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A medida provisória 936/20 e sua aplicabilidade no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil e suas seccionais

Como medidas do programa, foram previstas a redução de jornada de trabalho, com proporcional redução de salários, com duração limitada a 90 (noventa) dias, e a suspensão temporária do contrato de trabalho, com prazo limite de 60 (sessenta) dias.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Atualizado às 12:08

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1.  A medida provisória 936/20 e os excluídos do Programa de Preservação do Emprego e da Renda

Diante do avanço da pandemia do Coronavírus, visando à adoção de medidas maximizadoras das formas de proteção do emprego para enfrentamento desse mal, o Governo Federal publicou, em 02 de abril de 2020, a medida provisória 936/20, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que tem como objetivos primordiais: a) a preservação do emprego e renda; b) a garantia da continuidade das atividades laborais e empresariais; e c) a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Como medidas do programa, foram previstas a redução de jornada de trabalho, com proporcional redução de salários, com duração limitada a 90 (noventa) dias, e a suspensão temporária do contrato de trabalho, com prazo limite de 60 (sessenta) dias. A participação do Governo foi definida a partir da criação do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEPER), que terá incidência nas hipóteses em que o empregador, visando à proteção dos postos de trabalho, adotar uma dessas medidas contempladas na MP 936/20.

O subsídio do governo para custeio do programa será destinado ao empregado, em prestações mensais, a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e, proporcionalmente, da redução de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, necessitando, para tanto, que empregador e empregado firmem acordo individual ou coletivo, conforme o caso, devendo, no prazo de dez dias, contado da celebração desse instrumento, informar ao Ministério da Economia da adesão ao programa, com o que o Governo terá o prazo de trinta dias para pagamento da primeira parcela.

A medida provisória, no entanto, excluiu do programa os empregados, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, em órgãos da administração pública direta e indireta, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e de organismos internacionais.

Além desses, foram também excluídos os ocupantes de cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo; ou em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 124 da lei 8.213/91 (direito adquirido); do seguro-desemprego, em qualquer de suas modalidades; e da bolsa de qualificação profissional de que trata o art. 2º-A da lei 7.998/90.

Considerando as reconhecidas peculiaridades das atividades exercidas pela Ordem dos Advogados do Brasil, as quais serviram para lhe conferir tratamento diferenciado no tocante à sua personalidade jurídica, importa-nos avaliar o alcance da exclusão em destaque no que atine a essa entidade, cujas funções não se limitam à representação de uma classe profissional.

2.  O julgamento da ADIn 3.026/DF

No julgamento da ADIm 3.026/DF, ao examinar a constitucionalidade do art. 79, § 1º, da lei 8.906/94, o Supremo Tribunal Federal afastou a natureza autárquica da Ordem dos Advogados do Brasil, atribuindo-lhe a qualidade de prestadora de serviço público independente, categoria singular no rol das personalidades jurídicas elencadas no ordenamento jurídico pátrio. Nessa medida, pode-se afirmar que a natureza jurídica da OAB é própria, singular ou, para se utilizar uma expressão muito comum na doutrina, em situações desse jaez, esta entidade possui natureza sui generis.

A decisão em referência teve por relator o, então, ministro Eros Grau e foi plasmada nos pressupostos de que (I) a OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União; (II) A OAB não está incluída na categoria de "autarquias especiais", hoje chamadas "agências"; (III) a OAB não está sujeita ao controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada; (IV) a OAB não possui relação ou dependência com qualquer órgão público; e (V) a OAB não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional, por possuir finalidade institucional1.

Vale lembrar que o julgamento da ADI n. 3026/DF seguiu em compasso com a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União na AC 1.765/032, amparada em decisão anterior proferida pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, de 19513, a partir do que se entendeu que o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da OAB estão desobrigados à prestação de contas perante o TCU4.

Nos autos da ADIn 3.026/DF também foi consignado parecer da lavra de Ives Gandra da Silva Martins, no qual assentara a ausência de natureza tributária das contribuições destinadas à OAB, não se inserindo na regra constitucional do art. 149, ressaltando a posição diferenciada que a OAB mantém dentro do Sistema Constitucional (art. 133 da CRFB/88), além de, em razão de sua autonomia e função, não ser um instrumento de atuação da União.

Em recente julgado, ao analisar o mandado de segurança 36.376, impetrado pelo Conselho Federal da OAB contra acórdão do TCU que, no julgamento de processo administrativo, entendeu que a entidade deveria prestar-lhe contas, o Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra da ministra Rosa Weber, deferiu liminar para suspender os efeitos da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), por entender que determinação da Corte de Contas contraria "linhas basilares de entendimento jurisprudencial" consolidado no âmbito do STF.

Nesse sentido, inquestionável que o entendimento jurisprudencial consolidado segue a linha de que a Ordem dos Advogados do Brasil possui personalidade jurídica singular, não integrando a Administração Pública.

3.  As medidas previstas na MP 936/20 e sua incidência na OAB

Na linha dos argumentos acima expendidos, a menos que a medida provisória tivesse feito essa expressa menção ao indicar os excluídos do programa ali implementado, tal exclusão não alcança a Ordem dos Advogados do Brasil.

Observe que a exclusão que nos interessa tocar para a análise da especial situação da OAB, alcançou os órgãos da administração pública direta e indireta. Sendo certo que a OAB, como acima vastamente explicitado, não integra tal estrutura, a ela não se aplica a regra excludente em referência.

Nesse passo, desde que a adoção das medidas implementadas pela MP 936/20, de redução de jornada, com proporcional redução de salário, ou suspensão temporária dos contratos de trabalho tenham por escopo o alcance dos objetivos implementados pelo programa ali criado, quais sejam: a) a preservação do emprego e da renda; b) a garantia da continuidade das atividades laborais e patronais; e c) a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, tais medidas mostram-se passíveis de implementação no âmbito das seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, bem assim da OAB Nacional.

Esclareça-se, todavia, que essas medidas estão atreladas a razões de ordem econômica a lhes respaldar, de maneira que é pressuposto para a sua devida implantação, que tem por elemento basilar a boa-fé nas relações contratuais, eventual crise financeira a impactar os cofres das entidades.

No caso da OAB e suas seccionais, que sobrevivem, basicamente, das contribuições dos advogados, o impacto orçamentário, em uma circunstância como essa, é inequívoco, seja pelos investimentos em tecnologia que a situação de pandemia lhes impõe, seja pela fragilidade financeira que a suspensão das atividades do Judiciário está a impor aos advogados, impactando, por conseguinte, em suas reservas financeiras e no aumento da inadimplência das anuidades.

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1 Brasília, 08.06.06. Min. EROS GRAU - Relator (DJ 29.09.06, Ementário 2249-3, Tribunal Pleno).

2 Naquela oportunidade, foram vencidos o relator e o representante do Ministério Público.

3 "A Ordem dos Advogados não está obrigada a prestar contas ao Tribunal de Contas da União; não recebe ela tributos nem gira com dinheiros ou bens públicos" (Recurso em Mandado de Segurança 797/DF, tendo por recorrente a Ordem dos Advogados do Brasil e recorrido o Tribunal de Contas da União)

4 Fonte: clique aqui

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*Cyntia Possídio é advogada, sócia de Castro Oliveira Advogados, Mestra em Direito pela UFBA, Conselheira Seccional da OAB/BA.

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