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O participante da pesquisa médica

O participante da pesquisa envolvendo experimentação em seres humanos recebe o respeito à dignidade, liberdade e autonomia para que possa exercer com total segurança e proteção o múnus público de relevante destinação sócio humanitária.

domingo, 17 de maio de 2020

Atualizado em 18 de maio de 2020 07:12

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Com o incessante avanço da pandemia provocada pela Covid-19, muitos países se lançaram numa verdadeira competição em busca da descoberta de medicamentos e até mesmo da imunização total por meio de vacina. Percebe-se que é um trabalho de grande fôlego e, até o presente, a comunidade científica, apesar de instada, não ofertou qualquer resultado que fosse considerado relevante. Para tanto, são elaborados estudos clínicos que compreendem as várias fases que são necessárias para a avaliação da eficácia de um medicamento. Uma vacina, por exemplo, não só pela sua complexidade, como também pela utilização de um considerável número de pacientes, guarda o prazo de um ano aproximadamente para os estudos e validação pelas autoridades de saúde.

Todas as normas relacionadas com a experimentação em seres humanos no Brasil são de competência do Ministério da Saúde que, pelo Conselho Nacional de Saúde, expediu a resolução nº 466/2012, estabelecendo, de forma disciplinada, todas as regras de proteção, garantia e demais tutelas aos participantes voluntários que alguns meios de comunicação tratam como "cobaias humanas". Termo totalmente inadequado, incompatível e que guarda uma abissal distância com a prática desenvolvida pelos pesquisadores de Nuremberg.

Quem é, portanto, este colaborador oculto, cujo nome não aparece e que pratica uma verdadeira ação cívica revestida de alto grau de solidariedade? O participante da pesquisa voltada para os seres humanos é detentor de um dos pilares estabelecidos na Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana. Passa a ser um colaborador abnegado e sem qualquer remuneração, já que também se encontra na situação de paciente, visando o progresso da ciência e da tecnologia, com a finalidade específica de buscar benefícios atuais e potenciais para a humanidade, compreendendo, dentre muitos, o bem-estar e a tão ambicionada qualidade de vida.

Quer dizer, ao mesmo tempo em que colabora com o progresso científico, nos moldes de um exercício espontâneo e voluntário, inspirado na solidariedade humana, tem preservadas sua autonomia de vontade e dignidade. O estudo clínico dentro da área de pesquisa técnica é diferente da clínica médica.

Esta já vem rotulada em protocolos de segurança e eficácia em razão da utilização de práticas já consagradas. Aquele, ao contrário, é um trabalho eminentemente científico, com métodos próprios e conta com a participação de vários atores para buscar novas e inovadoras práticas médicas, utilizando-se ou não das existentes, no sentido de encontrar benefícios cada vez mais significativos para a vida humana.

Para tanto, basta uma simples comparação para entender a dimensão do participante da pesquisa. Na clínica médica há uma relação muito estreita entre o médico e o paciente e qualquer decisão a ser tomada, principalmente a que compreender qualquer procedimento invasivo, há necessidade da adesão do interessado, representada pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na pesquisa, a realidade é outra. Pode-se dizer que é uma relação triangular, um verdadeiro actum trium personarum, compreedendo aqui a intervenção adesiva obrigatória do Estado que, pelos seus agentes de atuação no Sistema CEP/CONEP, serão corresponsáveis por garantir a proteção dos participantes da pesquisa com os melhores padrões éticos. Não se trata de paciente e sim de voluntário que assume relevante postura em se oferecer para colaborar com a pesquisa, daí a contrapartida estatal.

Tanto é que, para reforçar a esfera protetiva estatal, a mencionada resolução conta com referenciais bioéticos - verdadeira tríade que consagra os interesses dos participantes de pesquisa - como a autonomia da vontade, a beneficência e a justiça distributiva ou da equidade.

Assim é que, pela autonomia da vontade do participante, representada pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por ele ou por seu representante legal assinado, após esclarecimento completo, estabelece-se um pacto livre de vícios, subordinação ou intimidação. Nele ficarão explicitados os objetivos, métodos, natureza da pesquisa, benefícios previstos, principalmente daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade e que merecem tutela diferenciada, na pessoa de seu representante legal. No mesmo documento, com linguagem clara e acessível, deverá: a) constar a finalidade do estudo, seus riscos, benefícios, tanto os atuais como os potenciais, individuais e coletivos, observando-se o compromisso de se obter o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;  b) assegurar a preservação da confidencialidade, privacidade e proteção da imagem; garantir a todos os participantes da pesquisa no final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes; c) apontar os responsáveis pelo acompanhamento; d) descrever os direitos que serão assegurados aos participantes e todas as informações específicas do estudo, com a total liberdade de desvincular-se dele quando for de seu interesse.

É de se frisar, finalmente, que a proteção legal indenizatória para os participantes da pesquisa extrapola as cláusulas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e qualquer tipo de dano resultante de sua participação, respeitado o nexo de causalidade, propiciará direito à indenização por parte do pesquisador, do patrocinador e das instituições envolvidas nas diferentes fases da pesquisa.

Percebe-se, desta forma, que o participante da pesquisa envolvendo experimentação em seres humanos recebe o respeito à dignidade, liberdade e autonomia para que possa exercer com total segurança e proteção o múnus público de relevante destinação sócio humanitária.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

 

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