementos materiais encontrados. É a pedra de toque do processo penal, dependendo dela e da sua legalidade o desfecho justo e regular de qualquer processo, a fim de promover a interseção entre os fatos e a convicção do julgador.

A sistematização da cadeia de custódia, além de permitir uma minimização da possibilidade de extravio ou dano das evidências papiloscópicas (no caso aqui dos peritos oficiais papiloscopistas), desde sua coleta até o final das análises, dá embasamento legal à defesa desses profissionais envolvidos nas atividades periciais em questão. A leitura da conjuntura, do ponto de vista jurídico-político, deve perscrutar o engajamento do perito oficial papiloscopista no cumprimento das etapas e procedimentos descritos no bojo da legislação e, por outro lado, não no valor da prova pericial em si.

Dizendo de outra forma, as dúvidas por parte do Poder Judiciário e da sociedade devem ficar no campo dos processos utilizados para se obter o laudo final, sem a discussão sobre a validade de laudo oficial elaborado. Essa, já colocada e pautada em sede de análise pelo STF, nas ADIs 5182/PE e 4354/DF.

Com efeito, cabe dispor sobre a disposição redacional das fases da cadeia de custódia inovada na lei em análise, por meio da alteração do Código de Processo Penal, mais precisamente inserindo o art. 158-A. Senão, vejamos:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I - Reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II - Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;

III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;

IV - Coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;

V - Acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

VI - Transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX - Armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

X - Descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.'

Interessante notar, que de todos os procedimentos descritos no art. 158-A, insertos no Código de Processo Penal, os peritos papiloscopistas detêm atribuições e responsabilidades atinentes. Umas preferencialmente, como no caso da coleta em que o art. 158-C dispõe de forma expressa a realização do ato por perito oficial. E outras de modo obrigatório, como o processamento cujo ato é o próprio exame pericial em si e a produção do respectivo laudo.

É nesse diapasão que, levando-se em consideração os reflexos de todas as etapas da cadeia de custódia relativas às atribuições do perito papiloscopista no exercício do exame de natureza (origem) criminal, necessário refletir e debater acerca do seu integral cumprimento em observância aos ditames legais, sobretudo porque a vigência da lei 13.869/19 - Lei de Abuso de Autoridade - adota condutas típicas que podem, sem uma devida acuidade e o necessário aparato que o Estado deve custear, imputar culpa aos agentes públicos.

Já sabemos que é a União quem detém a competência de legislar, de forma concorrente, sobre normas gerais acerca da organização das Polícias Civis (art. 24, inc. XVI e § 1º, CF)4, bem como competência privativa para legislar sobre direito processual e penal (art. 22, inc. I, CF). Diante disso, a partir da vigência da lei 13.964/19, setores técnico-científicos dos Estados e do setor de perícias papiloscópicas do Instituto Nacional de Identificação passam a atuar a partir de procedimentos, de certa forma, mais padronizados no trato da cadeia de custódia e não mais a partir de legislações esparsas de cada ente federado isoladamente.

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1 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.  

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.  

2 Art. 158-E.

3 Art. 12.

4 Perceba-se que não se atesta a "organização judiciária", sobre a qual, pela disposição do art. 96, CF, o Poder Judiciário teria iniciativa legislativa própria e a lei, em uma análise particular do subscritor do presente Parecer, teria a pecha da inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa.

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*Rodrigo Camargo éadvogado pós-graduado em Direito Sindical e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. Atualmente integra a equipe do escritório Denegri Lindoso & Advogados Associados.

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