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O coronavírus, as medidas do governo brasileiro para combatê-lo e o reflexo na população carente

Não se pode duvidar que os países subdesenvolvidos é que estão e serão mais afetados pelo vírus economicamente e na saúde.

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 09:28

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É sabido e ressabidos de todos que é grave a pandemia que assola a humanidade nos dias que correm. De fato, o mundo todo está perplexo e aturdido com a disseminação do coronavírus, que principiou na China e se espalhou pela Europa, notadamente a Itália, Ásia e América.

Não se pode duvidar que os países subdesenvolvidos é que estão e serão mais afetados pelo vírus economicamente e na saúde, mesmo porque eles não tiveram estado de bem estar social, a exemplo das grandes democracias, em especial o EUA e os países europeus. Com efeito, o estado de bem estar social --- inaugurado no século XIX na Europa e que teve seu apogeu nos 30 anos dourados que se seguiram ao fim da segunda guerra mundial - foi, e ainda o é, responsável pela massiva intervenção do Estado nos campos social e econômico, provendo políticas públicas nas áreas de saúde, educação, moradia, previdência, trabalho etc. É certo que o vírus está afligindo e afligirá toda a humanidade, mas nos  países mais pobres, como o Brasil, as consequências serão  mais deletérias. Estes são profundamente carentes, dentre outros, de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, bem assim no que se refere ao desemprego em massa.

No caso do Brasil, onde o neoliberalismo impera, retirando e afastando o Estado do cenário social e econômico (estado mínimo), a situação já é muito grave, na medida em que o desemprego é muito grande, incluindo o trabalho informal, bem assim são inexpressivos e pífios os serviços públicos nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, moradia digna etc, na contramão do que prevê nossa Constituição Federal, de perfil social - democrata, em seu artigo 6º, dentre outros. A saúde, de acordo com o artigo 196 e seguintes da CF é direito de todos e dever do Estado, devendo este provê-la da forma mais eficiente e ampla possível. Assim, no que toca à pandemia referenciada, a situação revela-se pouco otimista no campo  da saúde, primeiramente, e do emprego, mesmo porque o Governo Federal, na pessoa do Presidente da República, nega-se a reconhecer, inclusive em rede de transmissão oficial, em sentido reverso do que apregoado pela ciência e pela comunidade internacional, que o problema é muito grave (não se trata de histeria nacional ou de um simples resfriadinho).É irrazoável pensar, de revés do consenso mundial, que a economia vem em primeiro lugar, em detrimento da vida das pessoas, como pensa o presidente Bolsonaro. Em linha de princípio, deve-se primeiro reverenciar a vida das pessoas para depois tratar das consequências econômicas do coronavírus. É o que se impõe.

Nesse diapasão, é forçoso reconhecer que as medidas até agora anunciadas pelo governo federal são por demais tímidas e insuficiente, notadamente para atender os mais pobres, sendo certo que algumas delas afrontam diretamente nossa Constituição. Com efeito, medidas voltadas para desonerar as empresas, tais como adiamento do recolhimento do FGTS e do pagamento do simples, abertura de créditos bancários para pessoas jurídicas e físicas, suspensão do contrato de trabalho sem ônus para o empregador, concessão de benefício de apenas R$ 200,00 reais para os trabalhadores informais, favorecimentos de liquidez no sistema bancário, etc, são risíveis e sobremodo insuficientes, a par de confirmarem o perverso viés neoliberal do nosso governo. Aos mais desvalidos e pobres nada foi acenado pelo governo. Em termos de comparação, os EUA, governo grandemente neoliberal, sem embargo de ser uma das maiores, se não a maior, potência econômica do mundo, contemplaram no seu pacote contra o coronavírus medidas muito mais significativas e generosas com os mais pobres do que as nossas, se é que a tivemos até agora alguma.

É preciso que o nosso Estado, agora e depois da crise, intervenha pesadamente na economia e no social, mesmo que para isso tenha que se revogar o teto constitucional dos gastos públicos

Não se pode centrar esforços e atenção com tanta ênfase , como o governo o faz (e de resto todas as economias neoliberais também o fazem, só que os países desenvolvidos, ao contrário de nós, tiveram um forte estado de bem estar social), em temas como déficit público, juros, PIB, superávit  primário, dívida pública etc, mas sim focar também, em igual ou maior medida, nos assuntos relativos  a medidas de intervenção na economia e no social, com vistas ao governo prover, sobretudo na crise, serviços de saúde, moradia digna, educação, saneamento básico etc.

Nessa esteira, no sentido de passarmos de um Estado neoliberal para um social - democrata, mister se faz discutirmos a dívida pública com os bancos, de forma incisiva e contundente, (se for preciso, inclusive, a moratória), bem assim passarmos a tributar as grandes fortunas, lucros e dividendos, etc.

Não podemos nos contentar com reformas como as da previdência e trabalhista, que, a par de sacrificarem os mais pobres e os trabalhadores, não geraram investimento produtivo algum no país. As reformas administrativas e tributária anunciadas, também de viés neoliberal, não resolverão nossos problemas sociais e econômicos, a par de, como sempre, estiolarem os mais pobres. A primeira, propõe, ao fim e ao cabo, um desmonte no funcionalismo e nos serviços públicos, bem ao gosto daqueles neoliberais que idolatram o estado mínimo de Pulo Guedes.  A segunda, objetiva apenas a simplificação tributária, como, por exemplo um imposto único dos serviços e das operações comerciais, em favor do empresariado, sem dispor sobre a tributação de grandes fortunas, herança, lucros e dividendos, em desfavor dos mais carentes.

Estamos no Brasil, isto sim, na contramão do que acontece nos países de primeiro mundo. Lá, na Europa, eles estão reestatizando os serviços públicos de coleta de lixo, saneamento básico, saúde, educação, etc, Não se pode olvidar, vale repetir, que eles tiveram estado de bem estar social e ainda o tem em larga medida.

Essas considerações feitas no presente artigos, ao nosso sentir, são importantes para que façamos reflexões não só sobre o que estamos passando e o que passaremos com a pandemia, mas também no que concerne ao modelo de estado que queremos para o Brasil.

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*Gustavo Hasselmann é procurador do Município de Salvador - Bahia; graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, licenciado em filosofia pela Faculdade Batista Brasileira, especialista em Processo Civil e Direito Administrativo, ambos pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia; membro do Instituto dos Advogados da Bahia - IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo. 

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