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Recomendações do CNJ no âmbito dos processos de recuperação judicial e falência diante da pandemia da Covid-19: Adequadas, porém insuficientes

Sem adentrar à discussão técnica quanto a existência de força maior ou caso fortuito, fato é que, a luz do direito obrigacional, estar-se-ia diante de ações de causas que circundam fora do alcance da vontade de uma parte obrigada a realizar pontual prestação, impedindo-a de seu cumprimento

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Atualizado às 14:22

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O Conselho Nacional da Justiça, em ato normativo 0002561-26.2020.2.00.0000 votado em 31.03.20, estabeleceu recomendações aos Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência, no que toca à adoção de medidas de combate ao agravamento da crise decorrente do novo coronavírus, causador da Covid-19.

Constata-se, especialmente, do voto do Conselheiro Relator, Sr. Henrique Ávila, a conveniente preocupação na viabilização da continuidade das empresas e, evidentemente, do exercício da função social daquelas que antes da instauração da pandemia já se salvaguardavam das benesses da lei 11.101/05.

O artigo 1º do ato normativo do CNJ estabelece, a exemplo, recomendações voltadas à efetividade no levantamento de valores eventualmente bloqueados à Recuperanda ou aos seus credores:

Art. 1º. Recomendar a todos os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência que deem prioridade na análise e decisão sobre questões relativas ao levantamento de valores em favor de credores ou empresas recuperandas, com a correspondente expedição de Mandado de Levantamento Eletrônico, considerando a importância econômica e social que tais medidas possuem para ajudar a manter o regular funcionamento da economia brasileira e para a sobrevivência das famílias notadamente em momento de pandemia de Covid-19.

Além de efetividade, a normatização imposta prevê a necessidade de celeridade, recomendando "que os Juízos avaliem com especial cautela o deferimento de medidas de urgência" (art. 6º).

Dentre outras medidas sugestivas, destacam-se: (I) a possibilidade de apresentação de plano de recuperação modificativo, para as empresas que estejam adimplentes com as obrigações estabelecidas nas cláusulas do plano aprovado pelos credores em Assembleia, e (II) a prorrogação do prazo de duração da suspensão (stay period) estabelecida no art. 6º da Lei de Recuperação de empresas e Falência, nos casos em que houver necessidade de adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores, até o momento em que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da referida Assembleia.

Vê-se, portanto, notada contribuição do Grupo de Trabalho do CNJ, criado pela portaria 162, de 19 de dezembro de 2018, para debater e sugerir medidas voltadas à modernização e à efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação empresarial e de falência, presidido pelo Eminente Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

As orientações ultrapassam positivamente os aspectos dicotômicos da lei, na medida em que o que se pretende preservar não é o interesse da Recuperanda ou de credor específico, mas, sim, atribuir calmaria ao ambiente de recuperação e evitar a sucumbência prematura de empresas circunstancialmente saudáveis que denotem reestruturações viáveis.

A despeito da sensibilidade do CNJ quanto aos efeitos macro e microeconômicos decorrentes da proliferação do vírus e do parcial lockdown instaurado, constata-se grave omissão nas orientações: avaliar a possibilidade de suspensão dos pagamentos imediatos estabelecidos no Plano de Recuperação Judicial, sem a necessária apresentação de um plano modificativo e convocação de nova assembleia.

Sem adentrar à discussão técnica quanto a existência de força maior ou caso fortuito, fato é que, a luz do direito obrigacional, estar-se-ia diante de ações de causas que circundam fora do alcance da vontade de uma parte obrigada a realizar pontual prestação, impedindo-a de seu cumprimento. Neste sentido, dispõe o art. 393 do Código Civil que "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. [...] O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.".

Diante do atual cenário, pois, à medida em que se prossigam as obrigações (muitas vezes mensais), notadamente aquelas pecuniárias definidas no Plano, haverão inevitáveis inadimplementos passíveis de convolação em falência, por força do art. 73, IV, da lei 11.101/05.

Sabe-se que o grande princípio tutelado em ambiente recuperacional é a proteção da função social da Recuperanda, bem como os interesses da coletividade. Diante disso, pergunta-se: a convolação em falência de empresa que inadimpliu a forma de pagamento novada, em decorrência do atual cenário de recessão econômica mundial, é o caminho acertado? Ou a flexibilização temporária de determinados credores quanto aos prazos de pagamento, ainda que imposto pelo Juízo, soa mais razoável?

Caberá, como tantas outras lacunas e contradições normativas, ao magistrado avaliar circunstancialmente e com cautela situações que demandem tal dubiez, salientado as premissas que a ocasião exige: efetividade, razoabilidade e celeridade.

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t*Rodolfo Salmazo é advogado e sócio da banca especializada em Direito de Insolvência, A Santos Advogados associados.

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