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Os efeitos da quarentena nos contratos e o Poder Judiciário

Torna-se importante buscar alternativas, oferecê-las para a contraparte e documentar a oferta, pois a tentativa de resolver, de cumprir, ainda que forma diversa ao pactuado, implica boa-fé e pode aproximar o contratante do adimplemento parcial ou até substancial, mitigando riscos, afastando condenações mais pesadas e, eventualmente, multas.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atualizado às 11:49

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Com o início da quarentena no estado de São Paulo, tem-se o fechamento temporário de todas as atividades tidas como não essenciais. A atitude, que nos parece correta do ponto de vista humanitário e sanitário, traz graves e importantes consequências nos âmbitos econômico, financeiro e social. E tais consequências, por conseguinte, dão origem a questionamentos jurídicos, visto que é no Judiciário que boa parte das obrigações inadimplidas vão desembocar num futuro próximo.

A paralisação dos serviços e atividades econômicas vai interromper contratos (dos mais variados tipos) em andamento, pagamento de dívidas, obrigações locatícias, obrigações de fazer, de entregar, contratos futuros etc.

Qual será o entendimento do Poder Judiciário daqui a alguns meses a respeito de contratos não cumpridos, dívidas não pagas, fornecimentos interrompidos entre outros? Essa previsão, caso possível, seria de suma importância no processo decisório de hoje, cumprir ou não determinada obrigação.

Adianto que essa resposta não existe.

O ordenamento pátrio traz no código civil alguns remédios que poderiam ser aplicados, ou melhor, teses que seriam invocadas, como as hipóteses de caso fortuito ou força maior, conceitos que, com maior ou menor profundidade, já são de conhecimento do público em geral.

Também poderiam surgir teses fundamentadas na exceção do contrato não cumprido, que em linhas gerais desobriga um contratante da sua prestação enquanto a do outro contratante não é cumprida, ou mesmo na teoria da imprevisão considerando riscos não previstos quando da assinatura do pacto.

A depender do caso a discussão poderia basear-se na configuração de onerosidade excessiva para uma das partes, o que autorizaria a revisão do contrato visando restabelecer o equilíbrio da relação obrigacional.

As hipóteses teóricas são muitas, o que significa que caminhos existem. Porém, a grande questão é como o Judiciário vai avaliar daqui a alguns meses se a decisão de inadimplir, rescindir ou adimplir parcialmente foi correta? Muito difícil dizer.

Estamos vivendo uma situação sem precedentes na história recente da humanidade, logo é evidente que qualquer coletânea jurisprudencial, por abrangente que seja a pesquisa, não serve de amostra representativa para os rompimentos obrigacionais que presenciaremos nas próximas semanas.

Isto é, uma busca de precedentes nos Tribunais Pátrios a respeito de comportamento do judiciário em casos de, por exemplo, força maior, não trará casos sequer próximos da situação enfrentada no presente momento.

Então, não é possível se precaver? Não é possível avaliar qual menor risco para cada obrigação assumida? Uma obrigação inadimplida deve ou não ser executada pelo credor, ou seja, qual o risco de insucesso nos tribunais em função das exceções acima apresentadas?

Embora uma resposta definitiva para tais questões seja inviável, existem formas de minimizar o risco, de melhorar as condições de acesso ao Judiciário nos próximos meses. A recomendação passa por tratar cada caso de forma única e independente, sempre com bom senso para avaliar a sua posição e do seu parceiro de contrato.

Tratar cada caso de forma única significa avaliar se há condições, ainda que parciais, de cumprir aquela obrigação sem colocar em risco de extinção do próprio negócio, caso contrário a obrigação tornou-se impossível e aí não tem jeito.

Havendo meios de cumprir, ainda que parcialmente, a obrigação, recomenda-se tal esforço, seja para viabilizar uma solução amigável seja para construir um contexto favorável a ser explorado em caso de judicialização da demanda.

Em relação ao bom senso, a ideia é interpretar o sistema como todo, ou seja, todas as partes integrantes do contrato estarão em algum tipo de dificuldade e terão que ceder vez que, agora, não existe cenário perfeito.

Nessa linha, torna-se importante buscar alternativas, oferecê-las para a contraparte e documentar a oferta, pois a tentativa de resolver, de cumprir, ainda que forma diversa ao pactuado, implica boa-fé e pode aproximar o contratante do adimplemento parcial ou até substancial, mitigando riscos, afastando condenações mais pesadas e, eventualmente, multas.

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*Fábio Fonseca Pimentel é sócio do escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados.

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