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Notificação a posteriori e seleção adversa: Os potenciais efeitos anticoncorrenciais advindos da lei 14.010/20

A ausência de obrigatoriedade de notificação prévia prevista para a fase da pandemia do Covid-19 pela lei 14.010/20, além de representar um retrocesso a notificação a posteriori, ainda aumenta a probabilidade de que operações mais problemáticas do ponto de vista concorrencial se deem nesse período, o que eleva o risco médio concorrencial da economia.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Atualizado em 18 de junho de 2020 08:15

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O PL 1179/20 foi convertido na Lei nº 14.010/2020. O caput do art. 14, que trata das alterações no regime concorrencial, torna sem eficácia os incisos XV e XVII do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da lei 12.529/11 em relação a todos os atos praticados e com vigência a partir do dia 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/2020.

Afora a questão de se tratar a ausência da eficácia dos incisos XV e XVII de uma verdadeira isenção antitruste resultante de um vácuo legislativo, vale comparar os efeitos potenciais da ausência de eficácia do inciso IV do art. 90 da lei de regência com àqueles ocorridos no âmbito da entrada em vigor da lei 12.529/11 em substituição a lei 8.884/94 do ponto de vista da teoria da informação.

O inciso IV prevê que se realiza um ato de concentração quando (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture (Art. 90, IV) e, a suspensão da sua eficácia no mencionado período significa dizer que as empresas que se subsumirem nos critérios previstos no art. 88 da lei de regência não serão obrigadas a notificar o ato ao CADE, ainda que a autoridade possa solicitar a notificação assim que a pandemia findar.

Esse dispositivo tem o condão de produzir pelo menos dois efeitos nocivos ao ambiente concorrencial, sendo o primeiro deles o efeito negativo da notificação a posteriori, que era característica da Lei nº 8.884/1994, e o segundo e mais danoso à concorrência, que é o problema de seleção adversa originado pelo relaxamento do controle de estruturas da autoridade antitruste no período em questão.

A notificação prévia foi uma das grandes inovações trazidas pela lei 12.529/11 e foi instituída para solucionar um grave problema de ordem anticoncorrencial, que era a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as empresas que realizavam as operações antes da manifestação da autoridade concorrencial.

O retorno à notificação posteriori, ainda que por prazo limitado, representa riscos potenciais à concorrência muito superiores àqueles que ocorriam na vigência da Lei nº 8.884/1994 porque (i) a notificação, quando ocorrer, será em prazo muito superior àquele previsto na legislação anterior e, (ii) a probabilidade de reversão da operação (preservando parte das informações concorrencialmente sensíveis) será próxima de zero, pois, nem o velho e conhecido APRO1 está previsto na novel legislação.

Ainda mais preocupante que os efeitos negativos da notificação a posteriori é o problema de seleção adversa oriundo da entrada em vigor da mencionada Lei, lembrando que, em apertada síntese, a seleção adversa é traduzida pelo retorno médio aferido pela parte a partir do incentivo dado aos agentes que detêm informação privada, de maneira que sempre aceitarão o incentivo aqueles agentes que tiverem um retorno superior ao seu custo de ingresso e, o retorno do gerador do incentivo será dado sempre pela média dos entrantes (ex. salários mais altos em processos seletivos atraem, na média, candidatos mais qualificados).

Esse é seguramente o caso que acontecerá com a promulgação da lei 14.010/20, pois a suspensão da eficácia do previsto no inciso IV significa que o CADE abrirá mão da informação concorrencial prévia advinda da notificação dos atos de concentração referentes a contratos associativos, consórcios e joint-ventures.

No entanto, sendo o controle prévio de operações prevista na lei 12.529/11 um elemento inibidor de comportamentos oportunistas, pois torna transparente parte das informações privadas das empresas envolvidas na operação, a sua ausência gera incentivos para que operações com natureza anticoncorrencial sejam realizadas, fazendo com que, na média, o número esperado de operações problemáticas de contratos associativos, consórcios e joint-ventures sejam realizadas sem a chancela do CADE.

Portanto, a ausência de obrigatoriedade de notificação prévia prevista para a fase da pandemia do Covid-19 pela lei 14.010/20, além de representar um retrocesso a notificação a posteriori, ainda aumenta a probabilidade de que operações mais problemáticas do ponto de vista concorrencial se deem nesse período, o que eleva o risco médio concorrencial da economia.

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1 O APRO era o Acordo de Preservação da Reversão da Operação. Foi um instrumento criado no âmbito da vigência da lei 8.884/94 para estancar os efeitos da operação até que o CADE tivesse condições de fazer a sua análise.

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t*Elvino de Carvalho Mendonça é consultor econômico do Mendonça Advocacia.





t*Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça é sócia do escritório Mendonça Advocacia.

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