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MP 936/20: Benefício emergencial de preservação do emprego e da renda

O fato é que, desde que alguns Estados começaram a editar decretos proibindo o funcionamento de empresas que não exerçam atividades essenciais ao enfrentamento da pandemia declarada pela (OMS), o caos vem sendo travado nas relações trabalhistas.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Atualizado às 10:45

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Foi publicada no dia 2 de abril de 2020, pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, a MP 936/20, que estabelece medidas trabalhistas para a manutenção de emprego e renda, em face do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6/20 e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).

O fato é que, desde que alguns Estados começaram a editar decretos proibindo o funcionamento de empresas que não exerçam atividades essenciais ao enfrentamento da pandemia declarada pela (OMS), o caos vem sendo travado nas relações trabalhistas. Diversas empresas viram-se na obrigação de paralisar total ou parcialmente suas atividades, gerando uma situação de fechamento e demissões em massa, o que agrava ainda mais a economia.

Diante disso e com o objetivo de preservar o emprego e a renda, garantindo a continuidade das atividades laborais e empresariais, reduzindo o impacto social das consequências do estado de calamidade pública, foi criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda por meio da referida MP. Seu objetivo final é amparar os trabalhadores afetados pela redução salarial, decorrente da redução de jornada, bem como pela suspensão temporária do contrato de trabalho.

O texto normativo cria a possibilidade de (i) redução proporcional de jornada de trabalho e salários, bem como a (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho. À exceção dos empregados estatutários e celetistas pertencentes a empresas públicas e de economia mista, todas as empresas podem adotar as medidas previstas.

A (i) redução proporcional de jornada de trabalho e de salário poderá ser acordada entre empregado e empregador, por até 90 dias. Deve ser preservado o valor do salário-hora de trabalho, ou seja, deve manter a média salarial resultante da divisão do salário por 220, para empregados sujeitos a jornada de 44 horas, 180 para os sujeitos a 36 horas. Por exemplo, se a jornada cumprida na sua empresa é de 44 horas semanais e o empregado receba R$ 2 mil, deve ser divido o valor por 220, chegando ao salário hora de R$ 9,09.

Faz-se necessária a pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, o qual será encaminhado ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos.

A redução deverá observar, obrigatoriamente, 25%, 50% e 70%,  não podendo ser ajustado individualmente percentual diverso do que o estabelecido na norma.  Caso as empresas pretendam realizar redução em percentual diverso, deverá contar obrigatoriamente com a participação do Sindicado Laboral, por meio de acordo ou convenção coletiva.

Ao que parece, a negociação coletiva para a implantação de percentual diverso ao estabelecido pela norma, não parece ser uma boa alternativa, vez que não haverá a contemplação integral do benefício.

Contudo, se a empresa optar pela negociação coletiva e aplicação de percentual diverso, não será devido o benefício emergencial para redução inferior a 25%. No caso de percentual aplicado entre 26% e inferior a 50%, será devido apenas 25% do benefício, havendo reduções progressivas à medida em que se aumenta a redução.

Outra possibilidade é a (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho, a qual será acordada pelo prazo máximo de 60 dias, podendo ser fracionado em dois períodos de 30. Contudo, como não há uma certeza quanto ao período em que a empresa ficará sem atividades, o ideal é que se estabeleça no acordo firmado com o empregado o período de 30 dias para a suspensão, renovada automaticamente por outros 30 dias.

Da mesma forma da redução salarial, faz-se necessário a pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, o qual será encaminhado ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos.

Os benefícios pagos voluntariamente pelo empregador devem ser mantidos, como o vale refeição e alimentação, bem como o plano de saúde. Já o vale transporte pode ser suspenso, vez que não é justificada a sua concessão.

Também, como forma de não haver prejuízo previdenciário, o empregado poderá recolher diretamente o INSS na qualidade de segurado facultativo no período de suspensão.

Contudo, caso seja observado que, no período de suspensão, o empregado esteja realizando trabalhos diretos ou indiretos ao empregador, por qualquer meio, essa suspensão será descaracterizada, sujeitando o empregador ao pagamento dos salários e encargos sociais relacionados, além de penalidades previstas em lei ou norma coletiva.

Empresas com receita bruta no ano-calendário de 2019 no valor de R$ 4.800.000, não poderão suspender o contrato de trabalho de seus empregados sem uma contrapartida mínima de 30% do salário do empregado.

O Benefício Emergencial da Preservação do Emprego e da Renda será devido a partir da data do início do fato gerador, ou seja, da redução salarial ou suspensão do contrato. Contudo, para que seja implantado nesta data, a empresa deve proceder com a comunicação ao ministério da Economia no prazo máximo de 10 dias, contados da celebração do acordo.

A primeira parcela deverá ser paga no prazo de 30 dias, contados da data da celebração do acordo e não da data da comunicação. Contudo, não havendo a informação no prazo de 10 dias, a empresa será responsável pelo pagamento integral do salário até a data da comunicação, não retroagindo.

Para trabalhadores que recebam remuneração mensal de até um salário mínimo, não haverá qualquer prejuízo, sendo que o governo irá realizar a complementação integral do valor correspondente a redução salarial e também no caso de suspensão contratual.

Para os trabalhadores que recebam valor superior a um salário mínimo, o Governo optou por utilizar o valor e forma de pagamento do seguro desemprego como base de cálculo do Benefício Emergencial, cujo valor máximo do benefício será de R$ 1.813,03.

No caso de redução de jornada de trabalho e de salário, será calculado aplicando-se sobre a base cálculo o percentual da redução. Assim, caso o empregado receba o valor de R$ 2 mil mensal e tenha uma redução de 50% em seu salário, o benefício recebido será de R$ 800 (multiplicação da diferença - R$ 1.000- por 0,8), conforme tabela relacionado ao seguro desemprego.

Como se observa, haverá uma perda de R$ 200 no caso analisado, sendo que em todos os casos em que o salário seja superior ao mínimo legal haverá uma perda.

Para fazer jus ao benefício, não é necessário observar os requisitos para recebimento do seguro desemprego, relacionados a tempo de contrato, número de salários e período aquisitivo, bastando ter havido a redução da remuneração ou a suspensão do contrato.

Há, ainda, a possibilidade do empregado cumular o recebimento de mais de um benefício quando tiver mais de um vínculo empregatício e desde que tenha ocorrido o fato gerador do benefício, exceto para empregados sujeitos a contrato de trabalho intermitente, que farão jus a outro benefício, sendo vedada a cumulação com o presente.

Para que ocorra a negociação, objeto da norma em questão, foi criada a possibilidade de negociação individual para trabalhadores que recebam até R$ 3.135 ou para trabalhadores considerados hipersuficientes, quais sejam, aqueles portadores de diploma de nível superior e que percebam salário igual ou superior a R$ 12.202,12.

Para empregados que recebam entre R$ 3.136 e R$ 12.202,12 poderá haver negociação individual apenas no caso de redução de jornada de trabalho e de salário no percentual de 25%. Para os demais casos, faz-se necessária a negociação coletiva.

Em contrapartida à formalização das medidas estabelecidas nesta norma, foi criada uma estabilidade provisória para todos os empregados envolvidos. Assim, durante o período de vigência do acordo e no período subsequente correspondente à mesma quantidade de dias de redução ou suspensão do contrato, o empregado não poderá ter seu contrato de trabalho rescindido sem justa causa.

Assim, se o empregado teve seu contrato de trabalho suspenso por 60 dias, o mesmo terá 60 dias de estabilidade após o retorno ao trabalho. Havendo rescisão contratual sem justa causa, nesse período, deve haver o pagamento de multa correspondente aos salários devidos nesse período, variando do percentual de 50% até 100%.

Em todos os acordos individuais firmados, é necessário encaminhar uma cópia ao Sindicato Laboral correspondente, no prazo máximo de 10 dias de sua celebração, para que esse fiscalize os termos de condições de cumprimento. Trata-se de requisito legal de validade do negócio jurídico e sua não observância pode gerar discussões de eficácia.

Os estudos relacionados à implantação ou não dos dispostos nesta norma já podem ser iniciados, mas a sua aplicação efetiva ainda depende da regulamentação pelo ministério da Economia quanto à forma de comunicação. Por certo um dos pontos mais polêmicos das normas editadas até o momento, a redução salarial por acordo individual, desafia os termos do Inciso VI, Artigo 7º da CF, vez que tal dispositivo constitucional estabelece a irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Ocorre que tal previsão se torna vital ao enfrentamento da crise, vez que a intermediação dos sindicatos para essa negociação tornaria o acordo inviável, dada a impossibilidade de convocações de assembleias para deliberação quanto aos pontos estabelecidos pelas empresas, tornando o processo extremamente moroso e burocrático.

A contrapartida do Governo com o pagamento do Benefício Emergencial mostra-se suficiente para compensação de eventuais prejuízos que possam ser questionados pelos empregados.

Uma boa alternativa para evitar discussões quanto a eventuais prejuízos do empregado é a adoção de uma ajuda compensatória mensal. A norma estabelece que, nesse caso, o pagamento não teria natureza salarial, não havendo incidência de INSS, IR, bem como reflexo em FGTS, 13º salário e férias.

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t*Ernane Nardelli é advogado associado à Jacó Coelho Advogados. Tem especialização em Direito Civil e Processo Civil pela ATAME/GO; especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO e Cursando LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

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