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Que a exceção não se torne regra

Murilo Padilha Zanetti e Ricardo Calcini

Necessidade de acompanhamento sindical em suspensão de contratos de trabalho e redução de jornada e salário.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Atualizado às 09:44

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Não há como negar que vivemos em um momento de crise nunca passado por nossa geração, a qual é resultante da pandemia causada pelo covid-19, popularmente conhecido como o novo coronavírus.

Em consequência da pandemia, o governo federal declarou estado de calamidade pública1 e, nesse sentido, governos estaduais e municipais determinaram o fechamento do comércio e demais atividades empresariais para, segundo orientações da OMS - Organização Mundial da Saúde, realizar o isolamento social, sendo essa a única forma de defesa no atual momento contra o covid-19.

Empresas fechadas não conseguem vender e, por conseguinte, não conseguem faturar. Sem faturamento, é claro que as empresas não compram matéria prima e, por conseguinte, as indústrias estão ficando com a produção parada. Resumo da história: analistas apontam que o Brasil poderá chegar a 40 milhões de desempregados2.

Neste cenário, o presidente da República, buscando minimizar o caos, editou a medida provisória 9363, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Entre as medidas propostas pelo governo, estão a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada com redução proporcional de salários dos trabalhadores. Para tanto, empresas e trabalhadores deveriam formalizar acordos individuais, os quais seriam encaminhados ao Ministério da Economia para realizar o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, como também para o sindicato da categoria para ciência.

O número de acordos individuais realizado desde então foi gigantesco. Até o dia 13.4.20, o Ministério da Economia informou que já haviam sido realizados mais de um milhão de acordos4.

Contudo, o Partido Sustentabilidade ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a ADIn 6363 contra dispositivos da medida provisória (MP) 936/20, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, entendendo que aos sindicatos não competem apenas ter ciência dos acordos, mas também serem os atores principais em casos de redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho, baseando-se, para tanto, no texto da Constituição Federal e em Convenções da OIT - Organização Internacional do Trabalho.

O ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADIn, concedeu liminar na qual suspendeu os efeitos da MP no que se referia a realizar a simples ciência do sindicato, devendo, a partir de então, os sindicatos aceitarem os termos dos acordos individuais, ou, se assim desejassem, instaurar negociação coletiva.

Desde então, vimos os sindicatos, em sua maioria, exigindo contraprestações para realizarem os acordos, o que representa um verdadeiro absurdo. Neste momento de calamidade pública e crise global, se as empresas não possuem condições de quitar a folha de pagamento e demais despesas, como irão pagar valores que chegavam até R$ 680,005 por acordo fechado?

As empresas entrariam em uma situação de insegurança jurídica e as demissões, mais uma vez, seriam a única alternativa ao empresariado nacional.

Entretanto, o plenário do STF derrubou a liminar, entendendo que, no momento de calamidade pública em que vivemos, a norma constitucional que determina a realização de negociação coletiva para redução de salário deve ser mitigada, sendo prestigiados os princípios da solidariedade, dignidade da pessoa humana, função social da empresa, preservação dos empregos, dentre outros.

Assim, o texto da MP 936 subsiste em sua integralidade, de modo que a regra constitucional foi excepcionada neste atual momento de crise e de calamidade pública. Sucede, porém, que a exceção não deve ser levada como regra, sob pena de afastarmos direitos sociais basilares do nosso Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, a irredutibilidade salarial.

Por outro enfoque, caberão aos sindicatos, neste atual momento, realizarem uma reflexão. Afinal, os sindicatos precisam retomar ao seu verdadeiro múnus constitucional, com o auxílio e a proteção plena do trabalhador.

Este é o momento de discutirmos o fim da unicidade sindical, permitindo, assim, que tenhamos sindicatos mais atuantes. A concorrência faz com que as empresas cresçam e essa regra também será verdadeira no prisma sindical.

A convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho já estabeleceu a pluralidade (liberdade) sindical, isto é, não há nenhuma limitação para instalação de um sindicato, seja ele categórica ou territorial. Contudo, o Brasil não ratificou a citada diretriz internacional.

Será que agora, porém, não seria o momento de acabar com a unicidade sindical? Retornamos ao título do texto: QUE A EXCEÇÃO NÃO SE TORNE REGRA ?!?!

E para que não se torne regra a exceção de não acompanhamento sindical em redução dos direitos dos trabalhadores, será necessária a realização de emenda constitucional estabelecendo a pluralidade sindical, uma vez que o STF, bem como toda a sociedade civil, há muito tempo já entenderam que o atual modelo sindical simplesmente não funciona mais.

Por todo o exposto, necessitamos que o Congresso Nacional seja ativo para que o trabalhador não viva posteriormente um período de crise maior do que a que já vive nos dias hoje.

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*Murilo Padilha Zanetti é advogado pós-graduado em direito e processo do trabalho pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). Sócio do Escritório Dias Batista Advogados.

*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

 

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