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Breves considerações acerca do acordo de não persecução penal à luz das prerrogativas da Defensoria Pública

Contextualizada a situação-problema e fixadas essas premissas a partir de uma realidade posta, faz-se oportuna a reflexão e a propositura de soluções que (I) permitam a atuação efetiva da Defensoria Pública na construção do referido acordo e (II) não acarretem prejuízo ao assistido, tampouco à instituição defensorial.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Atualizado às 11:20

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O acordo de não persecução penal (ANPP), instituto de direito penal negocial, foi inserido na prática forense brasileira por meio do art. 18 da resolução 181 de 07.08.17 (alterada pela resolução 183, de 24.01.18), ato infralegal editado pelo Conselho Nacional do Ministério Público1.

Embora referida norma tenha sido questionada em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ajuizadas pela AMB2 e pelo Conselho Federal da OAB3 com o fim de discutir a suposta extrapolação da competência regulamentar do CNMP e a possível inconstitucionalidade material da norma - que trata de direito processual e prevê exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal), o STF não emitiu juízo de valor acerca da matéria, tendo o mencionado ato permanecido em vigor e sido regularmente aplicado.

Agora, já na vigência do denominado pacote anticrime (lei 13.964/19), o referido instituto (dotado de natureza mista de norma processual e penal - já que seu cumprimento configura causa extintiva de punibilidade4 - e que constitui direito público subjetivo do investigado/acusado5) passou a ser previsto em lei formal editada pelo Parlamento, mais precisamente no art. 28-A, caput, do CPP, tendo o legislador contemplado requisitos e condições semelhantes aos previstos na referida Resolução do CNMP.

Depreende-se do art. 28-A, § 3º, do CPP, que o acordo de não persecução será proposto por escrito pelo membro do Ministério Público e firmado pelo investigado, que deve estar obrigatoriamente acompanhado do seu defensor (expressão lato sensu, que compreende tanto defensores públicos quanto advogados).

Tal acordo, uma vez concretizado, será submetido à homologação judicial em audiência, nos termos do art. 28-A, §4º, do CPP.

Ocorre que, semelhante ao que foi constatado por esse signatário quando da abordagem do ANPP à luz da citada Resolução do CNMP6 (parecer no qual foram propostas algumas sugestões que compatibilizassem a celebração do acordo à observância das prerrogativas da Defensoria Pública), o art. 28-A do CPP descurou-se de prever expressamente que, no caso de investigados assistidos pela Defensoria Pública, seria necessário, nos termos do art. 128, I, da LC 80/94, o prévio encaminhamento de cópia dos autos do Inquérito ao membro defensorial, assegurando-lhe intimação pessoal da audiência designada pelo membro do parquet.

Referida providência revela-se imprescindível, já que o que se tem observado na prática é que o membro do Ministério Público, ao constatar a viabilidade de propor o ANPP no curso do Inquérito, determina a intimação do investigado para que compareça, acompanhado de seu defensor público/advogado, à audiência a ser realizada na sede ministerial7.

Ato contínuo, o cidadão, que tem interesse em ser assistido pela Defensoria Pública, procura o núcleo defensorial (não raras vezes no mesmo dia de realização da audiência) e solicita a atuação do defensor público.

O membro defensorial, então, em meio a audiências anteriormente designadas pelo Juízo no qual oficia, acompanhamento processual e atendimento à população, vê-se  diante da concreta necessidade de ter de comparecer à audiência de proposta do acordo mesmo quando inobservadas as mencionadas prerrogativas previstas em lei complementar, inseridas em prol dos assistidos com a mens legis de viabilizar a prestação de um serviço público de qualidade e de contrabalançar as dificuldades estruturais que ainda se fazem presentes em grande parte dos núcleos da Defensoria Pública.

Contextualizada a situação-problema e fixadas essas premissas a partir de uma realidade posta, faz-se oportuna a reflexão e a propositura de soluções que (I) permitam a atuação efetiva da Defensoria Pública na construção do referido acordo (prática de justiça restaurativa que deve atender ao disposto no art. 2º, §§ 4º e 5º, da resolução 225/16 do CNJ8) e (II) não acarretem prejuízo ao assistido, tampouco à instituição defensorial.

Ante o exposto, sugere-se que, sempre que procurado por investigado munido de intimação para comparecimento à audiência de proposta do ANPP, o membro da Defensoria Pública, no âmbito da sua independência funcional e com o objetivo de fazer cumprir as mencionadas prerrogativas, informe ao parquet acerca do pedido de assistência jurídica formulado e solicite o prévio encaminhamento de cópia integral do procedimento inquisitorial (já que carga dos autos somente poderia ser concedida por magistrado), a fim de tomar ciência pessoal da audiência designada e do material coletado (dispondo, por conseguinte, de reais condições de participar ativamente desse instituto, oferecendo, inclusive, contraproposta que melhor atenda aos interesses do investigado).

Caso não haja disponibilidade de tempo para envio de cópia do Inquérito antes da realização da audiência designada pelo parquet, resta franqueado ao defensor público, de acordo com o raciocínio explicitado neste artigo, o direito de solicitar a redesignação do ato até o cumprimento de tal providência, sob pena de fazer tábula rasa do disposto no art. 128, I, da LC 80/94 e materializar indesejado retrocesso no desempenho de atividade-fim da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição da República.

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1 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 11 mar. 2020.

2 ADI n. 5.790, Rel. min Ricardo Lewandowski

3 ADI n. 5.793, Rel. min. Ricardo Lewandowski

4 Art. 28-A, § 13, do CPP e art. 5º, XL, da CF/88

5 Nesse sentido JUNIOR, Aury Lopes. Questões polêmicas do acordo de não persecução penal. Acesso em 11 mar. 2020.

6 Disponível em: Clique aqui. P. 462/470. Acesso em 10 mar. 2020.

7 Confira-se apresentação divulgada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 12 mar. 2020.

8 Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade. (...)

§ 4º Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e digna, sendo assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais serão auxiliadas a construir, a partir da reflexão e da assunção de responsabilidades, uma solução cabível e eficaz visando sempre o futuro.

§ 5º O acordo decorrente do procedimento restaurativo deve ser formulado a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos os participantes, e os seus termos, aceitos voluntariamente, conterão obrigações razoáveis e proporcionais, que respeitem a dignidade de todos os envolvidos. (grifo nosso)

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*Rodrigo Casimiro Reis é Defensor Público do Estado do Maranhão. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul.

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