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Como interpretar juridicamente a pandemia do coronavírus e quais os seus efeitos nas relações contratuais?

Estamos diante de uma situação de calamidade inédita, vivenciada a partir da pandemia ocasionada pelo coronavírus.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Atualizado em 26 de março de 2020 14:27

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Estamos diante de uma situação de calamidade inédita, vivenciada a partir da pandemia ocasionada pelo coronavírus. Juridicamente, ultrapassada a discussão doutrinária sobre a diferenciação de conceitos acerca de caso fortuito e força maior, temos a configuração de uma situação inevitável que se traduz em causa excludente de responsabilidade civil do devedor. 

O fundamento legal para a exoneração da responsabilidade civil do devedor está no art. 393 do CC, que dispõe, em seu caput, que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado". O parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.

Todavia, essa excludente de responsabilidade deve ser aqui interpretada e aplicada no caso a caso, e espera-se que haja o bom senso e a boa-fé dos contratantes. Não podemos considerar que a pandemia é um salvo conduto para que deixemos de cumprir todos os contratos e obrigações assumidas.

Por exemplo, caso o consumidor tenha contratado um pacote turístico para viajar em meados de abril, poderia pleitear o reembolso dos valores pagos, argumentando a configuração de força maior e quebra antecipada fortuita do contrato. Entretanto, considerando também a ausência de culpa da operadora de turismo, e a cooperação e solidariedade entre os contratantes, o mais recomendável seria uma negociação, viabilizando-se que a viagem ocorra em data futura, respeitadas as peculiaridades de cada caso.

Situação parecida se configura em um contrato de prestação de serviços, em que o consumidor paga mensalmente sua academia, cujo fechamento se deu por força de decreto municipal. Antes de pleitear a resolução do contrato, o consumidor poderá negociar uma suspensão nos pagamentos ou o alargamento do prazo contratual, com a concessão de desconto, lembrando que a empresa não deu causa ao evento inevitável e tem também suas obrigações com seus empregados e contrato de locação, por exemplo.

Nos contratos empresariais também será fundamental a análise jurídica do caso concreto, para se identificar se determinada empresa poderá ou não se valer da excludente de responsabilidade prevista no art. 393 do CC, avaliando-se as cláusulas contratuais pactuadas, se há previsão de cláusula de exoneração por força maior, e, em caso positivo, se a pandemia do coronavírus poderia ser interpretada como força maior (a depender da data de celebração do contrato e das prestações assumidas de parte a parte, p. ex.).

Além da excludente de responsabilidade, deve ser analisado se a execução do contrato se tornaria excessivamente onerosa para uma das partes, por causa dos acontecimentos supervenientes (efeitos concretos e ainda indeterminados da pandemia), causando o desequilíbrio econômico do contrato. Nesse caso, o devedor pode se valer da teoria da imprevisão para pleitear o desfazimento ou a revisão do contrato, valendo-se das disposições dos artigos 478 a 480 do CC.

Dado esse panorama geral sobre os efeitos da pandemia nas relações contratuais, e a situação excepcional que estamos a enfrentar, recomenda-se seja adotada a cautela diante das situações concretas, e que os contratantes atuem imbuídos de boa-fé, cooperação e solidariedade, buscando soluções aptas a minimizar os prejuízos de parte a parte, para que a sociedade possa superar a crise e a economia siga girando.  

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*Daniel Koehler é sócio do escritório Andrade Maia Advogados.

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