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A pandemia de covid-19 e o reequilíbrio econômico-financeiro das concessões

Roberto Zilsch Lambauer, Heloísa Figueiredo Ferraz e Samuel Lopes Parmegiani

Espera-se que as autoridades e as concessionárias de serviços públicos possam chegar a soluções ágeis e razoáveis, de forma a assegurar a continuidade da prestação de serviços públicos e a adequação dos contratos à realidade pós-pandemia.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Atualizado às 10:11

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A restrição à circulação de pessoas decorrente da pandemia de covid-19 tem impactado de maneira profunda diversos setores de infraestrutura, a exemplo de concessionárias de aeroportos e rodovias, que têm experimentado quedas drásticas de demanda e, consequentemente, de receita. Os efeitos da pandemia serão mensurados ao longo do tempo com base nas peculiaridades de cada setor. Enquanto isso, a atenção do setor privado tem se voltado para a futura viabilidade de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão como forma de assegurar a continuidade da prestação de serviços públicos no cenário pós-pandemia.

A regra é que cada contrato contenha matriz alocando à operadora e/ou ao Poder Concedente riscos relacionados a eventos com potencial para afetar a equação econômico-financeira da concessão. No caso de contratos que não contenham matriz de risco - geralmente instrumentos antigos que apenas reproduzem genericamente a regra de que a parte privada executa a concessão "por sua conta e risco" (art. 2º, II, da lei 8.987/1995) -, prevalece o entendimento de que a concessionária responderá pela álea ordinária e o Poder Concedente por eventos extraordinários.

A formulação de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro demandará análise específica de disposições contratuais e da realidade enfrentada pela operadora envolvida durante a pandemia. De uma forma geral, os contratos alocam ao Poder Concedente efeitos decorrentes de fatos do príncipe (por exemplo, decretos de calamidade pública) e eventos de força maior. Nesse contexto, os atos editados pelas diversas esferas federativas no contexto da pandemia serão futuramente examinados quanto à legalidade e proporcionalidade das respectivas medidas, especialmente quanto ao efeito causado às concessionárias de serviço público.

No que diz respeito a força maior, cumpre mencionar que alguns instrumentos preveem serem indenizáveis pelo Poder Concedente eventos não seguráveis no Brasil, o que demandaria análise de apólices específicas e da disponibilidade de tal cobertura no mercado.

A questão também poderia ser examinada sob o prisma do risco de oscilação de demanda, que costuma ser alocado às concessionárias. Ocorre que a queda de demanda decorrente da crise atual é de tamanha magnitude para alguns setores a ponto de superar a álea ordinária dos contratos, devendo ser conciliada com as referidas previsões acerca de fato do príncipe e eventos de força maior. Além disso, em alguns contratos o risco de demanda é dividido entre o Poder Concedente e a concessionária. No caso de concessões administrativas, por exemplo, há que se atentar para a garantia de remuneração por níveis mínimos de serviços.

Em resposta à crise atual, a Consultoria Jurídica da AGU junto ao Ministério da Infraestrutura (MINFRA) proferiu o parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU pelo enquadramento da pandemia de covid-19 na álea extraordinária, o que possibilitaria o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos com base na teoria da imprevisão. No parecer, oferecido como consulta em tese à Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias (SFPP) do MINFRA, concluiu-se que a disseminação do SARS-CoV-2, assim como seus efeitos, não poderiam ter sido previstos ou evitados pelas concessionárias exploradoras da infraestrutura de transportes no Brasil, tratando-se, portanto, de risco extraordinário a ser em tese suportado pelo Poder Concedente.

Afirma-se no parecer que, em havendo o reconhecimento da anormalidade da situação, a sua caracterização como caso fortuito, força maior ou mesmo fato do príncipe perderia importância, uma vez que em qualquer dos casos os riscos inerentes seriam suportados pelo Poder Concedente. Não obstante, o próprio parecer pontua ser necessário examinar o mecanismo de alocação de riscos de cada contrato, tendo em vista que o tratamento concedido a cada evento pode ser diferenciado (basta lembrar o exemplo já mencionado quanto à segurabilidade de eventos de força maior prevista em alguns contratos). Em tais situações, pode passar a ser relevante a mensuração dos efeitos concretos decorrentes de possíveis atos administrativos de forma destacada dos efeitos gerais decorrentes da pandemia, o que demandaria exame minucioso da situação de cada concessionária.

Outro aspecto do parecer que deve ser interpretado com certa ressalva é a afirmação de que somente farão jus a reequilíbrio as concessionárias cujas receitas ou despesas forem impactadas de maneira significativa. A teoria da imprevisão não exige a configuração de prejuízo excessivo ou a imposição de encargos insuportáveis ao contratado, bastando a frustração da equação econômico-financeira ajustada com o Poder Concedente para que surja o direito ao reequilíbrio. Sem prejuízo dessas questões pontuais, é bastante positiva a sinalização inicial da Consultoria Jurídica do MINFRA pelo enquadramento da pandemia como evento reequilibrável. Ainda que o parecer faça menção a transportes terrestres, as premissas ali declinadas fornecem substrato jurídico para o início de discussões em outros setores de infraestrutura.

Ainda que as discussões em torno do reequilíbrio econômico-financeiro de concessões possam partir da interpretação de cláusulas contratuais e de conceitos gerais de Direito Administrativo, é certo que a crise atual exige esforços de mediação e razoabilidade entre concessionárias e Poder Concedente nem sempre há agências reguladoras. Nesse sentido, o atual cenário de pandemia representa oportunidade para melhor enfrentamento de percalços usualmente presentes em pleitos de reequilíbrio, tais como longos períodos de tramitação e dificuldade de estabelecimento de soluções consensuais.

Nesse contexto, é bem-vinda a postura da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no sentido de prorrogar o pagamento de valores de outorga por concessionárias aeroportuárias e de estabelecer flexibilidades operacionais. Assim como a ANAC, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) tem mantido diálogo com concessionárias de rodovias para enfrentamento do tema.

Em webinar promovido pela Agência iNFRA na última sexta-feira, 24/4/2020, o Secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do MINFRA manifestou-se favoravelmente à recomposição do equilíbrio econômico de contratos de arrendamento sob sua competência. O secretário sinalizou pela possibilidade de repactuação dos prazos de arrendamento, medida essa que também preservaria a posição das autoridades portuárias tendo em vista as limitações orçamentárias que decorrerão do cenário atual. Outras medidas cogitadas no curto prazo compreenderiam a suspensão de investimentos e de pagamentos de valores de outorga.

De fato, há flexibilidade quanto a medidas de reequilíbrio a serem adotadas em cada caso, nos diversos setores, as quais poderão envolver, por exemplo: (i) pagamento de indenização; (ii) dilação de prazo para pagamento e/ou abatimento do valor de outorga; (iii) ampliação do prazo da concessão; e (iv) flexibilização de metas, prazos para cumprimento de obrigações de investimento e de regras operacionais.

Espera-se que as autoridades e as concessionárias de serviços públicos possam chegar a soluções ágeis e razoáveis, de forma a assegurar a continuidade da prestação de serviços públicos e a adequação dos contratos à realidade pós-pandemia.

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*Roberto Zilsch Lambauer é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Heloísa Figueiredo Ferraz é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Samuel Lopes Parmegiani é integrante do escritório Pinheiro Neto Advogados.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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