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O capitão em seu labirinto

2020 é ano perdido. Ao presidente restar-lhe-ão 2021 e parte de 2022.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Atualizado às 08:16

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O interesse popular pelas campanhas eleitorais mostra-se cada vez mais distante. Ao invés de despertarem entusiasmo, estimulam os eleitores a se afastarem, evidenciando o descrédito do sistema representativo.

Em passado distante os candidatos se valiam do santinho, passado de mão a mão, e do comício em praça pública. Papel importante era desempenhado pelo cabo eleitoral, uma espécie de correia de transmissão com as bases. Raros eram os casos de infidelidade. Quem se bandeava de lado perdia credibilidade. No cenário nacional predominavam o Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Brasileira (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), cada qual com campo de representação definido. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), ressurgido da clandestinidade em 1946 (para a qual voltaria logo depois), gozava do apoio de intelectuais marxistas-stalinistas, mas não despertava interesse na classe operária.

Acuado por generais da "linha dura", promotores do movimento de 31 de março de 1964, o presidente Castelo Branco editou o Ato Institucional 2, implantou o regime autoritário e dissolveu os partidos. Para substituí-los inventou a Aliança Democrática Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O primeiro daria sustentação ao governo e o segundo ficou encarregado de lhe fazer oposição. Passados 32 anos da promulgação da Constituição de 1988, o cenário político permanece desalentador. O Poder Legislativo, integrado por partidos volúveis e de baixa expressão, reúne poucos atores de primeira grandeza, sufocados em meio à generalizada mediocridade de simples figurantes.

Com a Nação dividida entre vaga onda bolsonarista e debilitado petismo, resta pouco espaço para o exercício da razão. O "centrão" comporta-se como sociedade limitada, criada para negociar alianças ao preço de ministérios, empresas públicas, sociedades de economia mista, diretorias, emprego. É o velho toma lá da cá de governos passados, que ameaça retornar.

O Poder Executivo está sob o comando do capitão Jair Bolsonaro. Até meados de 2018 S. Exa era deputado pouco conhecido além do prédio da Câmara dos Deputados. Tinha como característica agir qual lobo fora da alcateia. Raras vezes ocupou a tribuna. Transitou por quase todos os partidos. A punhalada em Juiz de Fora o colocou fora da campanha, circunstância que o beneficiou. Como presidente da República comporta-se como "boina verde" à caça de inimigos invisíveis. Governa com agressividade e dá a impressão de ser refratário à ideia de aceitar oposição. 

O presidente Bolsonaro é autêntico, porém destemperado. Venceu graças à debilidade circunstancial dos competidores. O alvo era o Partido dos Trabalhadores (PT). O binômio Lula-Dilma destruiu o país. A crise se arrastava há mais de dez anos, com aumento substancial do número de desempregados. Como era de se esperar, quem melhor incorporou o espírito do antipetismo ganhou a eleição.

Aproveito a quarentena para reler "A Marcha da Insensatez", de Bárbara Tuchman e "O General em seu Labirinto", de Gabriel Garcia Marquez, Bárbara Tuchman relata a história de governos poderosos que fracassaram vítimas de erros praticados no interior da cadeia de comando. Para qualquer governante o maior dos perigos consiste em se recusar a ouvir a verdade, escreveu a historiadora. Gabriel Garcia Marques descreve o último ano de vida de Simón Bolívar, o Libertador. Aos 41 anos, após sangrentas campanhas militares que resultaram na criação das repúblicas da Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Panamá, foi encontrar a morte na quinta de San Pedro Alexandrino, amparado pelos derradeiros amigos. Bolívar poderia ter sido, mas se recusou a ser ditador.

Rejeito a divisão do Brasil entre bolsonaristas e petistas. Lideranças renovadas se apresentarão no momento oportuno, para disputar a  presidência e governos estaduais. Repilo a possibilidade de impeachment ou de golpe. Jair Bolsonaro tem o direito de pleitear a reeleição. Terá pela frente, todavia, cenário diferente daquele enfrentado em 2018. A crise econômica, agravada pela pandemia, provocará aumento do desemprego. Os inimigos a serem vencidos em 2022 serão o desencanto e a pobreza. Mais uma vez o eleitor votará com o bolso. Durante a campanha Bolsonaro conviverá dia após dia com a imprensa. Não poderá ordenar jornalistas a calar boca. Será chamado a prestar contas sobre o combate coronavírus, as medidas adotadas em defesa da saúde, a debacle econômica, o empobrecimento da classe média, a reconstrução. Se sair-se bem, ótimo para ele. Se for mal correrá o perigo de humilhante  derrota.

2020 é ano perdido. Ao presidente restar-lhe-ão 2021 e parte de 2022. Conseguirá governar na segunda metade do mandato, ou permanecerá perdido no labirinto das acusações à China, à imprensa e à oposição? Veremos.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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