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De fato, o STF entendeu que a Covid-19 é doença ocupacional? Qual a extensão da decisão? O que as empresas devem fazer?

A MP 927, de 22/3/20, dispôs sobre as medidas trabalhistas de enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Atualizado às 08:58

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Dentre outras previsões, determinou que os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Ou seja, a ideia do Governo era deixar claro que o coronavírus não seria uma doença decorrente do trabalho, como regra, mas que aqueles empregados que trabalhassem em atendimento hospitalar (médicos, enfermeiros), por exemplo, pudessem ver a doença reconhecida como ocupacional, por se enquadrarem na exceção prevista na própria Medida Provisória.

No último dia 29/4/2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela suspensão da eficácia do referido dispositivo legal, permitindo, por consequência, a análise de eventual contaminação de empregados pelo coronavírus ser considerada como doença ocupacional.

O fato de nossa Corte Suprema ter liminarmente suspendido o artigo que previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, não presume o entendimento de que os mesmos o serão. A interpretação não pode ser no sentido contrário.

A doença ocupacional é um gênero do qual são espécies a doença profissional ou do trabalho, previstas na legislação previdenciária, cujo enquadramento decorre da existência de nexo causal presumido ou não.

Neste cenário, quando tratamos de médicos que estão atuando em contato direto com pacientes infectados, temos que o nexo causal é presumido, ao contrário de um profissional de contabilidade que está atuando em home office, por exemplo.

Nem mesmo os cientistas conseguem identificar e comprovar o momento exato da infecção pelo covid-19, de forma que esse ônus não pode ser imposto ao empregado. O STF nesse sentido entendeu que dar ao empregado o ônus de comprovar que sua doença é relacionada ao trabalho oneroso demais e, por vezes, impossível (o que chamamos de "prova diabólica'). Até aí, temos que concordar que a decisão foi correta.

Ocorre que a mesma lógica deve ser aplicada também em relação aos empregadores, ou seja, não se pode empurrar também esse ônus para as empresas.

A contaminação e consequente possível situação de incapacidade para o trabalho do empregado deverá ser analisada pelo INSS da mesma forma que as demais situações que suportam o pagamento de benefício, ocupacional ou não, pela entidade autárquica.

É importante lembrar que a contaminação de qualquer pessoa poderá ocorrer em casa, no deslocamento residência x trabalho e vice-versa, nos estabelecimentos comerciais relacionados ou não às atividades essenciais e também no trabalho.

Caberá ao empregador, em eventual discussão administrativa ou judicial futura, demonstrar os cuidados que adotou para preservar a saúde de seus trabalhadores, como identificação de riscos, histórico ocupacional, trabalho em home office, escalas de trabalho, rodízio de profissionais, orientação e fiscalização sobre adoção de medidas relacionadas à saúde e segurança, sobretudo higienização, entrega de equipamentos de proteção individual (EPI's), dentre outros.

A preocupação com essa definição vai muito além da emissão da CAT e da garantia de estabilidade no emprego após a alta médica prevista no art. 118, da lei 8213/91.

É muito importante que a sociedade saiba interpretar corretamente a decisão do STF, entendendo a extensão e potencial grau destrutivo dessa conclusão precipitada pelo nexo causal, pois nesse exato momento o Governo revogou a Medida Provisória 905/19 (que havia extinguido o acidente de percurso). Ou seja, o acidente ocasionado na ida e volta do empregado ao trabalho voltaram a gerar presunção de nexo causal com as atividades laborais e voltaram a ser considerados acidentes do trabalho. Em outras palavras, valeria dizer que o empregado que alegasse ter adquirido o coronavírus na ida ou volta ao trabalho, poderia ser afastado como doença ocupacional.

Pior que isso! Infelizmente inúmeros contaminados vêm a óbito, impactando de forma ainda mais assertiva no cálculo do FAP (e nos encargos incidentes em folha de pagamento), pagamento de verbas rescisórias e de benefícios legais e convencionais decorrentes, ressarcimento de despesas médicas e hospitalares, danos morais e até pensão mensal vitalícia.

Se o empregador tiver que assumir também a responsabilidade pelo contágio dos empregados em momento de calamidade pública, é bastante provável que prefira dispensar os empregados. Não nos parece que essa seja a melhor interpretação da decisão!

Neste cenário, a situação deve ser analisada com muito cuidado, vinculando a responsabilidade do empregador apenas quando esta for evidente e se tratar de nexo causal objetivo.

Infelizmente nos encontramos num estado de pandemia mundial, buscando sustentar a sobrevivência da sociedade e das empresas como um todo considerados, tendo este direcionamento para evitar os possíveis danos decorrentes da decisão do STF.

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*Maria Cibele de Oliveira Ramos Valença é sócia do escritório FAS Advogados - Focaccia, Amaral e Lamonica.

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