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A (im)possibilidade de responsabilização objetiva do empregador em caso de infecção do empregado exposto em grau de risco especial com habitualidade contaminado pelo Covid-19 em ambiente de trabalho

Alessandra Ribeiro e Genilton Carneiro

É de responsabilidade do empregador em realizar ações de combates e prevenção a proliferação do vírus no ambiente de trabalho, bem como, o dever de fiscalizar o cumprimento pelos colaboradores, sob pena de estar praticando ato ilícito e ensejar rescisão indireta.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Atualizado às 15:11

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Diante da repercussão mundial do quadro do COVID-19 (coronavírus) e do atual quadro que a população brasileira se encontra, surge dúvida acerca da possível responsabilização objetiva patronal pela exposição obreira a enfermidade, tendo por base a decisão recente do STF, que aprovou a tese em relação a responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) do empregador, quando o empregado exerce atividade em grau de risco elevado, bem como a Medida Provisória 927, de 22/3/2020, que estabelece ações de natureza trabalhista que podem ser adotadas pelas empresas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19).

Nesse sentido, insta mencionar que há uma diferenciação entre responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva, a primeira independe de culpa, havendo a obrigação de reparação em decorrência apenas da existência do dando. Assim, conforme entabulado pelo parágrafo único do artigo 9271¹ do CC, nos casos específicos em lei, haverá a obrigação de reparar o dano, sem a necessidade de comprovar a culpa. 

A responsabilidade objetiva impõe a aplicação do dever de reparar o dano de uma pessoa, seja ele moral ou patrimonial, causado a outrem, por ato que ela própria praticou ou derivada de uma simples imposição ilegal. Tal definição guarda em seu espojo teórico o importante significado de culpa, que cogita da existência do ilícito em um caso, outrora também pode vir a ocorrer a possibilidade de um risco cuja prova da culpa não é necessária para responsabilizar o indivíduo. (DINIZ, 2014, p. 49).

Em vista da decisão do STF, questiona-se será possível que o empregador seja responsabilizado de forma objetiva caso o seu empregado seja infectado referido vírus? Seria esta uma exceção à regra da responsabilidade subjetiva? 

O Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 828040 decidiu ser possível responsabilizar o empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho sem a necessidade de aferição de dolo ou culpa. 

Para tanto, é necessário que a atividade exercida pelo funcionário o exponha a um risco dito especial, ou seja, acima do que se verifica para o dito homem médio. É o que se denomina atividade de risco. 

Entende o STF não haver incompatibilidade com o disposto no art. 7º, XXVIII², da Constituição Federal, na medida em que tal dispositivo preconiza a responsabilidade subjetiva como regra, não obstando que as exceções sejam tratadas como excepcionalidades que o são. 

Sabendo que o empregado exerce atividade em grau de risco elevado, e ainda possa se submeter à contaminação ou proliferação do vírus (por ocupar função que o submeta a exposição e/ou contatos com pessoa infectadas), algumas medidas e recomendações deverão ser tomadas por parte dos empregadores, na tentativa de evitar e prevenir a contaminação social e proliferação em escalda desenfreada do vírus. 

Sobre essas medidas, o Ministério público do trabalho expediu a nota técnica conjunta nº 02/2020 - PGT/CODEMAT/CONA, onde destacou recomendações para que os empregadores, sindicatos patronais e sindicatos profissionais dos setores econômicos atendam e colaborem para maior efetividade no controle das ações de prevenção à proliferação do CONVID-19, tomando como base a classificação de risco da Occupational Safety and Health - OSHA, que são: 

i) Risco muito alto de exposição: aqueles com alto potencial de contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19 durante procedimentos médicos, laboratoriais ou post-mortem, tais como: médicos, enfermeiras, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem, profissionais que realizam exames ou coletam amostras e aqueles que realizam autopsias; 

(ii) Risco alto de exposição: profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, tais como: fornecedores de insumos de saúde, e profissionais de apoio que entrem nos quartos ou ambientes onde estejam ou estiveram presentes pacientes confirmados ou suspeitos, profissionais que realizam o transporte de pacientes, como ambulâncias, profissionais que trabalham no preparo dos corpos para cremação ou enterro; 

(iii) Risco mediano de exposição: profissionais que demandam o contato próximo (menos de 2 metros) com pessoas que podem estar infectadas com o novo coronavírus, mas que não são considerados casos suspeitos ou confirmados; que tem contato com viajantes que podem ter retornado de regiões de transmissão da doença (em áreas sem transmissão comunitária); que tem contato com o público em geral (escolas, ambientes de grande concentração de pessoas, grandes lojas de comércio varejista) (em áreas com transmissão comunitária); 

(iv) risco baixo de exposição: aqueles que não requerem contato com casos suspeitos, reconhecidos ou que poderiam vir a contrair o vírus, que não tem contato (a menos de 2 metros) com o público; profissionais com contato mínimo com o público em geral e outros trabalhadores.

As recomendações da (OSHA) e MPT em nota aos empregadores, sindicatos patronais, sindicatos profissionais que representem setores econômicos considerados de risco muito alto, alto ou mediano, foram sucintas e são determinantes para o controle na proliferação do COVID-19. 

Entre elas, é essencial NÃO PERMITIR a circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho que possam representar risco à sua saúde por exposição ao novo coronavírus, seja aos demais inerentes a esses espaços; SEGUIR os planos de contingência recomendados pelas autoridades locais em casos de epidemia, tais como: permitir a ausência no trabalho, organizar o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas e reduzir a força de trabalho necessária, permitir a realização de trabalhos a distância; ADOTAR outras medidas recomendadas pelas autoridades locais, de molde a resguardar os grupos vulneráveis e mitigando a transmissão comunitária e ADVERTIR os gestores dos contratos de prestação de serviços, quando houver serviços terceirizados, quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus e da obrigação de notificação da empresa contratante quando do diagnóstico de trabalhador com a doença (COVID-19). 

Nesse sentindo, também tem a mais recente lei 13.979/2020, que dispõe sobre medidas como isolamento, quarentena, exames obrigatórios em determinados casos, obrigatoriedade de uso de luvas e máscaras em casos específicos. 

É de responsabilidade do empregador em realizar ações de combates e prevenção a proliferação do vírus no ambiente de trabalho, bem como, o dever de fiscalizar o cumprimento pelos colaboradores, sob pena de estar praticando ato ilícito e ensejar rescisão indireta. 

Como medida rápida de prevenção, o que se presencia, com a velocidade da proliferação do vírus, são empresas e inclusive tribunais, que estão adotando o regime de teletrabalho para os colaboradores que estão entre os avaliados mais vulneráveis à contração do vírus, como os idosos acima de 65 anos, bem como pessoas com doenças preexistentes (a exemplo de hipertensos ou diabéticos). 

Vale frisar, que na hipótese do não atendimento do empregado das orientações impostas pelo empregador para pleno desenvolvimento de suas atividades, a exemplo de se recusar em usar o EPI adequado, como luvas, máscaras ou álcool em gel, estará passível de punições como advertência, suspensão e até mesmo a justa causa. 

Contudo, é de conhecimento comum que a pandemia - que é um problema de saúde pública mundial, sem possibilidade de efetivo controle, inclusive pelos órgãos de saúde -, expõe toda sociedade ao indigitado vírus, o qual, dado seu alto grau de contágio e possibilidade de manifestação assintomática no indivíduo, dificulta (ou torna até mesmo impossível) o conhecimento do foco gerador ou disseminador.   

Diante disso, criou-se a Medida Provisória nº 927, de 22/3/2020, que nos termos do artigo 29, prevê que os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados doença ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. 

Nesse caso, tendo o empregador, dentro das peculiaridades da atividade, adotado os cuidados gerais recomendados pelo Ministério da Saúde, MPT e normas trabalhistas, para não expor o funcionário ao vírus em grau superior ao do que se verifica para a sociedade como um todo, não se acredita na possibilidade de sua responsabilização objetiva em caso de eventual contaminação do empregado pelo COVID-19 e futuras complicações ou até mesmo o óbito.

Para além disso, também não se acredita na possibilidade de sua responsabilização subjetiva, devendo observar que, de acordo com o artigo 20, §1º, alínea "d", da lei 8.213/91³, não será considerada como doença de trabalho a doença endêmica adquirida por empregado habitante de região em que ela se desenvolva, na verdade, se enquadraria de excludente de culpabilidade, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Bibliografia

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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1 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

3 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: (....)

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho: (...)

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

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*Alessandra Ribeiro é advogada do escritório MoselloLima Advocacia.

**Genilton Carneiro é advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

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