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Os limites do entretenimento em tempos de pandemia

Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso e Felipe Lins

É necessário que fique claro que o principal problema do tema trabalhado não é o da manifestação artística em tempos de isolamento, mas sim a forma como está sendo feita.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 10:10

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I. Introdução

A atual pandemia do Coronavírus, causador da doença Covid-19, mudou consideravelmente a relação e a vida das pessoas. O vírus, devido a respectiva alta taxa de transmissibilidade, tem representado um grande perigo para o funcionamento do mundo moderno.

Em diversos países, tem-se recomendado à população - em certos casos até mesmo obrigado - a permanecer por tempo integral em suas residências, alterando por completo a rotina que viviam anteriormente. Essa mudança não afeta somente aspectos econômicos e políticos, mas também vai de encontro a diversos outros assuntos, como a arte.

O fechamento de fronteiras, com a determinação de isolamento, aliada a suspensão de diversas atividades públicas e artísticas expõe toda a fragilidade da atual conjuntura mundial, e de certa forma, força as pessoas a se adaptarem em todos os sentidos.

Na Itália, um dos principais focos da pandemia e por muito tempo o epicentro da doença, as manifestações artísticas se iniciaram de forma amadora nas sacadas e varandas de apartamentos, sem grandes estruturas, com o objetivo único de entreter vizinhos e fãs, de modo a amenizar a dura situação do isolamento.

Porém, isso tem mudado, e cada vez mais tem-se perdido a espontaneidade inicial, os artistas têm feito verdadeiros shows ao vivo via internet, juntando milhões de pessoas em transmissões virtuais, gerando muito dinheiro e repercussão. Mas, para que isso seja possível, uma grande equipe tem atuado por trás dessas transmissões, movendo estruturas e fazendo com que seja viável a realização de algo tão grandioso para o atual momento.

O advento destas superproduções virtuais levanta certas discussões quanto às aglomerações por elas criadas. Mobilização de equipes de produção, por exemplo, fato que vai diretamente contra o que recomendado ou imposto pelas autoridades. Além disso, referidas transmissões podem influenciar pessoas - notadamente jovens - a se juntarem para acompanhar as lives.

O direito também atua nestes casos. No ponto, o presente artigo busca trabalhar e examinar os possíveis problemas dos shows virtuais, além das eventuais responsabilidades cíveis e penais que podem incidir nas condutas de artistas e ouvintes.

II. O problema das grandes produções.

Como citado acima, a forma que os artistas têm utilizado para a realização de suas apresentações evoluiu bastante, e deixou de ser da maneira que era quando se iniciou, amadora, puramente com o objetivo da distração.

Com as grandes transmissões, grandes estruturas funcionam por trás, movimentando muita gente que trabalha para o perfeito funcionamento desses verdadeiros shows. E o que muito se observa, é que mesmo estando em uma das maiores crises pandêmicas da atualidade, as devidas precauções não vêm sendo tomadas. Não há preocupação com suporte profissional médico ou atenção às recomendações das autoridades sanitárias.

Ora, o isolamento surge nesse momento como a principal medida para enfrentamento dessa crise sanitária e não pode ser deixado de lado. Restaurantes, farmácias e demais atividades tiveram funcionamento autorizado, mas sempre tendo que seguir determinações e cuidados, além de consistirem em serviços essenciais. Sendo assim, as manifestações artísticas virtuais podem ocorrer, porém com a mesma cautela.

Nesse momento, é preciso que os artistas também entendam a situação de calamidade enfrentada, e mesmo que o intuito final seja de promover algo tão escasso na atual fase, é preciso responsabilidade redobrada nos bastidores para que uma boa ação não acabe sendo maléfica para todos.

Assim, medidas como o suporte profissional de pessoas da área da saúde, o respeito ao distanciamento mínimo entre todos, cuidados com limpeza das mãos e de equipamentos, e o uso de demais medidas que busquem a proteção da saúde das pessoas deveriam ser pré-requisitos necessários para a realização dessas transmissões.

Outro ponto importante a ser destacado é o quanto essas transmissões ao vivo podem influenciar com que ouvintes e fãs desses artistas se encontrem com demais familiares e amigos para acompanharem esses shows.

É notório que os jovens são o público alvo dos artistas ao idealizarem essas grandes produções, já que constituem a maior parte dos fãs e espectadores. Com efeito, por não se encaixarem nos principais grupos de risco da doença, podem vir a entender que não possuem o mesmo risco dos demais e que não precisam seguir estritamente o isolamento social.

A banalização deste pensamento pode acarretar verdadeiros malefícios para toda a sociedade, já que mesmo não sendo considerado o grupo mais afetado pelo vírus, por serem a maior parte das vezes assintomáticos, podem se infectar e retornar ao lar, infectando os familiares, idosos ou não, mantendo no ápice a transmissibilidade da doença e seu respectivo descontrole.

Pode-se dizer que os jovens são nesse momento peça chave para a redução da contaminação em todo o país, por serem assintomáticos representam alto índice na disseminação do contágio. Dessa forma, devem agir de maneira consciente assim como todos os outros, devendo seguir religiosamente as medidas determinadas pelas autoridades sanitárias.

III. Responsabilidades jurídicas.

Os artistas e produtoras, em caso de não cumprimento de determinadas recomendações, podem ser responsabilizados.

No âmbito civil, é preciso destacar o tema da responsabilidade civil, principalmente quando se trata do momento delicado como o que está sendo enfrentado.

Nos casos das aglomerações provenientes das equipes para realização das super transmissões, produtores e cantores podem acabar sendo responsabilizados pela criação de um foco da doença em momento que deveria ter sido evitado.

A responsabilização civil surge ancorada no conceito do dano moral coletivo, e os realizadores desses shows acabam por de certa forma serem os responsáveis por um possível contágio múltiplo, por não terem seguido os devidos cuidados estipulados pelas autoridades.

Sendo de fato considerados responsáveis, e o dano moral consumado, podem ficar incumbidos de por meio de multas e indenizações ressarcir os danos causados. Por isso, que em um momento delicado como o atual, todas as precauções e medidas devem ser seguidas para evitar ao máximo contágios.

Porém, não é só no âmbito civil que pode haver responsabilização por possível conduta que gera dano a outrem. A responsabilidade penal também surge para ações e medidas que violem as determinações de segurança.

No Brasil, nesse sentido, portaria 5 editada no dia 17 de março de 2020 pelos ministros da Saúde e da Justiça, dispôs sobre a compulsoriedade das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus. Atribuindo responsabilidades civis, administrativas e penais aos agentes infratores.

Nessa portaria, ficou definido nos artigos 3°, 4° e 5°, que o descumprimento de medidas previstas no art. 3° da lei 13.979, de 2020, podem sujeitar o infrator a sanções penais previstas nos arts. 268 e 330 do decreto-lei  2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Por sua vez, as medidas previstas no art. 3° da lei 13.979, de 2020, tratam justamente sobre grande parte dos equívocos cometidos pelas equipes por trás das transmissões ao vivo. Dentre elas estão, o isolamento, quarentena e demais medidas profiláticas que estão sendo claramente desrespeitadas em algumas das manifestações que são foco desse artigo.

Dentre as sanções previstas no decreto-lei 2.848, está a do art. 268, que prevê crime contra a saúde pública, de infração de medida sanitária preventiva, podendo o infrator ficar até um ano recluso, além do pagamento de multa. Já no art. 330 a previsão é de crime contra a administração em geral, tipificado pela desobediência a ordem legal de funcionário público, podendo levar até a 6 meses de reclusão e multa.

Dessa forma, fica clara a importância das medidas preventivas tomadas pelas autoridades, e o quanto elas são necessárias para reverter a atual situação. Artistas não ficam de fora dessa responsabilidade para com toda a sociedade, e mesmo com boas intenções, podem acabar por gerar problemas ainda maiores.

IV. Considerações finais.

Tendo em vista todo o exposto, é necessário que fique claro que o principal problema do tema trabalhado não é o da manifestação artística em tempos de isolamento, mas sim a forma como está sendo feita. 

A partir do momento em que esses eventos se iniciaram de forma amadora, sem a necessidade de grandes equipes para sua realização, na própria casa do artista, com a pura e simples intenção de amenizar os problemas causados pelo isolamento, era totalmente legítimo e até bom para todos.

Porém, quando passou a ser mais comercial, com grande movimentação de dinheiro e maquinário para realização, os problemas começaram a surgir. Sendo assim, é necessário que seja dado um passo para trás, para que a arte, indispensável a todos, não acabe atrapalhando o combate à pandemia.

Além disso, é de extrema importância o entendimento de que os jovens também correm risco, e não podem se expor pelo simples fato de não fazerem parte dos grupos de risco. Atuando como transmissores muitas vezes assintomáticos, o isolamento das pessoas mais novas pode ser ponto crucial no triunfo sobre a pandemia.

Por fim, anote-se que todos possuem responsabilidades e podem ser punidos por inobservarem determinações legais. Medidas tomadas pelas autoridades sanitárias são o norte a ser seguido e as sanções existem para justamente evitar que a infringência dessas medidas não passe despercebida.

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*Ticiano Figueiredo é sócio do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados.

*Pedro Ivo Velloso é sócio do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados.

*Felipe Lins é advogado.

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