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Usucapião administrativa: requisitos e procedimento

A usucapião como modalidade de aquisição originária de propriedade não mais depende do Poder Judiciário, embora ainda possa nele ser demanda.

terça-feira, 17 de março de 2020

Atualizado às 13:11

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Com vistas a otimizar, desafogar o Judiciário e diminuir o tempo de espera, o Código de Processo Civil de 2016 inseriu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos e inaugurou a possibilidade de usucapião administrativa, ou seja, realização de procedimento de aquisição originária de propriedade diretamente no Cartório de Registro de Imóveis competente, por meio de advogado devidamente constituído.

Nesse contexto, a usucapião como modalidade de aquisição originária de propriedade não mais depende do Poder Judiciário, embora ainda possa nele ser demanda.

Para tanto, é necessário formular perante o Cartório um requerimento que demonstre o cumprimento dos requisitos fáticos e jurídicos da modalidade de usucapião que se pleiteia, isto é, extraordinária, ordinária, especial rural, especial urbana, coletiva e familiar.

Referido requerimento deve vir acompanhado de uma série de documentos comprobatórios, a saber: (i) ata notarial atestando a posse do requerente e seus antecessores; (ii) planta e memorial descritivo assinados pelo profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, assim como pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes; (iii) certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; e (iv) justo título ou documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse.

Entretanto, a redação que entrou em vigor com o Código de Processo Civil pecava por ausência de resolução prática de problemas referentes à necessidade de assinatura da planta e memorial descritivo pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou confinantes, pois, em caso de ausência, determinava intimação de tais pessoas, sendo que no silêncio presumia a negativa.

Pretendendo solucionar esta questão, a lei 13.465/17, decorrente da conversão da medida provisória 759/16, promoveu a alteração da lógica de presunção dos confinantes devidamente intimados, pois o silêncio agora é interpretado como concordância, permitindo, dessa forma, a efetivação do procedimento na seara administrativa.

E, mais, a referida norma, em caso de não localização do confinante ou na hipótese deste se encontrar em local incerto e não sabido, admite que o registrador promova notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, para sua manifestação, também destacando que o silêncio indica anuência.

A alteração legislativa permitiu maior efetividade do procedimento e, por consequência, aumentou a sua utilização pelos Cartórios de Registro de Imóveis no país.

Inclusive, justamente visando regulamentar e parametrizar a atuação dos serviços de registro de imóveis sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o provimento 65/17, que especifica e descreve com detalhes o procedimento administrativo a ser seguido.

Em tal provimento o CNJ destaca aspectos pertinentes a:

  1. Informações mínimas e dados que devem constar no requerimento administrativo, tais como modalidade da usucapião requerida, origem e características da posse (com existência de benfeitorias e/ou acessões), dados dos possuidores atuais e antecessores cujo tempo se aproveitou para realização do requerimento, número de matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel e valor do imóvel usucapiendo (equivalente ao valor venal relativo ao último lançamento de IPTU ou ITR ou valor de mercado aproximado, caso não haja a informação anterior);
  2. Documentos que devem instruir o requerimento apresentado, como: ata notarial; planta e memorial descritivo do imóvel com descrição georreferenciada; documentos que comprovem a posse; certidões negativas de distribuidores da Justiça Estadual e Federal do local do imóvel, demonstrando que não há oposição à posse do bem em nome do requerente, proprietário e possuidores anteriores; bem como certidões dos órgãos públicos competentes que atestem a natureza urbana ou rural do imóvel;
  3. Informações procedimentais, tais como intimação de confrontantes, União, Estados, DF, Municípios e demais interessados; e
  4. Regras sobre custos e emolumentos, tanto do tabelionado de notas, como registro de imóveis.

 

Vale dizer, com o Provimento do CNJ a forma de atuação e requisitos a serem cumpridos ficaram mais claros, permitindo um uso facilitado e mais efetivo do procedimento extrajudicial de usucapião.

Porém, é importante salientar que atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5771, ajuizada pela Procuradoria Geral da República e de relatoria do ministro Luiz Fux, que discute a inconstitucionalidade da lei 13.465/17.

Tal ADI questiona a integralidade da norma e foi submetida ao preceito do art. 12 da lei 9.868/99, ou seja, delega, sem análise cautelar, a apreciação do mérito diretamente ao plenário em vista da relevância do tema. Contudo, a despeito de tal decisão distar de 20/9/17, o caso ainda não teve seu mérito apreciado. Assim, aguarda-se uma decisão definitiva sobre a presunção de anuência em caso de ausência de manifestação de titulares e confrontantes, bem como utilização de notificação por edital, o que, em caso de acolhida, deve vir acompanhado da devida modulação de efeitos, sob pena de malferimento da segurança jurídica e de procedimentos realizados.

Portanto, temos muitos e positivos avanços na seara da usucapião, até mesmo para desjudicialização, mas é necessário aguardar a palavra final do STF.

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*Paolla Ouriques Cruz é advogada.

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