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A responsabilização da entidade estatal diante do covid-19 e a teoria do fato do príncipe

É dever legal do Estado cuidar da saúde da população, não havendo que se falar em qualquer tipo de indenização quando galgado no princípio da preservação da vida.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Atualizado às 09:34

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Muito tem se comentado nos últimos dias sobre a aplicação da teoria, advinda do Direito Administrativo, o dito Fato do príncipe, ou factum principis.

O tema tomou as ruas (ou lares, em tempo de quarentena) sobretudo após a fala do Presidente da República, sobre a possibilidade de responsabilização de Estados e Municípios frente as demissões de prejuízos ocasionados pelo lockdown do sistema produtivo.

Pois bem, a teoria, originária do Direito Frances, baseia-se na premissa de intervenção do Príncipe (Gestor Público, Presidente, Governador, etc.) na alteração de Leis ou qualquer outro tipo de regramento que venham a modificar os contratos pré-estabelecidos de forma que inviabilizem a atividade da outra parte do negócio, ou do contrato, que no caso em questão são representadas pela empresas.

Ou seja, o Fato do Príncipe ocorre quando o próprio Estado faz com que ocorra modificação nas condições do contrato, provocando prejuízo ao contratado, promovendo desequilíbrio econômico financeiro do mesmo. O termo não é claramente definido na legislação brasileira, mas é manifestado de forma expressa no artigo 65 da Lei 8.666/93, uma vez que de ampla aplicação do Direito Administrativo, de onde também se originara a Teoria.

No âmbito trabalhista, o instituto é definido no art. 486 da CLT, com a seguinte redação:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

O fato controvertido está na Lei 13.979/2019, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).

O artigo 3º da referida Lei disserta sobre as medidas necessárias para o enfrentamento da situação de emergência de saúde pública, dentre eles o isolamento e a quarentena, in verbis:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                

I - isolamento;

II - quarentena;

Sendo que o artigo 2º ilustra medidas explicitas para cada termo:

Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.(g.n)

Passo seguinte, em março desde corrente ano o Decreto Legislativo de 06/2020 reconheceu os efeitos da situação de calamidade pública, sendo os efeitos deste estado se prorrogados até 31/12/2020.

Por força do Decreto 06/2020 diversos Estados e Municípios lançaram mão de diversos Decretos declarando medidas de quarentena, com restrições de serviços públicos e privados, tais como prestação de serviços não essenciais, indústrias, comércios, etc.

Ao que pese o introito teórico e a fala do Presidente da República sobre a reponsabilidade dos Estados e Município sobre os encargos trabalhistas, filio-me a esteira de que não aplicar, tampouco cogitar, a aplicação das Teoria do Fato do Príncipe diante da situação de emergência ocasionada pelo coronavírus. Explico:

Como já me referi acima, a CLT traz, no artigo 486, a possibilidade de responsabilização da autoridade governamental quando este tenha motivado a paralização da atividade, ainda que não mencione explicitamente o Fato do Príncipe.

Cabe salientar que a indenização prevista o artigo 486 da CLT é aquela relativa a multa de 40% do FGTS, que é devida em caso de demissão sem justa causa. Assim, conforme menciona o artigo, ficaria a cargo da entidade governamental (federal, estadual ou municipal, o pagamento a referida multa em caso de necessidade de desligamento do funcionário diante da inatividade do ente empresarial.

Para que seja caracterizado o Fato do Príncipe, e portanto, no âmbito trabalhista, a responsabilização da entidade governamental na multa de 40% sobre o FGTS, é necessário que o ato seja discricionário (intencional) e ainda, que o governante tenha dado origem a tal ato, o que não se mostra moldado ao caso em questão.

Ainda que se alegue a quebra da empresa ou grave crise econômica diante da impossibilidade da continuidade ou reabertura da atividade produtiva, não há que se falar em fato do Príncipe. Isso porque a inviabilidade meramente econômica não configura o fato do príncipe, uma vez que se faz necessária a inviabilidade jurídica ocasionada pelo gestor público que, discricionariamente, adotou medidas que tornassem inviável a continuidade do negócio.

Não há conveniência administrativa na restrição de serviços e atividades, mas sim o dever estatal de zelar pela saúde da população, sendo, este, inclusive, uma obrigação constitucional, esculpido na CF nos artigos 23, 186 e 197. A entidade que assim não o faz deve responder pelos atos lesivos que ocasionar aos seus administrados.

É dever legal do Estado cuidar da saúde da População, não havendo que se falar em qualquer tipo de indenização quando galgado no princípio da preservação da vida.

A OIT informou que o mundo deverá, em pouco tempo, ter mais uma grande epidemia: a do aumento desmedido do desemprego.

Por isso, o momento é oportuno, e clama, por responsabilidade de todos os envolvidos, sejam de atividade privadas ou publicadas, seja empregador ou empregado, seja administrador público ou população em geral. Cabe a todos nós zelarmos e promovermos os mandamentos constitucionais, sobretudo os de 3ª dimensão, para que se possa vislumbrar um futuro saudável e próspero, promovendo o amplo emprego e o trabalho digno. Para isso o momento é de promoção de laços e fidelização de parceria dos diversos atores sociais, para que ao final saíamos mais fortes e sempre esperançosos de um futuro melhor.

__________

*Giovane Canonica é advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SC, Sócio do RGR Advogados & Consultores e professor dos cursos do Forum Cebefi.

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