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Motivo de força maior: redução do salário - Manutenção do emprego

O legislador constitucional deixou claro a possibilidade da redução salarial, todavia, condicionou a sua prática a previsão nos instrumentos coletivos do trabalho (Acordo Coletivo do Trabalho e Convenção Coletiva do Trabalho). Até aí, tudo bem.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Atualizado em 22 de abril de 2020 11:49

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Na CF consta que: "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo".

O legislador constitucional deixou claro a possibilidade da redução salarial, todavia, condicionou a sua prática a previsão nos instrumentos coletivos do trabalho (Acordo Coletivo do Trabalho e Convenção Coletiva do Trabalho). Até aí, tudo bem.

Para o saudoso doutrinador Mozart Victor Russomano, citado pelo ex-ministro, Celso Ribeiro Bastos, que também já nos deixou, ao observar que a natureza alimentar do salário reclama regulamentação cuidadosa por parte do legislador, expõe que no Brasil essa proteção assume três aspectos fundamentais: irredutibilidade, integridade e intangibilidade. Isso significa dizer que o salário deve receber a proteção máxima contra a eventual redução. Pois bem.

Na CLT encontramos diversos dispositivos que albergam a proteção de eventuais alterações das condições do contrato de trabalho, especialmente do salário. Veja-se: o artigo 9º.

"Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação; o artigo 444. Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes; o artigo 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia", como exemplos.

Com efeito, é cediço que toda regra geral admite exceção. Todavia, o ponto não é esse, ou seja, da possibilidade da redução salarial, da jornada e da suspensão do contrato de trabalho. Achamos que uma das questões encontra-se fincada na credibilidade da autonomia sindical. De certa forma, o que está em cheque é o poder da estrutura sindical no Brasil.

A Reforma Trabalhista reduziu sensivelmente a interferência das entidades sindicais nas relações de emprego. Esse fato já contribuiu para o esvaziamento da sua própria independência.

Então, o que está em jogo é a possibilidade da redução de salário, da jornada e do contrato de trabalho por acordo individual em decorrência da pandemia (fato extraordinário).

Destaca-se: "Em julgamento por videoconferência concluído na sessão extraordinária de sexta-feira, 17, o Plenário negou referendo à liminar concedida no início do mês pelo ministro Ricardo Lewandowski e afastou a necessidade de aval dos sindicatos para o fechamento de tais acordos. O Plenário do STF manteve a eficácia da regra da MP 936/20 que autoriza a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos individuais em razão da pandemia do novo coronavírus, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria. Por maioria de votos, em julgamento realizado por videoconferência e concluído de sexta-feira, 17, o Plenário não referendou a medida cautelar deferida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade. Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele entende que, em razão do momento excepcional, a previsão de acordo individual é razoável, pois garante uma renda mínima ao trabalhador e preserva o vínculo de emprego ao fim da crise. Segundo ele, a exigência de atuação do sindicato, abrindo negociação coletiva ou não se manifestando no prazo legal, geraria insegurança jurídica e aumentaria o risco de desemprego. Para o ministro, a regra não fere princípios constitucionais, pois não há conflito entre empregados e empregadores, mas uma convergência sobre a necessidade de manutenção da atividade empresarial e do emprego. Ele considera que, diante da excepcionalidade e da limitação temporal, a regra está em consonância com a proteção constitucional à dignidade do trabalho e à manutenção do emprego. O ministro Alexandre de Moraes destacou ainda a proteção ao trabalhador que firmar acordo. De acordo com a MP, além da garantia do retorno ao salário normal após 90 dias, ele terá estabilidade por mais 90 dias. Acompanharam esse entendimento os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente). Ficaram vencidos, além do relator, o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. Em 6/4, o ministro Ricardo Lewandowski, deferiu parcialmente a? medida cautelar para determinar que, após serem comunicados dos acordos individuais, os sindicatos poderiam se manifestar sobre sua validade. Na sessão de hoje, o ministro Fachin votou pelo deferimento integral da cautelar e foi seguido pela ministra Rosa Weber. Segundo ele, ainda que admita a possibilidade de acordos individuais, a CF assegura que a redução salarial só pode ocorrer mediante negociação coletiva. Para Fachin, não há espaço para que a legislação ordinária substitua a regra constitucional que prevê a participação sindical em acordos com essa finalidade". Fonte: STF. 

A outra questão diz respeito ao motivo extraordinário para a aceitação da flexibilização do salário, da jornada e do contrato de trabalho, visando a preservação do posto de trabalho, ainda que de maneira temporária.

Trata-se de força maior. Ademais, condicionar a validade do procedimento a manifestação sindical não traz qualquer benefício a situação, mas sim um atraso e o desgaste da relação capital x trabalho, sendo certo que a mídia já divulgou notícias acerca da cobrança pela assistência e homologação do ato (se é justo ou não é outra coisa).

Ora, não somos contra a efetiva colaboração, entretanto a simples comunicação não induz a necessidade da interferência sindical no diálogo, salvo em se tratando de matéria que diga respeito a segurança e medicina do trabalho, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, cujo escopo não admite flexibilização.

No entanto, o vínculo sindical encontra-se enfraquecido. A estrutura sindical perdeu força. Porém, essa questão não está, nessa oportunidade, sendo objeto de reflexão.

É certo que, ainda que admita a possibilidade de acordos individuais, a Constituição Federal assegura que a redução salarial só pode ocorrer mediante negociação coletiva. Contudo, à luz do estado de força maior, data venia, há espaço, sim, para que a legislação ordinária substitua a regra constitucional que prevê a participação sindical em acordos com essa finalidade. Estamos diante de uma situação excepcional, não havendo que se falar em interpretação contrária ao texto constitucional, mas sim de uma exegese de acordo com a situação em que vive o País.

Parabéns aos guardiões da CF. O debate é salutar e necessário.

Louvamos a decisão da maioria, já que o placar foi de 7 votos contra o relator e 3 votos a favor do relator.

VIVA A DEMOCRACIA!!!

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t*José Carlos Manhabusco é advogado Sênior da banca Manhabusco Advogados.

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