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Inviabilização da MP 936/20 em razão da liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADIn 6363

A decisão liminar fixou prazo para que as entidades de classe laboral se manifestem quanto aos termos do acordo, situação não que não existia no texto original da MP.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado em 11 de abril de 2020 10:31

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 "Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito (Georges Ripert1)"

A Medida Provisória 936/20 publicada em 01/04/20, teve como plano de fundo a instituição do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. 

São medidas do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda: 

I - o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;

II - a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; 

III - a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

A ADIn (ação direta de inconstitucionalidade) registrada sob nº 6363 foi proposta pelo partido Rede Sustentabilidade, em síntese a ação visa alcançar a declaração de inconstitucionalidade da autorização para realização de acordos individuais tratando de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, e suspensão temporária do contrato de trabalho, hipóteses previstas nos artigos 7º e 8º da MP 936/20, por violação aos artigos. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição Federal. 

De acordo com o autor da ação a redução da remuneração só é possível mediante negociação coletiva, o que garantiria a manutenção dos postos de trabalho. Também sustenta que, ainda que se aceitasse a negociação individual para trabalhadores de maior renda, essa hipótese é inviável quando se trata dos mais vulneráveis, que formam a maior parte da força de trabalho2.

Ao analisar o pedido liminar formulado na ADIn, o relator ministro Ricardo Lewandowski deferiu em parte o pleito antecipatório nos seguintes termos3:

"Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que "[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração", para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes".

Assim, diante da liminar deferida, não é mais possível à realização de acordos individuas para redução de jornada, salário e suspensão contratual sem o referendo do sindicato laboral, situação que praticamente inviabiliza a utilização da Medida Provisória em razão da perda da celeridade e informalidade dos acordos.

A inviabilização da Medida Provisória reside no fato da necessidade de chancela dos sindicatos em todos os tipos de acordos possibilitados pela MP, uma vez que, os sindicatos poderão fazer imposições a fim de dificultar a realização do acordo, visando evitar a redução salarial ou obtenção de barganhas contratuais.

A recusa do sindicato em ratificar o acordo individual firmado entre empregado ou empregador, ou caso o mesmo crie embaraços que inviabilize a realização de acordos coletivos, certamente provocará o mal que se pretendeu evitar por meio da MP 396, pois ainda que sujeita a criticas quanto à autorização do uso do acordo individual para redução de jornada e salário, a Medida Provisória certamente evitaria um grande numero de demissões.

O texto original da MP falava apenas que, excetuados os casos de necessidade de participação do Sindicato, firmado o acordo o empregador deveria apenas comunicar o Ministério da Economia e Sindicato laboral.

Neste cenário os acordos firmados após publicação da MP, deixam de ter eficácia com a liminar proferida na ADIn, sendo necessária a ratificação do sindicato.

A perda da celeridade ocorre devido ao prazo que o sindicato possui para responder a comunicação da realização do acordo, que se dará "na forma e nos prazos estabelecidos na própria legislação laboral para a negociação coletiva, a exemplo do art. 617 da Consolidação das Leis do Trabalho será lícito aos interessados prosseguir diretamente na negociação até seu final".

Além de condicionar a validade dos acordos individuas a chancela do sindicato, a decisão liminar fixou prazo para que as entidades de classe laboral se manifestem quanto aos termos do acordo, situação não que não existia no texto original da MP.

O artigo 617 da CLT fala em 08 (oito) dias para o sindicato assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, porém por força do inciso III do artigo 17 da MP 936/20, esse prazo foi reduzido pela metade.

Logo, se for computar o prazo máximo que o empregador tem para comunicar a realização do acordo (dez dias) e prazo que o sindicato possui para se manifestar (quatro dias), o acordo só produziria efeitos após o 14 (quatorze) dias da data da sua celebração, isso dentro de um cenário perfeito onde o sindicato não criaria obstáculos ao acordo.

Ocorre que, devido às recomendações de isolamento social, alguns sindicatos paralisaram suas atividades, neste caso, ante a impossibilidade de se efetivar a comunicação, como seria feita a contagem do prazo? Aplicaria de forma subsidiaria o disposto no §1º do artigo 617 da CLT, que faculta a comunicação do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, chancele o acordo individual ou deflagre a negociação coletiva?

Aos que ainda pretendem fazer acordo de redução de jornada e salário ou suspensão do contrato, caso não haja manifestação do Sindicato, por uma questão de segurança jurídica recomendamos à aplicação do §1º do Artigo 617 da CLT.

Ao pé da letra, não obstante os outros motivos alegados na petição inicial da ADIn, os dispositivos da Medida Provisória que autorizavam a redução proporcional da jornada de trabalho e salário, e suspensão contratual por meio de acordo individual são inconstitucionais, pelo simples fato que a constituição federal não pode ser alterada por meio de norma infraconstitucional (Medida Provisória), sendo que o caminho correto para alcançar a modificação almejada seria uma proposta de emenda à constituição, cujo tramite é mais demorado e esbarra em diversas dificuldades de interesse político.

Diante do atual cenário e das projeções econômicas nebulosas, onde o aumento da taxa de desemprego é apontado como a pior das consequências (aumento de pobreza e desigualdade social), nesta conjuntura não é razoável exigir o respeito aos rigores de normas editadas para momentos distintos, cabendo ao Judiciário ponderar a situação fática com o direito tutelado, a fim de possibilitar a flexibilização transitória de direitos e garantias individuais em prol de um bem maior.

A advertência do jurista francês George Ripert "quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito" deve pautar não somente o Supremo Tribunal Federal (STF) que ainda julgará o mérito da ADIn, mas a todos os órgãos responsáveis por criação de medidas para amenizar os efeitos da crise anunciada.

O teor da liminar deixa claro que o STF se inclinará pela declaração da inconstitucionalidade dos Artigos 7º e 8º que autorizam a realização de acordos individuais para redução proporcional da jornada de trabalho e salário, e suspensão contratual.

Assim, ante o exposto, optando pela realização de acordo para redução proporcional da jornada de trabalho e salário, e suspensão contratual o mesmo deverá ser submetido ao aval do sindicato no prazo de 10 (dez) dias da sua formalização, sob pena de ser declaro nulo, respeitado os prazos do artigo 617 da CLT.

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1 Georges Ripert.

3 Portal STF.

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*Fernando Pereira Mozine é advogado e sócio do escritório Mozine Advocacia & Consultoria.

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