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Pandemia - Pandemônio - Pandepaz

A reconstrução de nossa civilização, segundo a Moral, a Religião e o Direito, recomenda esse conjunto mínimo de providências para que sejamos humanos e justos

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Atualizado às 10:50

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Microscópico; quase invisível. Agressivo, rápido, atrevido. Cruel. Ataca sem piedade, estende-se por toda a Terra com dinamismo crescente. Derruba crianças, jovens, adultos e idosos. Nocauteia médicos e enfermeiros. Quando parece que passou por uma região, todos se preparam para um novo e fulminante ataque. Transmuda-se. Humilha.

Desnuda os poderosos e faz bailar aos nossos olhos surpresos as ignorâncias legislativas, judiciárias e executivas. Uns sem propostas, outros sem competência e os últimos sem ciência e sem decência. Uma pandemia.

Reinam a agitação, a balbúrdia e a desordem. Um pandemônio. Há pouco, estávamos lado a lado e, em vez de conversarmos entre nós, nos encapsulávamos em nossos celulares e, agora, postos em distanciamento social, queremos ficar juntos. Impera o medo, o desencanto, o risco de depressão coletiva, um pavor pelo que pensávamos que fosse uma civilização. Há muita tecnologia e quase nenhuma humanidade.

Alguém está falando com todos nós ao mesmo tempo. Refletimos. Consciente ou inconscientemente queremos melhorar o que está bem e corrigir o falho. Percebemos que não podemos contar com líderes estranhos a nós mesmos e que a solução pode estar em cada um nós, individualmente e no conjunto. Reestruturar-se e reconstruir o nosso tempo. Agora. Fraternalmente. Fazer as pazes. Conosco e com os próximos. Uma pandepaz.

Preservar a dignidade humana, prover as necessidades da pessoa e estabelecer uma ordem jurídica justa, estável e segura.1 Saber que Moral, Religião e Direito são realidades distintas, mas não separadas. Importam a solidariedade, a caridade e o bem comum.

A pandemia é sistêmica e a reação deve ser sistêmica. O ser moral ombreia-se com os que estão ao seu lado. Ama-se a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O direito tem por centro e sujeito a pessoa humana, sabe-a portadora de um valor transcendente, carente da provisão de bens e cuidados necessários à sua formação e conservação. De paz. Da tranquilidade da ordem das coisas. Especialmente em face dos vulneráveis.

Vulneráveis que, na pandemia, com o pandemônio, não sobreviverão se ficarem sós. Precisam de nós. Apesar de nós mesmos, em uma tarefa comum. Cabemos todos, menos os preconceitos. Temos deveres por viver nesse tempo e nessa terra. Deveres para com os nossos próximos e, estes, são os que estão juntos de nós, em nosso sistema social. Sistema social com muitos subsistemas e, dentre eles, um dos mais vulneráveis, o penitenciário.

Milhares e milhares, amontoados, subjugados, sem assistência moral, religiosa e jurídica. Triturados por máquinas de piorar pessoas. Mais cedo ou mais tarde a serem despejados na comunidade que, invariavelmente, os rejeitará. Lá, no cárcere, esperando a pandemia. No círculo vicioso que não costumamos olhar ou desprezamos. Prestes a explodir. Eles não podem vir até nós. Temos que ir até eles. Estamos todos juntos.

A ordem moral impõe a solidariedade; a religiosa que visitemos os encarcerados, de alguma forma, com misericórdia e, a jurídica, que mantenhamos a reprovação de condutas eventualmente contrárias ao Direito, mas conservemos o respeito pela pessoa humana, com a sua dignidade e titularidade de todos os demais direitos, salvo a liberdade de locomoção. De todos os seres humanos, soltos ou não. Amando as pessoas e detestando os males. Sair do pandemônio para a pandepaz.

É dever de todos prevenir as doenças e tratar dos enfermos. Ao Estado compete a urgente confecção de plano interdisciplinar para a prevenção da pandemia nos cárceres. Imediatamente transferir para um regime de prisão domiciliar todos aqueles que, em situação de risco pessoal, preencherem os requisitos legais para a transferência humanitária ao regime de custódia mais seguro para eles. Aos que não preencherem esses requisitos e permanecerem nas prisões, quando enfermos deverão receber assistência médica integral no cárcere ou no hospital apropriado.

A reconstrução de nossa civilização, segundo a Moral, a Religião e o Direito, recomenda esse conjunto mínimo de providências para que sejamos humanos e justos.

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1 Jaques de Camargo Penteado, A Dignidade Humana e a Justiça Penal. In: Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva (Orgs.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, 2ª ed., São Paulo, Quartier Latin do Brasil, 2009, v. I, p. 885-913.

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*Jaques de Camargo Penteado é advogado e Consultor da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Mestre e doutor em Direito - USP. Procurador de Justiça aposentado - MPSP.

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