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Tribunal do júri e a inconstitucionalidade da execução da pena imediata

O tribunal do júri é um julgamento feito pelo povo, no qual não é exigido aos jurados conhecimentos técnicos, as conclusões são imotivadas e muitas são totalmente contrárias à prova dos autos, além do conselho de sentença ser formado apenas por 7 jurados.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Atualizado às 10:48

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A lei 13.964/2019 mais conhecida como Pacote Anticrime trouxe inúmeras alterações no Código Penal, leis extravagantes, bem como no Código de Processo Penal. E uma das modificações no CPP foi a previsão legal de autorizar a imediata execução da pena para os crimes julgados pelo tribunal do júri quando a pena for igual ou maior que 15 anos de prisão, conforme previsto no art. 492 do CPP. Com todas as vênias, trata-se de mais uma previsão legal inconstitucional, populista, antidemocrática, simbólica, segregadora.

Inconstitucional, visto o art. 5º, LVII da CF/1988 estabelecer o princípio da presunção de inocência, de modo que, a pessoa deve ser considerada inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ademais o plenário do STF rechaçou a execução da pena após confirmação em 2º grau, bem como o art. 283 do CPP prevê que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.

Portanto, estabelecer o início da execução da pena apenas pelo fato dos jurados ter entendido pela condenação do réu viola completamente os princípios constitucionais da presunção de inocência, devido processo legal, duplo grau de jurisdição.

O tribunal do júri é um julgamento feito pelo povo, no qual não é exigido aos jurados conhecimentos técnicos, as conclusões são imotivadas e muitas são totalmente contrárias à prova dos autos, além do conselho de sentença ser formado apenas por 7 jurados.

A sentença do tribunal do júri cabe recurso, portanto é passível de reforma no sentido de ser reconhecida nulidade, decisão contrária a conclusão dos jurados ou à lei expressa, retificar a dosimetria da pena, e quando a decisão dos jurados contrariar à prova dos autos. A depender do resultado do recurso será obrigatório realizar um novo julgamento, visto o princípio da soberania dos veredictos. Pontua-se que, a soberania e incomunicabilidade dos jurados tratam-se de princípios garantidores ao acusado porque mantém a independência dos jurados.

Portanto, tal princípio não pode ser visualizado como algo supremo, irretocável, pois é plenamente possível o tribunal modificar a decisão dos jurados e determinar um novo julgamento consoante as previsões do art. 593, §3º do CPC. Logo determinar o início da execução da pena de imediato fere por completo o 2º grau de jurisdição também, pois esse indivíduo pode ser "jogado" nas mazelas do cárcere e depois ser absolvido em novo júri, o que é completamente injusto, desumano e desrespeitoso ao cidadão. Afinal no cárcere o cidadão perde por completo toda a sua dignidade, diga-se de passagem, se conseguir sair vivo do estabelecimento prisional, pois no Brasil todas as prisões são ilegais, desumanas, degradantes e extremamente perigosas pelo fato do Estado não dar segurança aos encarcerados. É um completo depósito humano!

Essa previsão contida no art. 492, I, "e" do CPP é mais uma previsão legal populista e simbólica, no qual o legislador tenta passar a sociedade de que está tentando resolver o problema da violência na sociedade. Contudo sabemos que o encarceramento não resolve a problemática da violência, é preciso a junção de diversos fatores para tentar diminuí-la. A exasperação da pena e encarceramento tem o papel apenas do simbolismo penal, contudo não ataca a causa do problema. Além de ser segregadora pelo fato dos crimes contra a vida que são processados e julgados, na sua maioria, os acusados fazem parte da população menos favorecida.

Apenas pelo amor ao debate, cumpre ressaltar que no nosso ordenamento jurídico há crimes graves e que as penas são elevadíssimas, como roubo com resultado morte (art. 157, §3º, II do CP - 20 a 30 anos, e multa), extorsão mediante sequestro (art. 159, §3º do CP - 24 a 30 anos), e tais crimes não admitem a exceção da prisão pena antecipada, o que fere por completo o princípio da isonomia. Ademais a gravidade do crime por si só não fundamenta um decreto prisional provisório, quiçá, de uma prisão pena.

Para concluir, registro que não sou a favor da impunidade, mas luto por um processo penal democrático e garantidor. No qual sejam respeitadas todas as garantias constitucionais ao acusado, inclusive, a vedação à antecipação do cumprimento da pena.

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*Alberto Ribeiro Mariano Júnior é advogado criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA.

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